segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

O EFEITO BALOIÇO: O CÃO PENDURADO À ESQUERDA

O “Efeito Baloiço”, um dos vícios do duelo das vontades entre o cão e o dono, é caracterizado pelo pendurar do animal à esquerda quando atrelado, que desequilibra a progressão binomial e obriga a constante correcção. As razões que contribuem para o fenómeno podem ter uma tríplice origem ou resultar da sua combinação, já que podem advir do particular do cão, da sua instalação e da pessoa do dono. Independentemente do caso, a resposta animal desnuda o desencanto relativo ao uso da trela e denuncia a impropriedade afectiva entre o condutor e o cão. Quando as dificuldades se ficam a dever ao cão, que só o serão diante da aplicação e calendarização dos procedimentos certos, elas resultam da supremacia dos instintos sobre os impulsos e apontam para uma baixa capacidade de aprendizagem de que a má selecção não de pode alhear. Contudo, como tantas vezes já foi dito, a capacidade de aprendizagem de um cão pode ser melhorada durante a sua infância pelo benefício da experiência variada e rica sobre a plasticidade existente.

Na esmagadora maioria dos casos o problema fica a dever-se a uma má instalação doméstica, a um distante relacionamento binomial e a um atrelar apressado ou de emergência, condições que ao obstam ao correcto escalonamento hierárquico, procuram o desprezo ou a nulidade da liderança, porque a obediência não é uma resposta natural e sempre sofre algum tipo de resistência. Como se antevê, a razão aqui é de índole social e aponta para o relaxo, despreparo ou ignorância do dono, porque não investiu e desaproveitou, esperando do animal aquilo que era sua obrigação. Assim, o “Efeito Baloiço” é uma tentativa de inversão social, própria dos cães mais extremados ou isolados, uma postura revolucionária que procura a emancipação canina. Os cães mais medrosos facilmente enveredam por este vício, porque o “Junto” lhes causa arrepios e sentem-se vulneráveis, preferindo outras paragens. Os indivíduos mais dominantes preferem ir adiante e como não o podem fazer, tentam levar os donos de vencida pela exaustão. Do mesmo modo, os cães que sempre andaram em liberdade, não vêem com bons olhos a trela e o seu redireccionamento, porque a liderança atenta contra a sua livre escolha.

Isto leva-nos para a altura certa de atrelar, para seu modo de execução e para o aproveitamento circunstancial. A colocação da coleira deve anteceder o recurso à trela e deve acontecer aos 2 meses de idade. Só depois da habituação à coleira, coisa que demora 2 ou 3 dias, é que se convida o animal para os passeios atrelados, que devem acontecer de modo natural e gradual, evitando-se a saturação e o reboque. Nesta idade o cachorro não nos larga os atacadores dos sapatos, tendencialmente tropeçamos nele e sempre corre atrás nós. A trela deve ser usada na procura dos brinquedos e no retorno ao seu local de abrigo, apresentar-se como um reforço positivo das acções do infante e indiciar a presença da recompensa. Nos primeiros dias alcançaremos apenas alguns centímetros, mas como o passar do tempo, ganharemos um companheiro que até irá buscar a trela, porque se sente feliz e quer andar ao nosso lado. Este é um trabalho a desenvolver no lar, no período de vacinação que antecede a excursão e que melhor a prepara. Quanto mais tarde se atrela um cão, maiores serão as dificuldades, porque o desencanto reina e a coerção não surte o mesmo efeito. Atrelar um cão aos 2 meses de idade é aproveitar a protecção que nos solicita, contribuir para o seu crescimento saudável e fundamentar a parceria, graças ao apoio dispensado, ao incentivo omnipresente e à divisão de tarefas. Os cães são agradecidos e gostam de saber com o que contam, sentem mais a perca e resistem às mudanças.

Infelizmente são raros os proprietários de cães que assim procedem e os bichos acabam vítimas disso, porque são atrelados tardiamente e à revelia, contrafeitos e com ganas de se escapar. Na impossibilidade de recuperar o passado e quando a condução se torna impossível, procuram-nos e solicitam-nos ajuda, apresentando os cães debaixo do vício decorrente: o do “Efeito Baloiço”. Raros também são aqueles que reconhecem o seu contributo para o desaguisado e muitos são os que incriminam os seus cães, tratando-os de brutos sem qualquer préstimo. Perante a dificuldade somos obrigados à solução e quando o mau hábito está por demais enraizado, importa adiantar subsídios para o levar de vencida. Todavia, é mais fácil transformar o cão do que o dono, ainda que a transformação do primeiro acelere a recuperação do segundo. Passemos às soluções.

