segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Canis Romani

Nesta última Quarta-Feira optámos por certificar a sociabilização da Teka I e rumámos para a Baixa da Capital. As ruas pombalinas estão miseravelmente adornadas de pedintes nacionais e estrangeiros, gente que se encosta às igrejas e se espreguiça sobre as calçadas, deficiente ou não, de ambos os sexos e de todas as idades. O hábito já é antigo e tem resistido aos sucessivos ventos de mudança, tem aumentado e parece ter tendência para crescer, conjuntamente com os arrumadores de carros e com os músicos de rua. E na disputa pela esmola chegaram também os ciganos romenos, plebe que mantém a cultura, usos e costumes do seu milenar sectarismo.

Distantes da Transilvânia e com o urso europeu em extinção, os Romani valem-se agora de cães miniatura para extorquir aos transeuntes algumas moedas, mercê da compaixão alheia e da fragilidade dos bichos. Os cãezinhos dificilmente ultrapassam 1 kg de peso e suportam ¼ de garrafa pela boca, por tempo infindo e debaixo de sobeja contrariedade, fenómeno desnudado pela sua mímica e reforçado pelo seu tremer constante. A manobra é tipicamente chantagista e traz vantagem, porque o carácter indefeso dos cães acaba por emocionar quem passa, já que a miséria sai reforçada e não há coração que aguente. E o cigano esperto, porque sabe que a solidariedade existe, põe ao pescoço idêntico artefacto e reforça a parceria, unindo-se ao cão no malfadado destino. O jovem que surpreendemos, terá entre 16 e 18 anos de idade, cerca de 1.70 m e irradiava saúde. Lamentamos a sorte do cão e questionamo-nos sobre o futuro do rapaz.

Espera um pouco que a dona volta já

A Clara, a Super-Mãe (porque é mãe de quatro), é a condutora da Shara e foi surpreendida pela câmara da Marta no meio de um exercício. Parece estar a dizer: “ Espera um pouco que a dona volta já!”. Ela tem sentido algumas dificuldades no treino, mas nem por isso tem desesperado, como matriarca tem resistido e o sucesso cedo se avizinha. Tecnicamente evoluiu bastante, apesar da Shara ser traquina e estar sempre a aprontar. O empenho da condutora é bem visível na foto e a entrega ao trabalho é irrepreensível. O momento captado reporta-se ao comando de “quieto”, debaixo de chuva e sobre calçada de basalto, em torno da Estátua de D. Maria I no Palácio de Queluz. Força Clara, a família torce por ti!

Meu amor chega à janela

Defronte de cada janela e debaixo de cada arcada, um a um, todos os cães foram convidados para a instalação do comando de “quieto”. Ali onde a vergonhosa “Convenção de Sintra” foi assinada, o Yoshi olha para os cães ao seu redor e tenta ludibriar o Vítor Hugo, num claro convite de “chega-te à minha janela”. O cachorro está na “idade do armário” e as suas brincadeiras denotam esse particular. O mesmo se passou com o Pongo, seu pai, um reprodutor de créditos firmados e extraordinariamente galante. A constância nas acções e o apego aos procedimentos conseguirão adestrar o Yoshi, um companheiro alegre e divertido, outro gigante entre nós, com altura e peso de adulto, mas com cabeça de cachorro e portador de uma individualidade muito própria. Nele corre sangue lobeiro e quando menos se esperar, mostrará o seu potencial e passará à frente de muitos, mostrando as mais-valias comuns aos pastores cinzentos.

O meu cão tem dois anos, ainda posso treiná-lo?

Um cão pode ser treinado em qualquer idade para qualquer fim, desde que o uso não implique em abuso e ponha em risco a sua integridade. O cão aos dois anos é um jovem e poderá ter um futuro promissor no adestramento, desde que a actividade escolhida esteja de acordo com as suas características físicas e psicológicas. E porque somos constantemente bombardeados com a pergunta acima, decidimos constitui-la em tema e abordar o assunto de modo mais pormenorizado, já que o treino de cachorros é pouco visível e somos procurados depois do seu desaproveitamento ou face a posteriores dificuldades manifestas: “casa roubada; trancas na porta!”

Não há entre nós o hábito enraizado de treinar cachorros, porque apesar da novidade já ser antiga, as modas sempre chegam com algum atraso a terras lusitanas, tudo aqui arriba em “fim de estação” e por causa disso sempre partimos atrasados. Na cinotecnia tem se passado exactamente o mesmo e só há pouco tempo alguns optaram por tal serviço, ainda que sem saberem bem o que fazer. O treino de cachorros pressupõe o acompanhamento dos seus ciclos infantis, a potenciação dos seus impulsos herdados, a correcção dos seus desaprumos e a melhoria dos seus ritmos vitais, através da plasticidade dos primeiros ciclos etários e considerando o seu bem-estar.

Treinar mais cedo não implica em usar precocemente, mas em levar de vencida impropriedades ou inaptidões que obstem ao pleno exercício das futuras funções. A primazia é dada à ginástica correctora e o acompanhamento é individual, ainda que estimulado pelos cães mais velhos, constituídos em agentes de ensino e mestres do viver social canino. Entre os 4 e os 6 meses de idade, o nosso cuidado incide sobre a correcção morfológica, na tentativa de eliminar ou minimizar os desaprumos dos cachorros que nos são confiados. Abatimento de metacarpos, peito estreito e mãos atiradas para fora, pé chato e descodilhamento, dorso selado e jarrete de vaca, são inaptidões que teimamos em eliminar, vendo normalmente o nosso esforço premiado.

