Nunca se viu tanta gente com tamanha dificuldade em manter os seus cães quietos como agora! Será do uso vulgarizado dos peitorais ou faltará autoridade a uns e sobrará complacência a outros? Talvez a ausência de conhecimento, a falta de experiência e o desprezo pelo condicionamento sejam os principais responsáveis pela novidade, porque até a ler o jornal, a tricotar ou a fazer crochet, se ensina qualquer cão a ficar “quieto”. Como não temos “truques na manga” e não sabemos fazer milagres, iremos adiantar as causas mais comuns da resistência canina e o modo mais fácil para se alcançar o “quieto”, figura obrigatória da obediência, comando que reforça a autoridade dos donos e código indispensável para a salvaguarda de pessoas, cães e outros animais.
A resistência ao “quieto” tanto pode provir de uma razão genética como duma ambiental, sendo fácil detectar a sua origem pelo comportamento de cada indivíduo, apesar de ambas se poderem conjugar pelo tipo de liderança emprestado e pelo particular social dos cães, porque também estamos a tratar de submissão. A maior ou menor rejeição ao comando, sempre dependerá do impulso ao poder dos indivíduos e do seu perfil psicológico global, já que os mais valentes são por norma irreverentes e os mais fracos são dominados pela insegurança. Tanto uns como outros, ainda que por razões antagónicas, na instalação deste comando de travamento, manifestarão algum stress e resistir-lhe-ão, porque uns não gostarão de se ver travados e os outros necessitarão de sentir os donos por perto. Independentemente dos casos, a assimilação do comando exige que os cães se sintam cómodos, o que nos obrigará a ir ao seu encontro e a compreender as causas do seu desagrado, porque não podemos vencer a sua insegurança, irreverência, medo e stress se os alimentarmos, repto que exigirá dos seus donos uma postura calma, constante e paciente, para além dum “modus operandi” próprio para cada animal, o que a seguir explicaremos.
Quando tiramos um cachorro da sua ninhada e o levamos para casa, já sabemos que os primeiros dias no lar de adopção não irão ser fáceis, porque ele não reconhecerá o sítio, sentirá a falta da mãe e dos seus irmãos, e tudo à sua volta ser-lhe-á estranho, o que levará a ganir desalmadamente pelo seu antigo mundo. Nestas ocasiões costumamos trazer algo do seu canil de origem, para suavizar a mudança brusca e facilitar a sua instalação. Resistimos a deixá-lo só e passamos a maior parte do tempo com ele, para que mais depressa se habitue ao nosso lar e reconheça os novos membros do seu grupo. Por causa disso, costumamos ir buscar cachorros à sexta-feira, para que durante o fim-de-semana se habituem à nova morada e possam chegar à semana seguinte mais ou menos integrados. Movida por este cuidado, há gente que tira férias para poder estar mais tempo com o cachorro recém-chegado, o que nos parece correcto e até louvável, diante do sofrimento e da necessidade de bem-estar do animal.
Este procedimento inicial indicia-nos o modo progressivo para a instalação do “quieto”, que deverá acontecer: primeiro com os pertences do animal ao seu redor e depois sem eles; com o dono ao lado e depois perante o seu afastamento gradual; com o dono à vista e depois com ele ausente; de início em casa, depois na Escola e finalmente na rua; do silêncio absoluto para o estrondo; das circunstâncias ideais para as problemáticas e das rotineiras para as excepcionais. Os cães muito dominantes ou os deveras mimados poderão ser induzidos ao cumprimento da ordem pelo concurso da trela ou da prisão. Mas o “quieto” pode ainda instalar-se de modo mais fácil, pelo cumprimento dos protocolos domésticos correctos, quando ensinamos o cão a aguardar a ordem para comer, quando o mandamos sentar antes de sair para a rua, quando limitamos o seu trânsito, quando não permitimos que se aproxime da mesa das refeições, que vasculhe o caixote do lixo e que venha ter connosco sem autorização prévia. E para que ninguém se espante, anunciamos desde já: um cachorro aos 90 dias de idade pode já ter assimilado o comando de “quieto”e deseja-se que todos o assimilem antes da sua maturidade sexual, o que irá evitar-nos muita canseira, desalento e exposição ao ridículo. Se ao acerto do cão somarmos a recompensa que lhe é devida, bem depressa o “quieto” fará parte da sua vida. O “quieto” pode ainda tirar-se, sem maior dificuldade, a partir da captura de um objecto pelo cão.
Subsistem casos em que o travamento precoce é indesejável, normalmente relacionados com cães psicologicamente mais débeis, que importa recuperar, e com outros destinados a acções ofensivas, a quem urge dar autonomia para o exercício da sua vocação, muito embora o que é bom dificilmente se estrague, o que implica em dizer que um bom guardião não depende de condições, nasce assim, apesar do treino aproveitar, direccionar e potenciar toda a carga genética de que é portador.
