Esta alegoria, uma verdade insofismável do ponto de
vista ecológico, assenta sobre um vocábulo antigo – “O Pião das Nicas” e sobre um termo do linguajar popular, mais comum
na parte ocidental da Estremadura e no sudoeste do Ribatejo – “Rabacos ou Raibacos”. O pião das nicas é aquele indivíduo que sofre as culpas
alheias e do qual se zomba, o que sempre apanha por tabela, alguém
insignificante que, sem saber como, arca com todas as consequências, sem daí
tirar qualquer vantagem e ter como se defender, perto dos conceitos ou do misto
de burro de carga e bode expiatório. Rabacos é a adulteração popular do nome
“ruivacos”, que se atribui a uma categoria de pequenos peixes fluviais, sem
grande interesse, nada apelativos de cor e a cheirar a lodo, outrora muito
comuns nas ribeiras ribatejanas e nos rios dos Concelhos de Mafra e Torres
Vedras, hoje praticamente extintos ou em vias de desaparecer. Por causa do
particular destes peixes, quando alguém atribui a outro “o cheiro a rabacos”,
está a dizer que tal indivíduo cheira mal e necessita de tomar banho. O “v” do
substantivo original virou “b”, porque a noroeste do Concelho de Mafra, a
partir de Ribamar e até Torres Vedras, as gentes apresentam essa tendência no
seu linguajar. Com o tempo e para dar mais ênfase ao termo, o pião das nicas
passou a “pião das nicadas”, exaltando também a violência sofrida por quem
alcança esse cognome. A partir disto, “baptizámos” o rio deste artigo como “Rio
das Nicadas”, para unir os dois conceitos e podermos “navegar” convosco. Fomos
obrigados a estas explicações porque ambos os termos tendem ao esquecimento,
pela adopção de novos conceitos, pela alteração das gentes e pelo
desaparecimento dos citados peixes daquele particular geográfico.
O Rio das Nicadas anda revolto, remoinha em todas
as direcções e acusa o choque dos ventos continentais com os atlânticos, as
suas águas estão turvas e espumam-se contra as margens enlameadas, perdeu o
brilho e a transparência, escorre empapado e nauseabundo, como cadáver em putrefacção. As
pedras do seu leito, que há muito perderam as algas, estão encardidas e
cercadas de detritos, a vegetação aquática desapareceu, as rãs já não se ouvem,
as libelinhas foram para outras paragens e dos pássaros de outrora nem sinal.
As enguias, as bogas e os achigãs não se avistam, somente as fataças, meio
arrebentadas e em pequeno número, sobrevivem numa exígua faixa junto à foz.
Dir-se-ia que o rio está morto, não fora um pequeno cardume de rabacos que ali
teima em ficar, por falta de alternativas, a lutar pela vida e prestes a perecer,
sufocado pelo poluição e por outros perigos que vamos já dizer.
Os rabacos, pela escassez de plâncton, pouco têm
para comer e correm o risco de virem a ser comidos, eles e a sua possível
descendência, como já aconteceu com outros peixes, porque os cágados cederam
lugar às tartarugas vermelhas da Califórnia, os lagostins invadiram o rio e
para montante as lontras e o peixe-gato espreitam, todos eles esfomeados e não
menos que os corvos marinhos, aves insaciáveis que não lhes dão tréguas. As
tartarugas californianas (tartarugas de ouvido vermelho), espécie invasora que
devora tudo por onde passa, depois de exterminar os grilos e os girinos, vai-lhes
à desova, ataca os jovens cardumes, come as poucas plantas que o rio suporta e as
culturas adjacentes, não desprezando qualquer rabaco adulto na sua frente.
