segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

DR. CANICHE: LET’S TALK ABOUT FEAR


Os cães só falam quando os donos dormem, eles não gostam de falar para as paredes e raramente são ouvidos durante o dia, porque os seus donos andam por demais ocupados e fazem-lhes ouvidos de mercador. Quase pelo milagre da ficção, meia dúzia deles, cada um de sua raça, encontra-se no quintal das traseiras dum prédio. Preside ao plenário um caniche e os seus interlocutores são um husky, um malinois, um pastor alemão, um serra da estrela e um rottweiler. O tema da discussão é o medo e depois de repor a ordem, o caniche dá a palavra ao excitado malinois que logo adianta: - Medo é coisa que não tenho! Não nasci tocado de nascença e varro tudo à minha frente! O rottweiler contrapõe altaneiro e com despeito: - Ó camarada tira-linhas, quem te ouvir pensará que és um super-cão! Porque mordes tu de orelhas abatidas e avanças cabisbaixo, será essa a postura de um valentão? Não morderás tu por medo e antes que te mordam a ti? Estou convencido que se te carregarem a sério, depressa te porás em fuga e debaixo de um coro de gemidos! Não partes tu com as costas quentes? Porque te domina o teu dono? - Eu estou de acordo com o porco (rottweiler) e só faço aquilo que me mandam. Temo o castigo e abomino correcções, preciso de sobreviver e não ouso desrespeitar as ordens que me são dadas. Sozinho morrerei – disse de imediato o pastor alemão. O husky timidamente levantou o dedo e na procura de consensos soltou: - Meus amigos, eu não posso ignorar o meu atavismo, não nasci para atacar homens, sinto-me mais à vontade entre os cães e adoro capturar presas ao meu alcance. Tremo quando me falam alto e escapo-me quando vejo uma mão no ar! Contrafeito e obrigado pelos outros, também porque não havia mais ninguém, o serra adiantou: - Eu quero é que não me chateiem. Não vou aos lobos de bom grado. Vou-me a eles porque os temo, por detrás e com cuidado, eles têm os dentes grandes e aguçados e não os quero ver no meu casaco! De valente não tenho nada, sou previdente. O caniche, também conhecido por poodle e a quem competia a resenha dos trabalhos, um Dr. entre os demais, concluiu: - Tudo o que fazemos é por medo. Atacamos e obedecemos para sobreviver, tememos o abandono e os maus-tratos, abominamos a solidão e tentamos fugir à morte. A nossa valentia resulta do medo ao castigo. Se isso é natural ou não, não sei. Detesto dizer disparates, mas estou convencido que não somos os únicos. Dito isto, foram todos para casa e em pezinhos de lã, porque a velhice a todos chega e o abandono é o pior dos martírios. O caniche, depois de se deitar na sua cama de príncipe e porque era dominado pela curiosidade, questionava-se a si mesmo: “será que os homens são como nós, que castigo temerão?”

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