Tentamos contrariar o gigantismo, o pernaltismo e o nanismo, robustecendo as articulações dos mais pesados, aumentando a envergadura dos mais leves e solicitando aos mais frágeis um maior desenvolvimento. Em simultâneo, através da experiência variada e rica, operamos o desenvolvimento do impulso ao conhecimento canino, porque o crescimento físico sempre é acompanhado pelo desenvolvimento intelectual. Capacitar é a palavra de ordem e nisto temos sido aprovados. Quando o acompanhamento dos cachorros é bem feito, a obediência transita da imposição para a decorrência e a inibição dá lugar ao estímulo. Treinar mais cedo possibilita o reforço dos vínculos afectivos entre donos e cães, preparando atempadamente os condutores para o ofício da liderança e para a gestão consensual do esforço canino, porque, no nosso entender, o binómio deve ser constituído quando o cão procura a hierarquia e antes da maturidade sexual.

O desprezo pelo acompanhamento dos ciclos infantis pode acarretar inaptidões e menos valias (físicas e psicológicas), comprometer a sociabilização e colocar em risco a liderança. A maioria dos desvios ou disparates patenteados nos cães adultos resulta do descuido de que foram alvo em cachorros, graças ao particular da sua experiência directa e à ignorância dos seus donos em tal matéria. Sejamos honestos, o que aumenta as fileiras escolares? Não serão os cães que levam os donos à boleia, aqueles que tudo destroem, os que se tornaram incontroláveis e ausentes de qualquer préstimo? Dificilmente um cão que não dá problemas virá a frequentar uma escola. Facilmente se antevê que optar pelo método da precocidade é prevenir e capacitar, operar a constituição binomial que garantirá a futura coabitação harmoniosa no lar e na sociedade.

Quanto mais tarde chegar um cão à escola, mais difícil se torna a sua recuperação física e o seu aumento cognitivo, e nisto deve ser respeitado. Entre os 12 e os 36 meses muita coisa é ainda recuperável, atendendo ao desenvolvimento da envergadura e ao auxílio da maturidade emocional. Contudo, essa recuperação não será plena e será mais visível ao nível cognitivo, isto se as raças convidados não forem de índole precoce. De qualquer modo, dificilmente um cão antes dos 3 anos manifestará incapacidades que o afastem do concurso do treino e se as manifestar, cabe ao adestramento minorá-las e encontrar outras soluções que possibilitem o seu bem-estar, melhor qualidade de vida e longevidade. Se entendermos o treino como um benefício, nenhum cão deve ser arredado das suas vantagens e mais-valias, todos são bem-vindos e em todos a alteração será visível. Tarde é aquilo que nunca chega!

Educar é mais difícil do que se pensa

Numa dessas revistas a que se dá pouco crédito e que valem pelas imagens, Sílvia Buarque, filha do celebérrimo cantor brasileiro Chico Buarque, ao falar sobre o seu trajecto enquanto actriz, nomeadamente sobre a pré-produção por ela desenvolvida para um melhor desempenho do seu papel na telenovela “ Caminho das Índias”, que a levou a visitar várias escolas e diferentes estabelecimentos de ensino, chegou à seguinte conclusão: “ Depois de vivenciar tudo isso, descobri que educar é mais difícil do que eu pensava”.



É praticamente impossível educar cães sem educar os seus donos e esta é uma das maiores dificuldades no mundo do adestramento. A aquisição e o treino de um cão obrigam a alteração de hábitos e à obtenção de novos por parte do seu dono e treinador, o que não é gratuito e pode causar algum transtorno. E neste sentido, somos obrigados a falar sobre educação binomial, porque a cada um dos seus membros cabe parte do sucesso comum, enquanto unidade ou equipa apostadas em idênticos propósitos.

A coabitação que leva à alteração das rotinas, a aquisição de uma nova linguagem, a obtenção de uma mímica própria, o controle dos instintos, o uso acertado das emoções e o exercício da liderança, são alguns dos desafios colocados ao condutor doméstico e que implicam numa maior disponibilidade cognitiva, psíquica e física. Grande número de proprietários de cães ignora isso e abraça expectativas inatingíveis sem o seu contributo objectivo para o alcance das tarefas desejadas, esperando dos cães o retorno daquilo que nunca chegaram a receber. Adestrar, na sua forma mais simples e sintética, outra coisa não é que uma permuta que possibilita a divisão de tarefas e que encontra na cumplicidade a melhor das linguagens.

A generalização do cão doméstico, agora presente em todos os extractos da pirâmide social, ultrapassando culturas, povos, etnias, ocupações, sexos e idades, levou também à alteração dos métodos de treino, substituindo as mais-valias técnicas exigíveis aos condutores pela submissão canina tirada a partir da sua inescusável dependência, pondo o adestramento ao alcance de qualquer um, diminuindo as exigências e tornando-o mais lúdico e agradável. Esta abertura que antevê um nivelamento, essencialmente destinada ao cão doméstico, não procura a excelência e aposta no alcance dum efémero certificado, tal qual “habilitação por nova oportunidade” que não esconde o deficit mas engrossa as estatísticas, na paz podre das verdades subjectivas. Contudo, há que dizer uma verdade: os cães saíram protegidos e os índices do especicismo baixaram consideravelmente.

