segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

ENCONTRO COM UM ESLAVO

Não temos qualquer fotografia do nosso interlocutor, um eslavo de meia-idade, pesado, bem constituído, à volta de um metro e oitenta, apreciador de cães e neurocirurgião aqui radicado. Encontrámo-lo na manhã de Sábado enquanto observava o nosso treino na Praia de Carcavelos, um russo a falar fluentemente português, curioso e ávido por comunicar. Dizia: “ …quando uma criança chora a culpa é da mãe; quando um cão ladra inadvertidamente a culpa é do dono”. Parece que ele ou alguém relacionado consigo tem sido vítima de um cão com essas características, comportamento que desaprova e quer ver desnudado, com solução à vista e de todo esclarecido. Normalmente não trabalhamos por encomenda (não nos sobraria tempo), mas como o assunto é actual e causa transtorno a muitos, aceitámos o repto.

O ladrar é uma das 7 vozes comuns a todos os cães (a menos que sejam mudos) e é geralmente confundido com o latir (ladrar fraco e continuado). O tipo e a potência do ladrar são hereditários e existem raças mais ou menos propensas ao seu recurso. Os mais barulhentos são os terriers e os sabujos, muito embora os poodles e os vulpinos, dependendo das circunstâncias, possam acompanhá-los sem dificuldades. Ladrar é sempre um aviso, geralmente executado de forma vigorosa e em tom hostil, quando alguma coisa não vai bem ou algo de imprevisto acontece. Os cães educados só ladram pela certa e os mimados ou desprezados latem sistematicamente, muitas vezes para os donos ausentes e para castigo de quem tem que os suportar. As pessoas que adquirem cães ignoram este particular e mais cedo ou mais tarde vão acabar confrontados com os vizinhos, a abrir a porta à polícia e sujeitos a outros incómodos, porque a Lei sobre o roído é para cumprir e o sossego é necessário a quem trabalha e descansa.

O latir sistemático tende a substituir o ganir e o gemer, podendo ser intercalado com essas vozes quando o cão necessitar de retemperar as forças, porque na sua essência são sucedâneos e indicam igual sinal de pranto. Exceptuando o latir para estranhos, esta voz acontece por insatisfação, desafio e súplica, sugere auxílio, manifesta protesto, reclama por atenção e sempre espelha uma instalação doméstica imprópria, uma educação desregrada e o desrespeito pelo bem-estar dos animais. O russo tem carradas de razão: a culpa é dos donos! Retomando o tema dos envenenamentos e porque se encontra ligado a este, alguns cães acabam por ser silenciados assim, por alguém farto das suas árias e desejoso de os mandar para o inferno (os iscos caiem sobre varandas e quintais e espreitam a cada esquina).

As causas para este tipo de comportamento, desprezando a propensão genética, são essencialmente ambientais e prendem-se com a supressão da excursão diária, com a ausência de tarefas específicas e com o particular instalador, normalmente indisciplinado e pouco interactivo, dominado pelo antropomorfismo e isento das mais-valias oferecidas pela regra. Por outro lado, a pretexto do viver silvestre não auscultado, há quem jogue cães nos quintais e lhes dê como parceiros, na maior parte do dia, minhocas, caracóis e lagartixas. Os ignorados nas varandas, que ladram a tudo o que passa, ajeitam-se de acordo com a hora solar e com alguma persistência transformar-se-ão em controladores aéreos. Ironia à parte, o cão é um ser social, não dispensa a liderança e necessita da regra, porque é dependente e apto para aprender.

Ao longo da nossa experiência uma coisa temos constatado: é mais fácil ensinar cães do que donos. A frase já gasta parece gratuita mas não perde actualidade, senão vejamos: para que um Pastor Alemão absorva determinado conteúdo de ensino necessitaremos somente de 3 tentativas (por vezes nem isso), para instalarmos um simples procedimento no dono, quantas vezes teremos que o advertir e chamar à atenção? Os cães não nasceram para procrastinar, são seres menos complexos, vivem da experiência e não alcançam a esperança. A prática da excursão diária, o exercício regular, a complementaridade canina, a sociabilização, a inibição dos instintos, o controle dos impulsos, a instalação das rotinas e a soberania da regra são tarefas prioritárias e ofício dos donos, enquanto líderes e primeiros responsáveis pelos seus cães. E neste sentido, a educação do cão é imprescindível e quando isso não está ao alcance de qualquer um, as escolas caninas estão cá para isso, educando donos e adestrando cães.
(* o russo que nos perdoe, porque a bandeira ao lado dos cossacos parece-nos ser do Azerbeijão na fotografia que antecede este texto, país de etnia turca e maioritariamente muçulmano. Para a próxima, todos os russos serão fotografados, quer queiram quer não)

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