quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

DIGAM-ME PORQUÊ

Antes de avançar o enunciado sou obrigado a revelar particulares que só os criadores experimentados das respectivas raças caninas conhecem à partida, muto embora alguns os ocultem intencionalmente: Cockers dourados; Dogues Alemães Boston e Arlequins; Filas de S. Miguel vermelhos e negros; Labradores chocolate; Leões da Rodésia vermelhos; Pastores Alemães azuis, chocolate, negros, red sable e vermelhos e Serras da Estrela marfim e negros, enquanto variedades cromáticas recessivas, podem apresentar comportamentos aparentemente inexplicáveis ligados à sua curva de crescimento e ao alcance precoce ou tardio das suas respectivas maturidades, sendo por isso animais que merecem a melhor das atenções e cuidados.
Dito isto, vamos ao enigma. Um cachorro CPA negro com 4 meses e pouco, que trocou os dentes dos 3 para os 4 meses, com irmãos de ninhada a rasar os 30 kg de peso, recentemente adquirido e que em casa do seu criador não evidenciou qualquer problema, resiste agora em entrar para o carro da família desmesuradamente, sem contudo se mostrar agressivo, mostrando idêntica resistência nas idas ao veterinário e manifestando em simultâneo um profundo incómodo quando os seus donos lhe pegam ao colo, gente que gostaria de saber a qual a causa deste comportamento anómalo para poder valer-lhe.
Pelo que adiantámos fica claro que estamos perante um animal precoce que foi tardiamente adquirido, sendo esta a primeira causa para o seu desencanto e resistência. A passividade (imobilidade) com que resiste denuncia um comportamento submisso, porque doutro modo insurgir-se-ia de maneira mais agressiva ao incómodo e poderia até morder atendendo ao seu estádio etário e robustez. Convém relembrar que são muitíssimo raras, raríssimas, as ninhadas constituídas apenas por valentes, sobrando ao invés muitas constituídas somente por cachorros submissos, fenómeno em parte ligado à sobrevivência da espécie e ao seu viver social.
O facto do cachorro ser precoce levou-o a aceitar mais cedo o peso da hierarquia a que já se havia acostumado e a estranhar tanto nova liderança como o escalonamento social que encontrou junto dos seus actuais donos, mostrando-se inseguro e por conseguinte confuso, não querendo dar mais um passo que o afaste ainda mais do seu criador, à sombra do qual se sentia seguro e feliz! Que fique claro: estou a falar para o entendimento dos homens sem ter a intenção de humanizar os cães.
Identificado o duplo problema, que é de cariz individual e social, importa encontrar-lhe outra solução para além do retorno do cachorro ao seu criador, solução que seria sem dúvida do agrado do animal. Como se depreende, o problema é transitório e mais cedo ou mais tarde desaparecerá, não necessitando para isso de maior empenho dos donos. Porém, como estamos a lidar com um animal precoce e importa aproveitar os seus ciclos de maior plasticidade anatómica, que nele acontecem mais cedo e mais rápido, e sabendo-se que o crescimento físico é acompanhado pelo crescimento cognitivo, urge resolver o problema quanto antes face ao bem-estar psicossocial do cachorro e à parceria dele esperada.
Já se está a ver que a solução virá da interacção entre os donos e o cachorro, interacção que deverá ser descontraída e não forçada, através de dissimuladas manobras de estímulo, que independentemente do seu resultado imediato, deverão ser repetidas até ao resultado esperado. Entretanto, importa manter as rotinas domésticas para que o cachorro as conheça, saiba com o que conta e se adapte ao seu novo lar quanto antes. Neste período de adaptação do animal deverão ser evitadas acaloradas discussões na sua presença e manifestações ruidosas de revolta ou de júbilo (compreende-se porquê). Com persistência e paciência, mais depressa do que o esperado, o cachorro largará a tristeza da separação e abraçará o seu novo grupo, porque sente necessidade dele e detesta ser ostracizado.

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