A excelente instalação doméstica canina, a excursão e higiene diárias, o aproveitamento dos diversos ecossistemas, as brincadeiras pedagógicas e a recapitulação doméstica dos exercícios desenvolvidos em classe, são trabalhos que visam o aproveitamento e desenvolvimento do impulso ao conhecimento presente em todos os cães, sustentáculo da parceria, estímulo operacional e capacitação para o seu quotidiano. Para que isso aconteça, talvez alguém vá dormir menos, aumentar o seu cansaço, perder o golo da equipa da sua eleição, alterar as férias, anular qualquer compromisso ou relegar para depois uma actividade predilecta. O transtorno de ter cães só pode ser vencido pelo amor e quando ele não existe, a sobrecarga da maçada constitui-se em sacrifício e todas tarefas virão a ser desleixadas.

Educar donos é ensinar a amar, é contrariar respostas naturais e canalizar emoções, estabelecer novas práticas e trabalhar para o abandono de outras. Nada disto é automático e o desconforto sempre andará de braço dado com o adestrador, porque confronta e busca alteração, transitando rapidamente de anjo para demónio. Acerca das alterações operadas pelo adestramento canino na pessoa dos donos, lembramos aqui as palavras de um ex-aluno: “Tenho que lhe agradecer, a minha mulher, depois que veio para o treino, melhorou consideravelmente e o nosso relacionamento também”. Educar na perspectiva cinotécnica é muito difícil, porque induz a alterações de comportamento e fomenta o uso consertado das emoções de cada um.

Entre nós, a procura da cumplicidade obriga-nos à coabitação, ao reparo da postura, à expressão corporal, à adopção de uma mímica nova, ao controle das emoções, a uma maior disponibilidade, à mecanicidade das acções e um entendimento por vezes extra-sensorial, mercê da coabitação que antevê as acções. A responsabilização dos condutores tem como objectivo a “transcendência” dos cães, porque são agentes transformadores e objecto de idêntico processo de transformação. Educar nunca foi fácil!

Que venha o diabo e escolha o melhor

O reforço da unidade interna binomial quando distante dos bons ofícios da sociabilização, pode gerar quezílias entre binómios, antipatias entre eles e de grave consequência. No passado, quando grassavam entre nós muitos Rottweilers e Filas de S. Miguel, os bichos não faziam distinção entre donos e cães, considerando-os como um todo e não hesitando em escorraçá-los mutuamente (os donos dos Filas tinha que ter cuidado com os Rottweilers e vice-versa). A inimizade entre cães pode ser automática, provir de razões naturais, somáticas ou ambientais, mas jamais deverá ser fomentada ou consentida, porque o ensino cai por terra face à usurpação dos instintos. Nenhum cão pode considerar-se adestrado sem a sociabilização que o garanta.

Homónimas da mesma cepa


Neste fim-de-semana, duas condutoras com o mesmo nome colocaram-se em idêntica situação: ambas se prontificaram para os trabalhos, não compareceram e nem tão pouco avisaram! E como este mundo é farto em coincidências, as duas trabalham para o mesmo patrão e ambas desconsideraram os outros alunos que vão esperaram por elas. Agradece-se a todos os condutores um comportamento diferente, em abono da ordem e em prol da boa educação. Quando por qualquer motivo (e nem é preciso indicar qual), não poderem comparecer aos trabalhos, agradece-se que avisem atempadamente (até 30 minutos antes do início dos trabalhos por telefone ou até 1 hora antes por e-mail). Mais uma vez a Elisabete mostrou que 18 anos é igual a “noves fora nada”!

Eine Prinzessin Scwäbischen in Lissabon

A Margarida é filha da Princesa e como a mãe merece o mesmo título, ainda que seja parecida com o pai e faça lembrar que os Suevos andaram por aqui, vindos da Germânia e objecto da conversação operada em Braga por S. Martinho de Dume, que os resgatou do arianismo para a confissão nicena. A menina é endiabrada, alegre e dada a poses, participa nos nossos trabalhos e enriquece o colectivo, raramente pára quieta e o seu sorriso contagia. Tem propensão para vedeta e postura não lhe falta, já foi recrutada para a publicidade televisiva e é boa aluna (por vezes um pouco trafulha). Trabalhou connosco no Sábado e participou das nossas actividades curriculares, tem vontade própria e adora interagir. Parabéns papás, a Margarida é um presente para todos nós!

Do lodo à oliveira

Sábado foi passado entre o Parque das Nações, na Expo e o Jardim do Campo Grande. Almoçamos em Lisboa no restaurante D. Maria e trabalhámos os dois turnos. Recapitulámos os trabalhos da semana anterior e algumas melhorias foram notórias. Na Expo, quase às moscas, fomos surpreendidos pela maré baixa e poucos turistas encontrámos. Para alegria do adestrador a gaita-de-foles desceu à cidade e um gaiteiro mirandês animou os nossos trabalhos. O Pedro Costa compareceu e o Pipo agradou-se da ideia. Os binómios estão necessitados de trabalho oficinal, de maior cuidado e alguma correcção, porque alguns dos condutores ensurdecem-se perante alguns conselhos e têm desprezado a instalação doméstica, o que para eles é um handicap. A Célia mostrou trabalho e o Rodrigo aguentou-se.

