Uma leitora enviou-nos o
seguinte email, que estendemos na íntegra à globalidade dos nossos leitores:” Prezados Senhores, tenho
reparado que a obediência canina ocupa um lugar privilegiado naquilo que dizem
ensinar. Gostava de saber qual o seu propósito, utilidade, método de ensino e
contribuição para o bem-estar dos cães. Atentamente (…)”.
Entendemos a obediência
como a pedra basilar do ensino clássico canino, porque nenhuma disciplina
cinotécnica, especialidade ou binómio a podem dispensar, considerando a desejável
interacção entre homens e cães baseada na cumplicidade que a torna possível. O
alcance da cumplicidade que leva à assimilação dos protocolos, à aceitação da
regra e à instituição de um código de vida é um pré-requisito para o objectivo
central do adestramento - a salvaguarda canina. Em simultâneo e quando
necessário, a cumplicidade possibilita ainda o fim útil dos cães, que difere de
animal para animal de acordo com as suas características ou mais-valias
individuais.
Como a disciplina de
obediência não pode ser dissociada daquilo que oferece e é um canal seguro e
privilegiado para a comunicação interespécies, a formação dos condutores,
enquanto líderes e gestores do esforço canino torna-se obrigatória, tanto para
compreenderem como para se fazerem compreender, o que equivale a dizer que
devem dominar e aplicar acertadamente as ordens que constituem o código no seu
todo, desenvolvendo para isso as posturas e a sinalética que possibilitam a
transformação dos comandos em automatismos. Como se depreende, a obediência é
uma disciplina que instrói e capacita donos e cães, carecendo ambos de
aprovação.
Antes dos pormenores
técnicos relativos ao particular dos conteúdos e subsídios de ensino, importa
realçar o papel da recompensa e a contribuição do reforço positivo para o
melhor aproveitamento do potencial canino, porque tornaram o adestramento mais
célere e menos traumático, suscitando dos cães maior alegria e superior
disponibilidade, por verem o seu esforço recompensado. Adeptos do reforço
positivo, que não se restringe apenas a um ou dois modos de recompensar,
entendemos que a sua adopção veio devolver a dignidade aos cães, tratá-los com
o devido respeito e apostar decididamente no seu bem-estar.
De acordo com o nosso
método concorrem para o ensino da obediência 3 linguagens, 2 modos e 3 tipos. As
linguagens a utilizar e que se reforçam reciprocamente são: a verbal, a gestual
e a sonora. Os modos apontam para o ensino atrelado e em liberdade e os três
tipos utilizados prendem-se com os possíveis no exercício da condução, a saber:
linear, dinâmico e nuclear. Entende-se por condução linear aquela que é desenvolvida
em círculo ou em recta, tanto à trela como posteriormente em liberdade, com o
cão em marcha, sem transição de andamentos e sem o concurso de obstáculos,
funcionando a trela como um verdadeiro cordão umbilical para o condicionamento
procurado.
A condução linear é a base
introdutória e indutora das conduções que a complementam e que são fruto do seu
aproveitamento. A maioria dos comandos neste tipo de condução são subsídios ou
comandos de imobilização (alto, senta, deita, quieto, morto e de pé) muito
embora sejam contrabalançados com os comandos direccionais de em frente, troca,
roda, à frente e atrás. A condução dinâmica é caracterizada pelo uso dos
diversos andamentos do cão (passo, marcha e galope), podendo usar-se em simultâneo
qualquer dos subsídios de imobilização atrás adiantados. Ainda que a condução
dinâmica possa ser requerida à trela, nomeadamente na fase de transferência da
linear, ela só ganha o seu sentido quando executada com o cão em liberdade, o
que irá obrigar os seus condutores a alguma disponibilidade física,
considerando os percursos de obstáculos que não dispensa e onde se robustece.
A condução nuclear,
expoente máximo da condução, acontece quando o esforço dos condutores é
minimizado e o dos cães é maximizado, deslocando-se os animais distantes dos
seus condutores, mas debaixo da sua orientação, executando diversos percursos,
evoluções ou conjunto de obstáculos, como se movidos por um “controlo remoto”.
Debaixo desta condução e nos percursos circulares, os condutores conservam-se
no seu centro e nos lineares os cães dispensam qualquer acompanhamento por
parte dos seus líderes. Escusado será dizer que as mudanças de direcção e os
comandos de imobilização serão também solicitados à distância. Quando à
condução nuclear se junta a linguagem gestual, estamos perante binómios considerados
operacionais, próprios para a defesa e guarda de pessoas e bens.
É trabalho da obediência
alcançar a tríplice sociabilização canina: entre iguais, com outros animais e
com pessoas. A recusa de engodos, o accionar de dispositivos de alarme, o
transporte de utensílios e de meios de socorro, o resgate de pessoas, a
complementaridade com meios electrónicos, a constituição de cães de terapia e
assistência, são também tarefas dela decorrentes. Nenhum cão tem mais ou menos
obediência - ou tem ou não tem - e ela tem para nós uma condição exclusiva: o
seu cumprimento pronto e imediato, o que define o treino como rigor, já que exercício
da obediência canina aprende-se na escola para se aplicar no quotidiano. Eis em
síntese o que entendemos por obediência, quais os seus
propósitos, utilidade, método de ensino e contribuição para o bem-estar dos nossos
fiéis amigos.
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