quinta-feira, 8 de abril de 2010

Caderno de Ensino: VI. O "deita"

O QUE É O “DEITA”. O “deita” é o 3º automatismo de imobilização que ensinamos e só aconselhamos a sua instalação nos cachorros depois dos 6 meses de idade, considerando o desenvolvimento do seu carácter e o problema relativo às raças ou variedades precoces, com curvas de crescimento menores, céleres na absorção da hierarquia e menos dadas a desafios. Ensinar o “deita” a um cachorro que raramente se levanta é gratuito e contraproducente. Este é o automatismo da imobilização plena, o mais seguro e dele se evoluiu para o “morto”, figura própria dos cães de guarda e usado pelos de exibição. O “deita” possibilita ainda a transferência para o “rastejar” e a abordagem segura a qualquer tipo de túnel. Consiste no deitar do cão ao lado do dono ou distante dele, em posição de esfinge, cabeça erguida, traseira abatida e com os membros anteriores apoiados dos codilhos às mãos, exigindo-se em simultâneo a simetria dos membros e a cauda estendida. O “deita” perfeito, para além do que já dissemos, obriga ao abatimento total ao solo da linha inferior do tronco dos cães (do tórax até à área genital). A figura é própria do adestramento clássico e pode ser alcançada por diferentes linguagens (verbal, gestual ou sonora). Numa fase posterior o “deita” pode ser tirado automaticamente sem o concurso de outras imobilizações. O “deita” escolar não é uma resposta natural dos cães, muito embora os mais activos e atentos o façam normalmente, quando observam ou esperam algo. O “deita” não é um convite para dormir, mas uma posição que aguarda ordens e que possibilita o despoletar das acções. Se entendermos o cão como o manuseamento de uma arma, no “alto” ele está pronto a disparar, no “senta” procura o gatilho, no “deita” puxa a corrediça atrás e no “quieto” está sem bala na câmara.

PARA QUE SERVE. O “deita serve um triplo objectivo: a imobilização segura, a vigia e o descanso. Como imobilização, para além do exercício da obediência e reforço da liderança, ele é indicado junto a escolas, estações e aeroportos, nas ruas muito movimentadas, nas esplanadas, para a observação clínica, perto de crianças a jogar, diante provas desportivas, perante cães desconhecidos, junto de máquinas em movimento, no transporte, nas esperas prolongadas e onde houver risco de confrontação. Como posição de alerta ou vigia, ele pode ser usado tanto na guarda de objectos como na de propriedades. No primeiro caso por ordem expressa e no segundo por necessidade, caso o turno de vigilância seja superior a 2 horas. Neste serviço o cão costuma escolher o local para a imobilização, geralmente um que lhe garanta simultaneamente a segurança, a ocultação e o policiamento, de acordo com o seu perfil, experiência directa e características predadoras. O comando é próprio para a cessação automática das acções e para o descanso dos cães, sendo usado no intervalo dos trabalhos e após a supercompensação. Na abordagem e ensino de obstáculos tipo túnel, abaixo ou à linha do solo, a posição de “deita”, por ser o melhor modo de apresentação, facilita a sua resolução e indicia o particular da progressão. Esta posição garante o “escavar e o “rastejar”, diminui a silhueta do cão e permite a sua ocultação.

TÉCNICAS E MÉTODOS PARA A FIGURA. Em matéria de técnicas já vimos de tudo e certamente ainda teremos muito para ver. Há quem alcance a figura pela acção do biscoito, quem não hesite em puxar as mãos aos cães, quem pise a trela e adiante a perna, quem pressione sobre o garrote, quem junte todas essas coisas e ainda há quem se deite ao lado do cão. As técnicas reflectem os métodos e estes a sua filosofia de ensino. Apesar da diversidade dos métodos utilizados, denunciados pela mímica dos cães na figura, todos acabarão por se deitar. Não nos cabe ajuizar os métodos alheios, apenas dizer que uns são mais coercivos que outros, que outros abraçam a persuasão e que ainda há quem faça da cumplicidade praxis. Não obstante, condenamos os métodos violentos e todos aqueles que não consideram a compreensão e a moderação. O sucesso dos diferentes métodos deve-se em primeira-mão aos cães, graças à dependência e à memória mecânica, muito embora a constância humana nas acções para isso contribua inequivocamente.

COMO ENSINAMOS O “DEITA”. Consideramos um atropelo pedir obediência sem o contributo da ginástica, enquanto estímulo, pré requisito e motivo para o bem-estar canino. Primeiro construímos o atleta e só depois pensamos no seu uso. Por causa disso a ênfase recai sobre a ginástica nos dois primeiros ciclos infantis. Quando convidamos um cão a deitar-se, já ele é conhecedor de todos os obstáculos da pista, o que o leva a ansiar pela escola e pela evasão que ela propicia ou representa. Dividimos o “deita em duas fases e só passamos à sua instalação depois do cão saber sentar-se correctamente. Desenvolvemos a primeira fase sobre a passerelle ou sobre a mesa alemã (passerelle mais curta, mais baixa e mais larga), de acordo com a altura particular de cada condutor. Podemos operar o mesmo trabalho sobre uma mesa (e todos deveriam ter uma para a higiene diária do seu cão) ou numa plataforma pouco elevada e não muito estreita. Procura-se com isto a comodidade dos condutores, porque a sua ausência sobrecarrega, enerva e desincentiva face à possível resistência animal. Uma vez o cão sentado na passerelle, exercício do seu conhecimento e no qual teve anterior aprovação, convidamos finalmente o animal a deitar-se, mediante a pressão da trela, o auxílio no estender das mãos e debaixo do comando de “deita”. A biomecânica canina obriga-nos a uma execução a 3 tempos, marcados pela acção da trela e no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio. No primeiro tempo puxamos a trela para trás, para garantir a completa imobilização dos quartos traseiros do cão, o seu paralelismo e equilíbrio. No segundo tempo puxamos a trela para baixo, persuadindo-o a deitar-se e no terceiro tempo ajudamo-lo a estender as mãos. A trela trabalha justa e serve-se da espádua como raio. Para além da comodidade dos donos, a opção por este tipo de obstáculos elevadores, porque são estreitos, obriga à atenção dos cães e indica-lhes o equilíbrio certo. À medida que vão evoluindo na figura e estendendo as mãos por si próprios, o comando é acompanhado pela linguagem gestual, operada pela mão direita do condutor e que reproduz o movimento canino, o que poupa esforço e evita maiores incómodos ou transtornos na 2ª fase. Quando os cães já executam o automatismo pelas linguagens empregues e sem o concurso da trela, é altura de os convidarmos para executar a figura no solo ao nosso lado, sendo esta a 2ª fase. As dificuldades encontradas ali obrigarão ao retorno à fase anterior.