No Domingo iniciámos os trabalhos junto à Ponte Romana de Cheleiros e acabámos abrigados no seio da Família Oliveira. A Célia cedeu as instalações, a Isabel foi buscar a carne, a mãe delas fez o arroz de marisco e o patriarca da família confraternizou connosco. Ali almoçámos e ali mesmo continuámos os nossos trabalhos. A Isabel, mulher do Francisco, acabou por conduzir a Luna e mostrou sinais de aptidão. O Joaquim continua a ser um pai zeloso e a Maggie evolui a olhos vistos. Foi recomendada ternura à Teresa e o irmão já adquiriu melhor postura do que ela. A Joana continua com dificuldades no junto e a mímica geral é imprópria. O tempo possibilitou os trabalhos e não nos pregou a partida de 3ª feira de Carnaval, onde trabalhámos defronte ao Palácio de Queluz.

O Yoshi está melhor e o Francisco goza de bom entendimento com a Íris. A Teka I está a dar um pulo de qualidade e a Princesa entende-se às mil maravilhas com o Ricky. O Buster tomou banho no Lago do Campo Grande sem querer e o Rodrigo está a precisar de alargar o passo e de corrigir os alinhamentos. O Bruno enriqueceu os trabalhos e o Abu anda em constante desafio. O Greg não fez disparates e o Master dedicou-se à marcação de território. A Menina usufrui da liberdade e o Manel não trouxe a Mini. A Bonnie continua debaixo do “efeito campainha” e vários alunos adquiriram trelas de suspensão. O Eduardo esta de partida para França e não sabemos se participará nos trabalhos do próximo fim-de-semana.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Alexandra/Abu, Bruno/Pepe, Célia/Igor, Eduardo/Micks, Francisco/íris, Isabel/Luna, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Jorge/Juvat, Luís Leal/Teka I, Octávio/Greg, Pedro Costa/Pipo, Princesa/Ricky, Rodrigo/Tarkan, Teresa/Buster, Vítor Hugo/Yoshi e Zé Gabriel/Master e Menina.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Galinha de campo não quer capoeira


Noutros tempos, quando ainda participávamos em provas e perante o insucesso de determinado binómio, era comum ouvir-se a pergunta: “o cão de que raça era?”, porque raramente os CPA’s falhavam e quando isso acontecia a culpa era geralmente dos seus condutores. Se por acaso o cão fosse de outra raça, já a causa do insucesso poderia ser repartida e o seu condutor ser inocentado. É evidente que os Pastores Alemães não são especialistas em coisa nenhuma e para cada tipo de serviço sempre haverá uma raça que os ultrapassará. O Pastor Alemão perde em velocidade para o Malinois, não tem a capacidade de aprendizagem do Poodle, tem dentes de leite quando comparado com a força de mandíbula do Rottweiler, é cego de nariz perante os bracos e não faz a abordagem ao olfacto como os Pastores Belgas. Apesar disso, ainda não se produziu um cão tão completo como ele, um multi-funcional por excelência que teima em ser a sombra do dono. Há quem o julgue como “estupidamente obediente” e um telecomandado, o que tem alguma verdade e coloca em maus lençóis os seus condutores, porque sempre espelhará a qualidade dos seus mestres. A despeito da sua mais-valia, nem toda a gente nasceu para ter um Pastor, ainda que nutra pela raça um apreço excepcional, porque o cão é exigente, reclama por serviço, tem vontade própria e torna-se silvestre quando ignorado.

A Acendura sempre foi uma casa de Pastores e hoje é-o por excelência, já que 90% dos cães em treino pertencem a essa raça, sendo conduzidos por crianças, adolescentes, gente madura e idosos, de ambos os sexos e de diferente capacidade e objectivos, o que torna o cão num terapeuta insofismável e num auxiliar válido para um sem número de propósitos. Inesperadamente, porque tal nunca se passou entre nós, três condutores de pastores apresentam dificuldades no comando de “quieto”, laborando abaixo do exigível pelo Quadro de Crescimento Funcional. Dois cachorros são da nossa proveniência e outro desconhece-se a sua origem. Em nenhum deles foi ou é visível qualquer incapacidade ou impropriedade que obste a instalação do referido automatismo. A ausência de entraves genéticos aponta claramente para uma razão ambiental e não isenta os donos de culpa, porque todos eles desprezam amiúde a recapitulação doméstica, preferindo ter os cães à solta e entregues aos seus auspícios, o que obsta ao melhor aproveitamento escolar e causa transtorno ao grupo. Todos os cachorros já chamaram os donos à atenção, ainda que de modo diverso. Um deles comeu um frasco inteiro de vitaminas e roeu o estrangulador, outro passa os dias a correr atrás do rabo e o terceiro desfila que nem um lobo desconfiado, fugindo aos fortes e carregando nos fracos. Ainda que os três reclamem por uma maior acuidade e pela divisão de tarefas, o caso do terceiro é o mais grave porque o confinamento tem substituído a excursão diária, entravando a sociabilização e não tirando partido do robustecimento oferecido pela variação dos ecossistemas.

Um pároco nosso conhecido, pessoa devotada ao seu ministério e dado à reflexão, depois de longo meditar sobre os sermões que proferira, chegou à seguinte conclusão: “ … tenho passado a vida inteira a pregar para os ausentes e são os presentes que têm comido por tabela”. Na mesma contingência nos encontramos nós, redactores e leitores, porque mais uma vez somos obrigados a falar sobre a importância da recapitulação doméstica, na ténue esperança que algum dos indigitados leia o que aqui fazemos saber e produza alteração no relacionamento com o seu cão. Uma coisa é comum aos três condutores deficitários: é a primeira vez que são proprietários de um Pastor Alemão e isso de alguma forma atenua a irresponsabilidade da sua postura.

