O beneficiamento entre o negro e o lobeiro nos Pastores Alemães, transporta-nos para os alvores da raça, desnuda-nos a sua evolução, desvenda-nos os seus segredos e possibilita-nos o retorno a variedades cromáticas pouco vistas ou praticamente desaparecidas, como são os casos do cinzento uniforme e do lobeiro negro, uma variedade negra apenas cinzenta no pescoço, na parte de trás da garupa e na zona inferior da cauda. Até ao eclodir da II Guerra Mundial, pela necessidade de cães de guerra e para fins militares, este foi o beneficiamento de eleição, devido à rusticidade do lobeiro e à facilidade de ensino do negro. Em Portugal, onde por norma tudo acontece mais tarde, este beneficiamento prolongou-se até à década de 70, muito embora, como seria de esperar, os negros desaparecessem e os lobeiros imperassem, ganhando aqui, como noutras partes, por condicionantes político-geográficas, o cognome de Lobos da Alsácia.
Ainda que o beneficiamento Negro-Lobeiro seja histórico e tenha contribuído como poucos para o bom-nome da raça, porque estamos a tratar de uma variedade recessiva e de outra da proto-dominância, não basta juntar um progenitor de cada variedade para alcançarmos bons exemplares, uma vez que a negra, quando imaculada, tende a produzir animais com menos osso e cabeça, e a lobeira tende ao nanismo e ao pernaltismo, sofrendo ambas de falta de envergadura. Se beneficiarmos uma fêmea lobeira pequena (entre os 55 e 57cm de altura) com um grande macho negro (entre os 65 e 68cm de altura), ou vice-versa, os lobeiros daí advindos serão mais altos que os negros e todos eles serão pernaltas de apresentação, pesando na idade adulta metade do valor da sua altura (ex: 60cm/30kg), o que os dotará de peito estreito e mãos divergentes, impropriedades que induzem à luxação do ombro e à formação de bolsas de líquido sinovial na fase de crescimento, a primeira antes da maturidade sexual e as últimas depois do seu alcance.
Infelizmente, o Estalão da Raça permite o beneficiamento de progenitores com 10cm de diferença, ao atribuir 55cm como valor mínimo para as fêmeas e 65cm como valor máximo para os machos, o que tem fomentado o aparecimento de exemplares famélicos e de má qualidade, pernaltas na verdadeira acepção da palavra. A experiência ensinou-nos a não operar beneficiamentos com mais de 8cm ou com menos de 4cm de diferença entre os progenitores, no primeiro caso para eliminar os pernaltos e no segundo para se evitar o gigantismo, menos valias ainda hoje presentes na raça, em todas as variedades cromáticas. Os descendentes do beneficiamento negro-lobeiro, apresentam uma capacidade atlética extraordinária e uma excelente máquina sensorial, fazendo-se mais depressa que os lobeiros e ultrapassando a curva de crescimento típica dos negros (por norma mais curta), dotando os lobeiros de maior equilíbrio e os negros de melhor olfacto.
Contudo, considerando a robustez inerente a um cão militar, policial, de patrulha ou de guarda, este não é o beneficiamento ideal, ainda que o seu produto seja resistente e combativo, porque lhe falta a envergadura indispensável à presença ostensiva e a sua morfologia acusará o esforço em demasia, factores que poderão induzir a uma perca de funcionalidade precoce ou a um desempenho carente de condições. Mas se por alguma vantagem persistirmos neste beneficiamento, convém que o negro tenha, na sua construção, 4/8 de preto-afogueado e o lobeiro 3/8 da mesma variedade e 1/8 de negro, para que a morfologia e a biomecânica dos cachorros não traiam as nossas expectativas. Os melhores negros que produzimos, todos eles com um perímetro torácico acima dos 86cm, resultaram das seguintes construções: 5/8PA 2/8N1/8LB - 4/8PA 2/8N 2/8LB e 3/8PA 3/8N 2/8LB. É evidente que nem todos os cachorros nascem negros ou lobeiros, como é evidente que estas fórmulas mais interessam aos criadores de cães de utilidade do que aos criadores de beleza, porque os primeiros não podem dar-se ao luxo de tropeçar na endogamia e ver desperdiçado o seu trabalho. Mais tarde, para firmar a linha de negros e a manter saudável, beneficiávamos dois exemplares negros, não consanguíneos, oriundos de duas destas construções, retornando às fórmulas iniciais quando necessário.
Bem sabemos do beneficiamento histórico entre o negro e o lobeiro, do muito que contribuiu, no passado, para a excelência laboral dos pastores, sendo opção quase exclusiva dos criadores dedicados ao trabalho, o que tem levado os novos a retornar-lhe, num revivalismo quase impossível que lembra a reinvenção, porque os cães não são os mesmos, sem dúvida um esforço louvável, desde que não tenham como parâmetros o Malinois e recorram a padreadores a ele idênticos. O beneficiamento que melhor serve ao negro, dando-lhe, cabeça, envergadura e ossatura, é o efectuado com o preto-afogueado, que ainda o dota da voz de aviso, pouco comum entre os negros na detecção, já que capturam sem avisar. A permuta é perfeita, recebendo o preto-afogueado mais resistência às intempéries, máscara mais cerrada e duradoura, melhor equilíbrio de carácter, aumento cognitivo e precocidade laboral, qualidades que farão dele um excelente operacional.
Os lobeiros que hoje proliferam em Portugal são maioritariamente originários da Bélgica e da Republica Checa, havendo alguns de origem alemã, austríaca e escandinava. Raramente são oriundos das Ilhas Britânicas, dos Estados Unidos ou do Canadá, o que se lamenta, porque à excepção dos provenientes da Bélgica, o grosso descende de cães checos, ainda que alguns cheguem até nós via Holanda. Os lobeiros checos, até há bem pouco tempo atormentados pela excessiva consanguinidade, apesar de decididos, geram filhotes de fraca envergadura, pequenos ou esganiçados, dados à variedade de prognatismos, a vários desaprumos, à irregularidade do manto e a uma tremenda carga instintiva, o que os desaconselha como beneficiadores. A França ainda possui um grupo de lobeiros incólume que descende dos afamados cães do passado, muito embora o seu número seja reduzido. Tal como sucede com o negro, também o lobeiro necessita do preto-afogueado para melhor se equipar. Nos Estados Unidos existem excelentes exemplares negros, o mesmo sucedendo nalguns países da Commonwealth, onde a diversidade de linhas é um facto, pelo que se aconselha a sua procura ali, a quem estiver interessado.
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