Nasci de raça pura, territorial, num ano de escassez, rodeado de muitos cães e entregue aos cuidados da minha mãe, uma matriarca zelosa que se via a braços para alimentar os seus filhotes. Dos 45 aos 120 dias pouco ou nada interagiram comigo, valeram-me os meus irmãos e bem cedo me vi privado deles, porque rumei para um território estranho e acabei encarcerado num canil, onde raramente alguém me visitava ou intentava adoptar-me. Isento de companhia, fiquei entregue aos meus instintos e fiz da solidão o meu viver social, porque ninguém ouvia os meus gemidos ou parava à minha porta, era um entre dezenas e um dos mais ignorados. Nunca tive brinquedos nem com quem brincar, só pensava em fugir dali, reencontrar o meu grupo e crescer junto dele.
Esporadicamente iam testar o meu instinto de presa e rapidamente me rotularam de inapto, ignorando eu as implicações de tal sentença. Dali fui desterrado para o perímetro de uma obra, onde a comida era escassa, ninguém reparava em mim e ainda me vi mais perdido, por força da novidade e do isolamento forçado. Durante o dia prendiam-me e à noite soltavam-me, queriam fazer de mim um guarda e eu nem sabia o que isso era, porque todos me davam ordens e ninguém quis ser meu líder, não tinha grupo e constantemente variavam o meu território. Apesar de haver por ali muita gente, raros eram os que acercavam de mim, sentia-me infeliz e deslocado, desmotivado para o que quer que fosse, ansiava pela liberdade e procurava quem me aceitasse. Atingi a maturidade sexual entre pranchas e pregos, forçaram-me à falta de apetite e condicionaram o meu crescimento, acabei pequeno, de fraca ossatura e de pouco impulso ao alimento, marcas que carrego e das quais dou mostras.
Um dia, quando menos esperava, fui resgatado da obra e entregue a uma família, o que aliviou o meu fardo e muito me alegrou, apesar de não poder esquecer a minha permanência naquele estaleiro, porque nele cresci votado ao abandono e a olhar para as estrelas. Ainda que não o adivinhasse, fui mais uma vez colocado numa propriedade, esta sem muros, preso a uma corrente e junto de outros cães, local onde hoje sobrevivo a pensar na liberdade (de lá já fugi uma vez e ao fim de alguns dias acabaram por encontrar-me). Aos fins-de-semana vêm buscar-me e levam-me para casa, o que me provoca alguma estranheza e me obriga a passar as noites em alvoroço. Eu quero estar junto deles, subir para as suas camas, desejo ser membro daquele grupo e sempre acabo por lhes roubar alguns pertences, apesar de agora ter brinquedos, higiene e comida a horas. Os fins-de-semana passam rapidamente e lá volto eu para a corrente, ao fado que não aceito e que agrava o meu penar.
Frequento aos Sábados e Domingos uma Escola, facilmente aprendi a andar à trela, tenho evoluído para além do esperado e já ando em liberdade. Já aprendi a escorraçar intrusos e a defender os pertences do meu condutor, gosto da ginástica e nem sempre aceito de bom grado a obediência, porque o meu condutor é jovem, inexperiente e por vezes desatento, erra nos procedimentos e lança-me na confusão. À parte disso, eu adoro-o e não raramente transporto a trela na boca para que vá passear comigo. Por vezes provoco alguns desacatos, porque sou competitivo e possessivo, trago as marcas do passado e a idade a isso induz. A Escola tem-me devolvido à vida e lá sinto-me bem, o adestrador gosta de mim e já fiz alguns amigos. Eu só não quero é estar só, por causa disso reclamo a presença do meu condutor para comer e desinteresso-me do penso quando ele não está por perto, porque não quero ser um cão de programa ou um guardião em part-time dum binómio eventual.