Apesar de domesticados e por mais que o queiramos, os cães não abandonaram o seu particular biológico, continuam sujeitos à sua natureza e a agir de acordo com os propósitos da sua espécie, já que as suas respostas naturais diferem das obtidas pelo condicionamento (artificiais). A submissão canina não é gratuita e encontra-se sujeita a regras, ao exercício da liderança que as estipula e que procura a coabitação harmoniosa entre homens e cães. A inserção de qualquer comando não é eterna e não acontece de modo isolado, ao invés, obedece a conjunto de condições decorrentes da dependência que por sua vez viabiliza o adestramento. Trelas, canis, correntes e muros são meios para contrariar as respostas naturais, porque a privação da liberdade reforça a submissão que torna possível o uso dos cães. Nenhum cão nasce obediente e sempre resistirá, de um modo ou de outro, à novidade da obediência. Adestrar, que aqui poderia ter o significado de “ludibriar”, é uma arte baseada no aproveitamento e transformação do potencial animal, chegando a inibir instintos e a controlar impulsos. Assim se compreende porque sempre será mais fácil conduzir à trela um cão anteriormente acorrentado do que outro que sempre andou em liberdade, entregue aos seus desígnios e distante de qualquer norma.

Os cães que acima citámos passam a maior parte dos dias a seu bel-prazer, normalmente dispensados da recapitulação doméstica, das rotinas do treino e apenas sujeitos a uma sessão semanal de instrução, o que os amarra ao ponto de partida e obstrui o seu aproveitamento. Acostumados à liberdade, vêem a obediência como um incómodo e bem depressa se põem em fuga, mandando bugiar os donos e correndo para parte incerta. Tudo o que é ensinado na Escola deve ser repetido em casa, constituir-se em rotina e transformar-se em automatismo, porque a Escola não é um fim em si mesma e a obediência é para ser exercida e exercitada no lar. Não basta levar os cães ao treino, há que treiná-los em casa e aí aplicar as soluções adiantadas pela Escola.

A excursão diária, o recurso aos diferentes automatismos de imobilização, o uso dos vários subsídios direccionais, o contributo dos brinquedos e das brincadeiras pedagógicas não devem ser menosprezados, a cumplicidade deve ser requerida e a divisão de tarefas um facto, porque o “milagre” do treino assenta sobre o trabalho e é para acontecer em casa. Procrastinar na Escola e desprezar a instrução no lar, é o cúmulo da tolice e a ninguém aproveita. Infelizmente, o desprezo pelos pormenores só é notado quando se transforma em disparate. Há que estar atento. Fica o aviso!

Ten months: the singers season

Quando os cachorros chegam aos 10 meses de idade, altura em que os adultos já os consideram como iguais, é chegada a “Estação das Cantorias”, porque os mais velhos escorraçam os infantes e estes tendem a desafiá-los. Neste fim-de-semana calhou a vez ao Turco e duma assentada desafiou todos aqueles com quem se cruzou. A câmara da Carla captou o momento em que desafiava o Micks, com este a rosnar e o Turco a mostrar-se. Neste estágio etário da vida dos cachorros a sociabilização é palavra de ordem e as suas manobras são por demais urgentes, mesmo que já hajam sido feitas no passado e todos tenham tido nelas aproveitamento, porque a dominância de um cão nasce e cresce com ele.

Dorme descansada que eu olho por ti

Finalmente o Joaquim tem um cão só para ele. Na verdade é uma cadela, chama-se Maggie e iniciou agora o treino. O carinho que o rapaz nutre por ela é visível na foto acima. Foram surpreendidos num dos momentos de supercompensação, num diálogo distante dos demais, mas facilmente perceptível a todos. O Joaquim parece estar a dizer: “ Dorme descansada Maggie que eu olho por ti!”

Como as aparências iludem

Três estarolas encontraram-se no parque: o Ricky, a Shara e o Yoshi. A foto dá a ideia de uma escaramuça desenfreada, mas não passou de uma simples brincadeira à volta de um buraco na relva. Todos queriam ir lá para dentro e a Shara achou que ele lhe pertencia, porque chegou lá primeiro e não queria companhia. O Ricky ficou indignado e o Yoshi, assim como quem não quer a coisa, tentou alargar o buraco. Parabéns Vítor Hugo, boa foto!

Com dois condutores se escreve a palavra Acendura

O par de binómios retratado acima desfilava em “frente por 2” no Parque Eduardo VII. A postura dos condutores é oposta e o conjunto de ambas forma a primeira letra do substantivo Acendura. A Clara vai certa e o Américo à procura de moedas. E o mais curioso disto tudo é que numa só fotografia se vê o certo e o errado. Mas o homem tem desculpa, a Clara é militar profissional, daquelas que se deslocam céleres, altivas e impenetráveis, uma verdadeira cossaca!

Lixado no Lexim

Ontem foi dia aziago para o Américo. No turno da parte da tarde escorregou e partiu uma perna, à sombra do Penedo e por ele abaixo. Daqui lhe endereçamos as melhoras e escalamos a Carla para o serviço, pelo menos no próximo mês. Um homem para morrer basta estar vivo e para cair só precisa de estar de pé. Certamente a Becky dispensar-lhe-á muito carinho e não o abandonará. A Família Abreu parece que anda em maré de azar, mas como diz o povo: “ não há mal que sempre dure e bem que não se acabe” ou melhor: “depois da tempestade vem a bonança”. Votos de franca e pronta recuperação.

