O Sr. Armindo Martins detestava o Natal, há anos que vivia sozinho e há mais de vinte que era viúvo. Raramente o passava com a única filha que tinha, isso só aconteceu uma vez, quando ela era ainda solteira. Depois de casada nunca mais, porque sempre passava a consoada com o marido e a filha na Ilha da Madeira. Sem ninguém por perto, o reformado foi endurecendo o seu coração, ao ponto de abominar as iluminações que anunciavam a época natalícia, porque acusava a solidão e via-se um inútil, ausente de qualquer préstimo e arredado de qualquer solicitação. Farto de passar natais à frente da televisão, até porque os filmes eram sempre os mesmos ano após ano, decidiu fazer um diferente, pegou no seu velho “Simca” e fez-se à estrada, sem destino determinado e pela orla marítima. Circulava sozinho pelo breu da noite, pela estrada deserta e infinda, com o murmúrio das ondas à esquerda e o troar da água nas valetas. Chovia quanto Deus o dava e a carripana resvalava invariavelmente, apesar da marcha lenta e das cautelas do ancião. Sem ninguém com quem falar, ia ocupando a cabeça com memórias, com pequenos flashes da experiência vivida agora retratados na noite. O reviver mantinha-o acordado e a distracção breve se fez sentir, rumo ao norte e para parte incerta, estrada acima e sem horizonte à vista.
Subitamente, vindo do nada, eis que um cão se atravessa à sua frente. Instintivamente, o Armindo carrega desalmado no travão, o carro derrapa e vai parar a escassos centímetros do bicho, não lhe causando qualquer dano. No meio do susto solta: “ Oh alma do diabo, filho de mãe nada virtuosa e de pai desconhecido!” O bicho nem se mexeu, com os olhos a brilhar contra os faróis, molhado que nem trapo encharcado, surpreso e tolhido de medo. Não se avistava vivalma naquele lugar de ninguém, o silêncio cortava mais do que a chuva e o vento tinha parado. Sem pensar, o homem dirigiu-se à berma e pegou uma pedra, queria correr com o cão dali, não que tivesse alguma pressa ou que alguém o esperasse. Perante a ameaça, o cão virou-se de barriga para cima, com os olhos hirtos e com as orelhas estendidas sobre o asfalto. As suas malhas não escondiam as costelas e a cauda não parava de abanar. “Só me faltava esta, um taliban de quatro patas! Será que também andas à procura de virgens no céu?” A pedra voltou para a valeta e por breves momentos ficaram olhar um para o outro, sem saber o que fazer, especados no meio da estrada, sem testemunhas e indiferentes à invernia. A exaltação cedeu lugar à ternura e o homem compadeceu-se do animal por força do destino comum. Depois de algum pensar, o Armindo colocou o cão dentro do carro e disse: “ de pobre já não passo e a rico já não chego, aqui está a minha prenda de Natal!”
Pelo caminho ia olhando para o bicho, procurando indícios para lhe aplicar um nome. O cão rapidamente se enroscou e adormeceu, alheio ao pormenor e comodamente instalado. Depois de muito matutar e porque estávamos no Natal, entendeu chamar-lhe “ Mago”, em alusão aos reis que transportam os presentes e que são figura obrigatória em todos os presépios. Ao chegar à porta de casa, arrumou o carro à pressa, com um pneu contra o passeio e não se importou, escondeu o Mago debaixo do sobretudo e entrou em casa de mansinho, para que ninguém desse por eles e obrigasse a maiores explicações. Depois de secar o cão, foi ao congelador buscar umas postas de bacalhau, descascou umas tantas batatas e pôs a comida ao lume. Foi à sala e pôs a mesa, lançando mão de uma velha toalha de linho, a de sempre e há muito arrumada, própria para a ocasião. Comeram com alegria e desfrutaram da companhia um do outro como dois convivas em festa maior. Lá fora chovia e nenhum deles se importou com isso, porque a casa ganhou vida e os seus corações alento. Por volta da meia-noite a filha ligou e obteve esta resposta: “Estou melhor do que imaginas, fui visitado por um mago, ceei com ele e agora dorme ao meu lado!”
Pelo caminho ia olhando para o bicho, procurando indícios para lhe aplicar um nome. O cão rapidamente se enroscou e adormeceu, alheio ao pormenor e comodamente instalado. Depois de muito matutar e porque estávamos no Natal, entendeu chamar-lhe “ Mago”, em alusão aos reis que transportam os presentes e que são figura obrigatória em todos os presépios. Ao chegar à porta de casa, arrumou o carro à pressa, com um pneu contra o passeio e não se importou, escondeu o Mago debaixo do sobretudo e entrou em casa de mansinho, para que ninguém desse por eles e obrigasse a maiores explicações. Depois de secar o cão, foi ao congelador buscar umas postas de bacalhau, descascou umas tantas batatas e pôs a comida ao lume. Foi à sala e pôs a mesa, lançando mão de uma velha toalha de linho, a de sempre e há muito arrumada, própria para a ocasião. Comeram com alegria e desfrutaram da companhia um do outro como dois convivas em festa maior. Lá fora chovia e nenhum deles se importou com isso, porque a casa ganhou vida e os seus corações alento. Por volta da meia-noite a filha ligou e obteve esta resposta: “Estou melhor do que imaginas, fui visitado por um mago, ceei com ele e agora dorme ao meu lado!”
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