A procura da fixação na pessoa do dono. A maioria dos cães que incorre neste vício raramente olha para os donos ou atenta para as suas palavras, ensurdece-se para os comandos e cumpre as tarefas contrariado, denunciando a ausência de vínculos afectivos capazes e um crescimento desacompanhado, distante das rotinas domésticas e arredado de um contacto mais íntimo. Geralmente são cães com lugares pré-destinados e criados na perspectiva do “não me chateies”, que se desenvolveram a rumo próprio e que inventaram os seus próprios afazeres. Quando assim é, vamos ter que obrigar o dono a brincar com o cão, a descobrir as suas preferências, a adquirir tarefas divididas e a recompensá-lo de acordo com os resultados obtidos. Tirar o dono do pedestal é a meta, o objectivo é a recuperação do cão. Para que ela aconteça é necessário transformara a autonomia em dependência e fixar o animal na pessoa do dono. É melhor fazer as pazes com o cão do que impor o uso da trela, porque o binómio nasce em casa e desfila pela rua. Como grande número das pessoas é muito ocupada, depressa dará o tempo por perdido e solicitar-nos-á outras opções, apesar desta ser a melhor, porque pensam que os estamos a “mandar pentear macacos”.

As conduções por desequilíbrio. As conduções por desequilíbrio que usamos são duas: a condução de mão direita e a da trela sobre os ombros. A condução de mão direita, prática bastante comum nas unidades cinotécnicas profissionais do passado, também identificada por baixa técnica, consiste em conduzir o cão à esquerda pela acção da mão direita do condutor, que se serve do adiantamento da perna esquerda como alavanca, impedindo a fixação dos anteriores e evitando a progressão canina adiante. Apesar do condicionamento garantir a correcção, ela é incómoda para o condutor e de índole coerciva. A condução com a trela suspensa sobre os ombros do condutor tem o mesmo propósito e tenta cativar a atenção do cão pela surpresa, graças ao comando inibitório “não” e ao convite das mãos livres. Procura-se aqui o domínio dos comandos verbais sobre as acções, porque na maioria dos casos os condutores desfilam rebocados pelos cães, perdendo a sensibilidade, confundindo as ordens e inviabilizando as mensagens. O trabalho consiste em dizer “não” quando o cão se afasta da perna esquerda e conservá-lo aí pela cativação das mãos do condutor. O uso de um boneco ou biscoito na mão direita pode operar milagres desde que o cão não se farte ou desinteresse, o que é fácil de acontecer se tiver um fraco impulso ao alimento ou tenha sido arredado da cumplicidade. A condução da trela sobre os ombros do condutor, para além do seu propósito mais comum, possibilita ainda a normalização dos ritmos vitais do cão, evitando a saturação e o seu estoiro precoce. É também uma condução coerciva, apesar de menos lesiva que a primeira.

Os percursos lineares com inversão do sentido de marcha e mudanças de mão. São subsídios de correcção tirados a partir da surpresa, desenvolvidos num segmento de recta e visam o reparo do cão em relação ao dono ou condutor. A inversão do sentido de marcha e a mutação de mão de condução, quando usadas de modo imprevisível, possibilitam a eliminação do vício pelo concurso da surpresa, porque o cão nunca sabe o que o espera e vê-se obrigado a seguir o dono, circulando invariavelmente à sua esquerda ou à direita e sujeito à inesperada inversão do sentido de marcha. O exercício não deve ser praticado sem o aquecimento prévio do cão, porque subsiste perigo eminente de lesão. No passado recente, a maioria dos cães só aprendia obediência em pequenos percursos lineares, tirando partido de vários segmentos de recta. A prática foi abandonada pelo excesso de inibição, aumento da irritabilidade e riscos de lesão, porque dispensava o desenvolvimento cognitivo canino e os benefícios da ginástica, mormente o concurso dos obstáculos e as suas vantagens.

A mudança de condutores. É uma estratégia muito comum entre nós, considerando a felicidade dos cães pelo contributo das mãos alheias. A coisa não é nova e remete-nos para a ancestral relação instrutor-instruendo, quando o primeiro exemplificava para o segundo os procedimentos a haver. A novidade consiste em considerar os condutores alheios como agentes de ensino, ainda que devidamente orientados e acompanhados. A troca de condutores possibilita uma nova experiência para o cão e opera a fixação dos comandos, contraria os seus hábitos e liberta-o da menos valia do seu condutor, limando arestas para além do seu alcance, porque diferentes mãos têm diferentes desempenhos e existe gente que faz da adaptação uma virtude. Por outro lado, o dono do cão aprende com os procedimentos alheios para além do reparo do instrutor, coisa invisível quando se encontra a trabalhar, porque passa do rádio para a televisão e o replay é possível.


Existem outros métodos para a correcção do vício, alguns que até dispensam maiores cuidados por parte dos condutores, que geralmente abominamos e que de bom grado lhes endereçaríamos, se tal fosse possível e a lição valesse a pena. Tudo o que indicámos são medidas de excepção, rudimentos que não escondem a insatisfação dos cães e o seu uso descuidado. Como recuperar em cinotecnia significa reeducar e um binómio não subsiste sem liderança, os condutores necessitam de um maior aprimoramento, atendendo à sua condição e ao reflexo das suas atitudes. Atrelar no tempo certo e usar a cumplicidade podem evitar o fenómeno.

Sem comentários:

Enviar um comentário