Upstairs, downstairs

Este fim-de-semana trabalhou-se a todo o vapor, primeiro no Parque Eduardo VII, depois no Jardim de Belém. No Domingo começámos em Ribeira de Ilhas, fomos para o Penedo Lexim e acabámos em Meleças na residência da Família Moura, onde fomos obsequiados com um principesco lanche. Sábado foi dedicado à sociabilização e às figuras de obediência. Os binómios mostraram uma melhoria significativa e o trabalho decorreu conforme o esperado.

A Célia, o Francisco e o Joaquim fizeram-se acompanhar pelas suas novas aquisições e a primeira terminou os trabalhos com os bofes de fora. Fomos ainda visitados pelo Sr. Paulo Serra Pedro e pelo seu filho Nuno, condutores do Tag e da Nicky (trabalharam connosco). A Elisabete foi gozar o Carnaval para o Porto e deixou a Lua ao nosso cuidado. O Bruno ausentou-se para parte incerta e o João Franco finalmente reapareceu. O Rui Ribeiro não compareceu por razões profissionais.
Domingo foi dedicado à melhoria dos ritmos vitais e à musculação, tirando-se partido da escadaria existente junto à Praia de Ribeira de Ilhas. O tempo esteve gélido e ventoso, mas ninguém acusou o frio durante e depois do trabalho. No Penedo do Lexim introduzimos a pistagem e acabámos mais cedo mercê das circunstâncias anteriormente relatadas. Em Meleças fizemos treino de conjunto e sem período de trabalho específico. O Yoshi continua a fintar o Vítor Hugo e o dono precisa de melhorar a sua técnica.
Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Alexandra/Abu, Américo/Becky, Ana/Loki, António Cunha/Zorro, Carla Abreu/Nina, Célia/Igor, Clara/Shara, Eduardo/Micks, Francisco/Luna, Joana/Flikke, João Franco/Zappa, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Jorge/Audaz, Luís Leal/Teka I, Manel/Mini, Nuno/Nicky, Octávio/Greg, Paulo SP/Tag, Pescadinha/Teddy, Princesa/Ricky, Roberto/Turco, Rodrigo/Tarkan, Teresa/Buster, Vítor Hugo/Yoshi e Zé Gabriel/Master. Batemos o recorde de presenças da semana passada, 26 binómios fizeram-se presentes (isto sem contar com o Pedro A. Rocha que conduziu a Menina).

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

O formador e o excesso dos conteúdos de ensino

Um aluno nosso, pessoa bem intencionada mas pouco dedicada aos rudimentos da cinotecnia, queixou-se esta semana da extensão dos conteúdos de ensino presentes no blog e transcritos para o site. Desde o início das nossas publicações on-line que reparámos num fenómeno bizarro: os nossos alunos são os que menos as lêem ou consultam! O corpo do blog encontra-se sumariamente dividido em 3 partes: o texto da semana, textos a reter e actividades escolares. Estas divisões já se encontram manifestas no site e possibilitam uma melhor absorção cognitiva. Ainda que cada uma delas se reverta de particular importância e obedeça à unidade da temática, é no “texto da semana” que se encontram os conteúdos de ensino a absorver e praticar. Na eventualidade de haver dois textos dessa categoria, eles dificilmente ultrapassarão os 14 parágrafos, o que equivale à memorização diária de apenas 2 deles, o que não nos parece demasiado para gente de médio coeficiente de inteligência, por mais atribulada que ande nos seus múltiplas afazeres.

Pretendemos com isto subsidiar de modo consensual e sem atropelos a criação, a coabitação, o respeito e o uso que são devidos aos cães, algo para além do cajado da tecnocracia e ao alcance de qualquer proprietário canino. O que não queremos e porque há gente assim, é que nenhum dos nossos alunos ponha o seu cão a secar dentro do micro-ondas e depois se vá queixar do fabricante por não ter alertado no manual de utilização que a máquina era fatal para os animais domésticos. Apesar do nosso cuidado, militância e devoção, ainda recentemente surpreendemos alguém que tinha um canil rematado a arame farpado. Tanto o blog como o site, que na sua essência são o mesmo, devem ser lidos como um devocionário e não como um vulgar pasquim que usamos para distrair o esforço daquilo que pretendemos jogar fora. Para esse efeito é melhor usar o Jornal “Dica” ou optar pelas revistas “cor-de-rosa”. E já agora, para quem não sabe e quando for caso disso, funcionando como “apanhados, os recados para a família são publicados todas as Quintas-Feiras.

O condutor nocturno

Há uns anos atrás, Avª de Roma acima e no meia da noite, usufruindo da companhia da saudosa Dª Beatriz Silva, fomos surpreendidos por um binómio que se deslocava irrepreensivelmente naquela mítica avenida da Capital. O adestrador agradado pelo facto exclamou: “ Ò Beatriz, aquele é que devia ser meu aluno!” Olhando mais amiúde, a Sr.ª respondeu-lhe: “ O menino não está a ver que aquele é o Diogo com o Klint! E era mesmo, um binómio da nossa Escola constituído por um condutor zeloso e acompanhado por um cão não menos brioso. Os anos passaram e o Klint está velhote, o Diogo raramente dá notícias e encontra-se distante das lides do adestramento. O binómio na foto acima é o constituído pela Princesa e pelo Ricky, que se desloca célere e compenetrado. A história repete-se ano após ano, a Princesa adquiriu a técnica e o Ricky é neto do Klint! Dá gosto ver binómios assim, principalmente quando a maioria anda “à boleia” e prestes a esborrachar-se. Princezinha aceita o recado: o cão vai ligeiramente atrasado, coisas das fotos, as suas patas dianteiras deverão ir paralelas ao pé de projecção e nunca alinhadas pelo pé de sustentação. Bem sabemos que faltam escassos centímetros, mas buscamos a perfeição.