A história do cão que ninguém queria e que afinal tem potencial ainda não acabou, o cão continua vivo, tem 18 meses e aguarda por dias melhores, mesmo que não tenha perspectiva de futuro e que dificilmente esqueça o passado. Esta história não é fictícia e haverão outras piores, relatos de cães extraordinários que acabaram desprezados, verdadeiros sobreviventes diante da mediocridade humana, que cega de objectivos não vê o que tem à frente e que acaba por desprezar o que lhe faz falta, mercê de interesses vários, pouco empenho e alto quilate de ignorância. Pense bem antes de decidir ser criador e não adopte nenhum cão de ânimo leve.
Esporadicamente iam testar o meu instinto de presa e rapidamente me rotularam de inapto, ignorando eu as implicações de tal sentença. Dali fui desterrado para o perímetro de uma obra, onde a comida era escassa, ninguém reparava em mim e ainda me vi mais perdido, por força da novidade e do isolamento forçado. Durante o dia prendiam-me e à noite soltavam-me, queriam fazer de mim um guarda e eu nem sabia o que isso era, porque todos me davam ordens e ninguém quis ser meu líder, não tinha grupo e constantemente variavam o meu território. Apesar de haver por ali muita gente, raros eram os que acercavam de mim, sentia-me infeliz e deslocado, desmotivado para o que quer que fosse, ansiava pela liberdade e procurava quem me aceitasse. Atingi a maturidade sexual entre pranchas e pregos, forçaram-me à falta de apetite e condicionaram o meu crescimento, acabei pequeno, de fraca ossatura e de pouco impulso ao alimento, marcas que carrego e das quais dou mostras.
Um dia, quando menos esperava, fui resgatado da obra e entregue a uma família, o que aliviou o meu fardo e muito me alegrou, apesar de não poder esquecer a minha permanência naquele estaleiro, porque nele cresci votado ao abandono e a olhar para as estrelas. Ainda que não o adivinhasse, fui mais uma vez colocado numa propriedade, esta sem muros, preso a uma corrente e junto de outros cães, local onde hoje sobrevivo a pensar na liberdade (de lá já fugi uma vez e ao fim de alguns dias acabaram por encontrar-me). Aos fins-de-semana vêm buscar-me e levam-me para casa, o que me provoca alguma estranheza e me obriga a passar as noites em alvoroço. Eu quero estar junto deles, subir para as suas camas, desejo ser membro daquele grupo e sempre acabo por lhes roubar alguns pertences, apesar de agora ter brinquedos, higiene e comida a horas. Os fins-de-semana passam rapidamente e lá volto eu para a corrente, ao fado que não aceito e que agrava o meu penar.
Frequento aos Sábados e Domingos uma Escola, facilmente aprendi a andar à trela, tenho evoluído para além do esperado e já ando em liberdade. Já aprendi a escorraçar intrusos e a defender os pertences do meu condutor, gosto da ginástica e nem sempre aceito de bom grado a obediência, porque o meu condutor é jovem, inexperiente e por vezes desatento, erra nos procedimentos e lança-me na confusão. À parte disso, eu adoro-o e não raramente transporto a trela na boca para que vá passear comigo. Por vezes provoco alguns desacatos, porque sou competitivo e possessivo, trago as marcas do passado e a idade a isso induz. A Escola tem-me devolvido à vida e lá sinto-me bem, o adestrador gosta de mim e já fiz alguns amigos. Eu só não quero é estar só, por causa disso reclamo a presença do meu condutor para comer e desinteresso-me do penso quando ele não está por perto, porque não quero ser um cão de programa ou um guardião em part-time dum binómio eventual.
A história do cão que ninguém queria e que afinal tem potencial ainda não acabou, o cão continua vivo, tem 18 meses e aguarda por dias melhores, mesmo que não tenha perspectiva de futuro e que dificilmente esqueça o passado. Esta história não é fictícia e haverão outras piores, relatos de cães extraordinários que acabaram desprezados, verdadeiros sobreviventes diante da mediocridade humana, que cega de objectivos não vê o que tem à frente e que acaba por desprezar o que lhe faz falta, mercê de interesses vários, pouco empenho e alto quilate de ignorância. Pense bem antes de decidir ser criador e não adopte nenhum cão de ânimo leve.
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