Os lagostins, vindos doutras paragens na década de
70, tornaram-se reis e senhores do rio, vivendo enterrados e a escarafunchar,
porque trocam de carapaça e têm um apetite voraz. Apesar de preferirem plantas,
porque também são omnívoros, devoram moluscos, insectos, larvas, girinos e até
a alguns peixes, entre eles os rabacos, como não podia deixar de ser,
contribuindo eficazmente para o seu desaparecimento, tanto pela fome como pela
morte. Mais cedo do que é esperado, quando já não houverem rabacos e o rio das
nicadas nada tiver para lhes dar, eles devorarão os campos ao seu redor até
encontrarem outro rio que os sacie, migrando frequentemente.
Enquanto
houver rabacos, e falta pouco para que deixem de existir, as lontras poderão
engordar lustrosas e nadar de barriga cheia, porque os lagostins não deixarão
de se multiplicar e algum rabaco lhes há-de calhar. Mas quando os rabacos
desaparecerem e nem plantas houver para comer, os lagostins irão para outras
paragens e as lontras serão obrigados a procurar outros locais para sobreviverem,
porque há muito dizimaram crustáceos, anfíbios, répteis e até algumas pequenas
aves. Com o Rio das Nicadas estéril a jusante, a procura de alimento levá-las-á
rio adentro, onde um predador silencioso, maior e mais forte as esperará: o
Peixe-Gato, o grande siluro.
Ao que consta, o Peixe-Gato chegou ao Rio das
Nicadas vindo de Espanha, pela mão de um biólogo alemão (Roland Lorkowsky) e
espalhou-se por alguns dos nossos rios, onde já foi encontrado e capturado. O
siluro é um predador de topo e come de tudo o que mexe dentro de água, para
além pequenos mamíferos e aves, caçando em águas menos profundas quando
escasseia o alimento. Diante dele as nossas lontras não terão grande sorte,
tampouco os corvos, porque à falta de melhor, não hesitará em dar-lhes caça. Dentro
em breve, os rabacos desaparecerão, as tartarugas californianas também, os
lagostins debandarão, as lontras nunca mais se verão e dos corvos não haverá
rasto! Já houve quem o confundisse com um crocodilo e andasse por aí apavorado,
não obstante ser igualmente perigoso para os humanos, porque em adulto pode
atingir 3m de comprimento e pesar até 150kg. E como o peixe-gato é de água
doce, não tendo o que comer e não podendo ir para o mar, acabará também por
sucumbir.
Para nós, autores desta alegoria, o Rio das Nicadas
é o País e os rabacos são os portugueses. Seguindo o mesmo raciocínio, haverá
alguém capaz de nos dizer, quem serão as tartarugas californianas, os
lagostins, as lontras e o peixe-gato? Não nos parece difícil! Mais fácil será
repovoar os rios Alcabrichel, Lisandro e Sizandro de ruivacos do que manter os
portugueses dentro do seu País, superpovoado de invasores e colaboracionistas,
pronto a condenar os seus filhos ao degredo e à miséria. Não haverá que dar
caça às espécies invasoras, antes que elas nos cacem de vez? Entretanto, não
abandone tartarugas californianas, apanhe quantos lagostins puder, deixe as
lontras em paz e não engorde o peixe-gato, cace-o ou deixe-o morrer à míngua,
porque acima dos 15kg nem para comer serve e as suas ovas são tóxicas!
Considerando o estado de conservação dos portugueses, caso pudéssemos ser
avaliados como as outras espécies animais, pela União Internacional para a
Conservação da Natureza e Recursos Naturais (UICN), porque “a lei da selva”
continua a imperar entre os homens, a sigla que nos atribuiriam seria a “CR”
(criticamente ameaçados, sofrendo de alto risco de extinção num futuro próximo),
a mesma atribuída aos Ruivacos do Oeste (Achondrostoma Occidentale). Não
gostaríamos que Portugal viesse a ser um reino desaparecido, um “Reich der
Toten”, um “死者的境界”ou um “царство мертвых”, mas o lugar onde vivem os
portugueses, orgulhosos da sua terra e da sua história, defensores do seu
espaço e cultura.
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