EXECUÇÃO E AUXÍLIO DA LINGUAGEM GESTUAL. A mímica para a ordem compreende 3 movimentos, exactamente os mesmos que o cão desenvolve para se deitar correctamente. No 1º momento o braço direito do condutor estende-se para a frente, no 2º o antebraço dobra-se até a mão tocar no peito e no 3º o braço desce na perpendicular ao solo. A supressão do 1º tempo leva os cães a deitarem-se à camelo, baixando primeiro a espádua e só depois a garupa. Havendo a necessidade de afinar a sincronia, ela deverá acontecer pelo prolongamento do 2º tempo. A associação das linguagens verbal e gestual visa o reforço da ordem e antevê a dispensa da primeira, porque é imperativa, menos cúmplice e perceptível para quem não deve. As expressões mímicas que unem homens e lobos, com pequenas diferenças, estendem-se também à comunicação entre condutores e cães pela experiência emotiva comum.

CORRECÇÃO DOS VÍCIOS MAIS COMUNS. A esmagadora maioria dos vícios patentes na figura resulta dos comandos que lhe são anteriores, duma 1ª fase atabalhoada ou da sua aversão, fenómeno ligado à metodologia empregue e distante dos mais prementes princípios pedagógicos. Pondo de parte as razões indutoras dos vícios, importa dizer que eles resultam dum abatimento anómalo ou parcial da espádua, o que influi directamente sobre a disposição cómoda ou arbitrária dos membros, distantes da simetria que o condicionamento procura. Os vícios mais comuns são o “deitado à vaca” (com o cão deitado sobre um dos lados) e o “enganchar de mãos” (quando estas se dobram viradas para a cabeça do animal, encostadas ao esterno ou debaixo do tórax). Ainda que a posição dos pés influa sobre a disposição das mãos, estes vícios apontam para uma extensão anterior mal conseguida ou semi-alcançada, o que nos remete para a 1ª fase e para uma melhor execução do 3º tempo. A mesma solução se indica para os cães que cruzam as patas tal qual senhoras sentadas no sofá de pernas cruzadas.

A RESISTÊNCIA AO “DEITA”. No 4º parágrafo deste texto, onde esclarecemos como ensinamos os cães a deitarem-se, realçámos a importância da ginástica canina e agora vamos voltar a falar dela. Os cães que mais resistem ao “deita” são os mais valentes e os menos seguros, os primeiros porque procuram autonomia e os segundos porque se sentem ainda mais vulneráveis. A seu tempo, a prática binomial da ginástica cinotécnica regra os primeiros e encoraja os segundos pela participação activa da liderança, o que realça mais uma vez a importância da ginástica, não só do ponto de vista físico mas também do anímico e uma vez isso alcançado, temos como prémio o aumento cognitivo. E porque os cães não pensam, somente desejam e são atribulados por sonhos e pesadelos, lidam mal com o stress, algo que colide com o seu instinto de sobrevivência, o que os torna desconfiados, receosos e menos participativos. Assim, qualquer automatismo instalado debaixo de stress tem curta duração ou será sempre executado debaixo de um medo maior, o que não é desejável e é de todo reprovável, porque o cão perde a percepção do risco e transforma-se num autómato. É importante relembrar que o “deita” é também para descansar e retemperar as forças.

SOBRE OS CÃES QUE COMEM DEITADOS. Nem mesmo os vulgares cães de companhia devem comer deste modo, atendendo ao risco de envenenamento e às necessárias medidas de prevenção, a menos que os animais estejam debilitados ou já não suportem o peso da sua carcaça. A maioria dos cães que comem deitados fazem-no por incúria dos donos e por comodidade, já que o prato do seu repasto se encontra no chão. E quando assim é, vamos de mal a pior, porque se tornam bonacheirões, engordam em demasia, abraçam a indolência e gradualmente perdem actividade, comprometendo a saúde e enfraquecendo o carácter. O cão deve comer e beber de pé, num comedouro regulável, cujo bordo deve estar 5 cm abaixo da altura do animal e que é medida no seu garrote ou cernelha. Para além dos aspectos ligados à preservação do cão, ao comer assim, ele vai aliviar os metacarpos e conservar a rectidão de aprumos, coisa impossível de acontecer quando prostrado para comer. A apresentação anómala de aprumos, que na sua maioria não tem causa genética, resulta de agressões ambientais ligadas à ignorância dos seus proprietários. Comer deitado e demora no cumprimento das ordens sempre andam de braço dado.

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