Mas se mesmo cumprindo, meticulosamente, todos os procedimentos que atrás mencionámos, ainda lhe sobrar um cão irreverente, que desata a fugir quando lhe apetece e o manda bugiar, o que é não é nada plausível e fácil de acontecer (acontece com frequência a quem se deixa chantagear emocionalmente, é instável e pouco insistente), não desanime, porque a situação tem conserto e o cão ainda pode aprender o “quieto”, mesmo que seja um estouvado macho adulto, por demais ardiloso, feito surdo e prepotente, que ignora o dono, não se agrada da recompensa, desconsidera a repreensão e não acusa o castigo. Cães com estas características só virão a assimilar o “quieto” pela experiência negativa, quando convencidos da impossibilidade da fuga e da omnipresença dos donos, o mesmo sucedendo àqueles que também estouvados, ardilosos, feitos surdos e prepotentes, se põem em fuga, apesar de adorarem os donos, de se agradarem da recompensa, de acusarem a repreensão e temerem o castigo, porque para os muito-dominantes e para os extra-mimados, o remédio é exactamente o mesmo, ainda que com ênfases diferentes, porque uns são teimosos por natureza e os outros tornaram-se impacientes por insatisfação (pelo excesso de zelo dos donos), necessitando ambos da regra que o “quieto” oferece. E dito isto, qual virá a ser mais perigoso: o bruto que é franco ou o mimado que é velhaco? A experiência ensinou-nos que os primeiros carregam sobre os fortes e os últimos não poupam os fracos. Se os donos tivessem juízo, jamais os cães seriam tontos!
A postura rebelde destes cães, inata ou adquirida, quer seja ostensiva ou apelativa, irá obrigar-nos a prendê-los pela trela na 1ª fase da instalação do “quieto”, para que permaneçam na posição inicial, não fujam e aprendam a respeitar a ordem que lhes é dada. Em casa podemos prendê-los a um móvel, a um sofá ou até a uma porta. Na rua podemos valer-nos de uma árvore, de uma cerca ou de um banco de jardim à nossa frente, tendo o cuidado de não lhes consentir que troquem de imobilização ou dispersem a sua atenção, sinais que normalmente antecedem a evasão. Há cães que tentam invalidar-nos os comandos pelo recurso ao gemido e à salivação, usando-os no exacto momento em que soltamos a ordem, pelo que devem ser repreendidos. Caso os cães se levantem e lutem contra a prisão, o comando a aplicar-lhes será o “não”, nunca o de “quieto”, porque já desobedeceram e não convém anular a 1ª ordem, que se deseja ver cumprida de modo pronto e imediato. No início desta fase, se os cães já se souberem deitar correctamente (equilibrados), o “deita” é a imobilização que melhor nos serve, porque os relaxa e dificulta a sua saída. Sabemos que o “não” entrou em desuso, como também sabemos da sua substituição por coleiras de choques eléctricos. Contudo, enquanto for possível, continuaremos a optar pelo reforço da autoridade dos donos e a poupar o sistema nervoso dos cães.
Quando os cães já conseguirem permanecer quietos e imperturbáveis, com os olhos postos em nós, num período igual ou superior a 20 minutos, é chegada “a altura do crochet, do tricot ou da leitura do jornal”, ocasião em que os travaremos já soltos, primeiro junto deles e depois até a uma distância razoável, aproveitando também esses momentos para realizarmos outras tarefas ou hobbies, mantendo os animais ao alcance da nossa visão periférica e sujeitos ao nosso reparo (pode ensinar-se o “quieto” quando estamos a fazer a barba, a tomar banho, a lavar a loiça, a arrumar a sala, a trabalhar no computador, a tocar piano, a ver televisão, a passar a ferro, a ler, a escovar o fato, a engraxar os sapatos, etc.). Daí a pouco tempo, havendo o cuidado da recapitulação e da mudança gradual de ecossistemas, conforme indicámos no 1º período do 4º parágrafo, os cães permanecerão quietos por toda a parte e de lá só sairão quando os donos os chamarem.
Os cães que obtiveram “livre-trânsito” dentro dos lares dos seus donos, seguindo os seus passos por todo o lado, tentarão resistir ao “quieto”, porque não é esse o seu hábito, não vendo com bons olhos a perca de privilégios e a separação dos donos. Pela mesma razão, também os cães que mal saem dos canis e anseiam pela excursão, abominarão ter de ficar quietos no exterior, quando acostumados a avançar pelos campos afora. O “quieto”, como quase todos os comandos de obediência a ministrar a um cão, pode ser alcançado em casa, aprimorado na escola e praticado onde for necessário, não dispensando o treino e a recapitulação que os outros também exigem. Para além disto, “o quieto” espelha a cumplicidade binomial e possibilita a divisão de tarefas entre homens e cães, contribuindo de sobremaneira para o seu sucesso colectivo.
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