Saltar sim, mas bem!

Este fim-de-semana reforçámos o comando de “up” e convidámos algumas das nossas crianças para fazerem de obstáculo. Para além da instalação do automatismo direccional, ao alcance de qualquer cachorro, o exercício serviu para o robustecimento de carácter dos cães em classe, contribuindo para a supressão do medo de estranhos e para a supremacia da ordem. Sucintamente, as transposições verticais quer sejam instantâneas ou alongadas, carecem da mesma técnica independentemente dos materiais usados prá construção dos obstáculos. No terceiro momento do salto, na saída, o condutor deve estar para além do obstáculo a transpor (no comprimento total da trela). E isto porquê? Para que o peso corporal do cão seja o mais rapidamente distribuído pelos seus dois pares de membros, graças à indução fornecida pelo segmento de recta. Quando se ignora este princípio técnico, por força do mau condicionamento, os cães afundar-se-ão nas saídas dos obstáculos, mesmo quando em liberdade. Quando se salta com o cão alinhado ou adiantado, o animal vê-se obrigado a rebocar o dono e tal pode ser-lhe lesivo. O vício encontra-se associado a saltos cavados ou tirados do meio da rua, isentos de marcação e entregues à fortuna, fruto duma precária obediência e resultante também da indolência dos condutores. Esta semana a proeza coube ao Eduardo e a vítima foi a Vega (foto acima).

E para que seja visível a diferença entre o correcto e o errado, evidenciamos a prestação da Teresa com o Buster (foto abaixo), com a condutora já adiantada no momento da execução. Considerando o bem-estar canino, importa mais o modo como são feitos os obstáculos do que a sua simples transposição. Para o Eduardo colocamos duas questões: quem lidera o binómio e quem ensina obediência a quem?

É de manguitos que o povo gosta!

A foto acima já foi publicada na 2ª Feira, dia 8 do corrente mês, exactamente após o 3º parágrafo do texto “O SUCESSO VEM DA INSTALAÇÃO DOMÉSTICA”. Foi ali parar pela graciosidade inata da Elisabete e não pela qualidade da condução patenteada. O exercício por si mesmo já é difícil (conduzir em simultâneo dois cães: o nosso e outro alheio), porque obriga a alguns reparos e não se pretende subjugar o cão de outrem. E nisso a Elisabete cumpriu e não mereceu qualquer reparo. O que não entendemos foi a postura de condução, um par de invejáveis manguitos sobre as trelas, como se os cães fossem dois cabazes pesados a necessitar de serem vistos. Beta, no teu caso particular (1 metro e meio mal medidos e plenos de invejável juventude), deves conduzir os cães com as mãos sobre o remate da trela (cabedal preto), descaídas naturalmente sobre as coxas. E deves fazê-lo por duas razões: para melhorar o teu equilíbrio e para não prejudicares os cães. O aumento da folga na trela possibilita a fuga dos cães e atenta contra a concentração dos animais, porque vão esganados e isso traz consequências, porque a uns pode causar stress e a outros o aumento inadequado da agressividade.

O tango dos marrecos

8 marrecos decidiram ir passear ao parque com os seus cães (foto acima). Como é sabido, um condutor avalia-se pela postura, modo de respirar e pela entoação dos comandos. A postura contraída dos condutores é normalmente transmitida para os cães. Se reparem bem, 6 deles vão cabisbaixos como os seus líderes. O Zorro vai certo por força do desaguisado do Flikke e este vai de cabeça levantada porque tem a cauda do Ricky imediatamente à sua frente. São os cães que devem olhar para os donos e não o contrário, a menos que pisem terreno minado ou procurem algo perdido. O tombar da cabeça dos condutores, enquanto expressão mímica, duas coisas pode originar: o atraso dos cães ou a sua transição imediata para o andamento seguinte. Como tal não havia sido solicitado, estamos convencidos que de uma coreografia de tango se tratava.

AVISO

Como a temática dos “apanhados” é essencialmente técnica e para uso exclusivo da Família Acendura Brava. Esta foi a sua única aparição no Blog. Doravante a sua publicação ficará restrita ao Site e será apenas visível para as pessoas nele cadastradas. Agradecemos aos nossos alunos a contribuição para o crescimento individual prático-cognitivo, porque querem melhorar e sabem que podem contar connosco na sublime arte de adestrar. A nossa virtude está na correcção dos erros e a sua solução torna-nos maiores. A aposta na mudança é o nosso objectivo e procuramos outros limites que outros nem ousam sonhar. É isso que a sigla “Fidutia et Labor” significa também para nós.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Pais e cachorros

Há quem diga que a criação e a educação de cachorros contribuem para um melhor exercício da maternidade e da paternidade, funcionando como ensaio para as futuras tarefas de cada um. Também já ouvimos dizer que a ausência da paternidade torna o homem incompleto e mais circunspecto ao seu umbigo. Opiniões à parte, um facto não se pode ignorar: os pais são melhores condutores de que aqueles que nunca tiveram essa experiência. Por outro lado, ainda que isso possa ser causa de melindre, as senhoras são geralmente melhores adestradoras do que os homens, contribuindo para a formação de cães seguros e para o exercício cabal das suas funções. Estamos em crer que tal se deve à necessidade de protecção dos cachorros e à operação do instinto maternal.

A paternidade que aqui consideramos é a que vai para além do simples acto biológico, a operada a tempo inteiro e que dispensa as dolorosas decisões do Tribunal de Família, a que obriga a redobrados cuidados, à alteração das rotinas e ao acompanhamento a par e passo, a que se faz presente no meio das dificuldades e que obriga à tomada de decisões acertadas, considerando o bem-estar da sua prole e o particular sentimental dessa relação. Quem se acostumou a carregar sacos, a empurrar o carrinho, a trocar fraldas, a dar o biberão, a levantar-se no meio da noite e embalar, sem maiores contratempos, conseguirá cuidar e educar um cachorro, porque as rotinas já foram aceites e o trabalho será mais fácil. Tanto as crianças como os cães necessitam e reclamam de acompanhamento objectivo, dos cuidados inerentes ao seu desenvolvimento e posterior capacitação. Ambos são ciumentos, carecem de atenção e denunciarão o cuidado de que foram alvo, física e psicologicamente. Endereçando de imediato as nossas desculpas a quem se sentir lesado, apraz-nos dizer que um mau pai dificilmente será um bom condutor, a menos que reze o seu acto de contrição sobre as orelhas do animal. Isso é frequente e muitos acabam por lamentar o seu anterior despreparo maternal ou paternal, porque nem sempre se chega a tempo e somos surpreendidos com o produto do nosso desempenho.

Voltemo-nos para os cães. O nosso “Quadro de Crescimento Funcional”, outra coisa não é que um manual de puericultura, porque ensina a criar e a desenvolver física e psicologicamente os cachorros ao nosso encargo, adiantando modos e metas para o salutar desenvolvimento dos animais e possibilitando a desejada constituição binomial. Como sempre, entregaremos de bom modo uma cópia sua a quem o solicitar, porque apostamos no bem-estar animal e procuramos a divisão de tarefas entre homens e cães. Juntamente com os bons auspícios dos veterinários assistentes, amigos a não desprezar e que estudaram para isso, as distintas tabelas de crescimentos das raças são requisitos pediátricos que não podemos desprezar, porque indiciam ou não dificuldades que atempadamente podem ser resolvidas, algo para além do estado clínico e intrinsecamente ligado à futura prestação dos cães, atendendo aos requisitos para a função e não desprezando o seu particular psicofisiológico.

Trabalhar cachorros para além dos limites impostos pelo “Quadro de Crescimento Funcional”, porque deixa marcas e pode causar incapacidades, inaptidões, traumas ou lesões, é criminoso e de todo deve ser abandonado, ainda que os animais mostrem propensão para isso, a menos que os cachorros sejam super dotados e por causa disso devidamente acompanhados. O abuso é geralmente perpetrado pelos condutores mais jovens e inexperientes, por aqueles que desconsideram a relação causa-efeito e por outros que se inebriam pelo sonho e ultrapassam a realidade do animal que os acompanha. A ocorrência do abuso aponta para a necessidade da regra, considerando a salvaguarda dos que nos seguem via trela. Abusar da ginástica leva ao estoiro e ao desinteresse, abusar da obediência pode rebentar com os mecanismos de auto-defesa, transformar os cães em múmias e alterar os seus sentimentos gregário e territorial. Mais alto que o agrado dos donos deve levantar-se o agrado dos cães, porque os cachorros necessitam de se sentir agradados e usualmente retribuem do mesmo modo. Eles necessitam de mais tempo para o descanso e para a recuperação, a sua concentração não é espontânea e aumenta com o passar do tempo.

Sempre que se vai depressa demais não há adaptação, a rotura acontece e as dificuldades aumentam. Em abono da salutar pedagogia e do equilíbrio canino, o comando inibitório “Não”, que é um comando excepcional, jamais deverá ser usado ou instalado antes da maturidade sexual de um cachorro, devendo ser substituído pela paciência dos condutores e pela recapitulação aprazível dos exercícios. Feliz é o cão que nunca ouviu um “não”, que sempre viu recompensado o seu esforço e que evoluiu pela gratidão. Os momentos de supercompensação devem exceder em muito os de trabalho objectivo, funcionando como catalizadores e estímulo para as acções requeridas. É curioso reparar e nisto o adestrador carece de paciência divinal, que os condutores abominam os tempos de recuperação e reclamam por mais actividade. Que Deus lhes perdoe! Ainda que muitos se espantem, até porque ignorância e espanto teimam em andar de braço dado, a relação condutor-cão obriga um à paternidade e o outro à filiação, no particular exigível que estabelece a relação interespécies. Depois dos 4 meses de idade, o cachorro seguirá quem: os seus irmãos ou os seus pais?

No mundo da cinotecnia a maior virtude resulta da paciência que garante o experimento e ele só acontece pela adaptação daquele que nos é oferecido ou confiado. O aproveitamento da genética canina não pode remeter-se a um corriqueiro improviso, mas considerar o particular dos indivíduos e potenciar ou equilibrar os seus impulsos mais úteis, primeiro para a sobrevivência dos cães e só depois para o seu uso. Num binómio coabitam duas percepções diferentes, ambas se completam e necessitam uma da outra. Antes que seja tarde, porque agora já está avisado, mude a sua atitude e seja paciente, porque o seu cachorro depende de si, não tem outro mestre e só chegará até onde você chegar. Nunca vimos donos mal empregues mas estamos fartos de ver cães mal-empregados.