segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

O RISCO DE SER PEQUENO

Entre os proprietários e criadores de cães de cães pequenos, os ditos toy ou miniatura, existe alguma relutância relativa ao treino dos seus companheiros, porque são animais típicos de companhia e a sua perigosidade é quase nula., a sua fragilidade é notória e a sua dependência absoluta. Não obstante, nem todas as raças são iguais e existem algumas bastante belicosas, provocadoras por excelência e que se comportam para além da sua fragilidade, apesar de pesarem menos que os coelhos e serem menores que os gatos. Apesar do seu tamanho reduzido e deficitária envergadura, são cães como os demais e produzem indivíduos diferentes, sendo oriundos de uma utilidade desprezada ou dum processo selectivo antinatural, fortemente ligado ao sedentarismo e dominado pelo antropomorfismo, factores que geralmente atentam contra ao seu bem-estar e longevidade. Os rafeiros pertencentes a esta categoria, enquanto mestiços, são geralmente mais saudáveis, apresentam maior vigor e vivem mais anos.

A substituição da autonomia pela dependência leva ao aumento das suas capacidades cognitivas, o que acelera a constituição binomial e potencia a cumplicidade, assistindo-se facilmente à transferência física e anímica do dono para o cão, coisa difícil de alcançar entre cães de maior porte, ávidos de rua e sedentos de marcar território, menos fixados no dono e propensos a outros desafios. Por causa disso, a adopção de um cão miniatura é aquela que oferece maiores garantias de sucesso, porque acontece para além da disponibilidade física dos donos, é própria para a divisão dos espaços exíguos e as suas exigências são diminutas, porque o bicho assimila facilmente a filiação e evolui sem delongas pela relação de paridade. O número de cães miniatura é maior nos espaços urbanos e é comum vê-los nas mãos dos mais idosos ou entregues aos cuidados das donas de casa, como parte integrante do seu bem-estar social ou em substituição dos filhos que já partiram.

Transformado em “rei da casa”, enquanto objecto de maior tolerância e da constância de mimos, o cão miniatura facilmente é invadido pelo ciúme, detesta intromissões e defende com os dentes o seu lugar social, raramente se agrada das visitas e resiste a maiores intimidades. Acaba por sair à rua debaixo do mesmo espírito e faz da antipatia a sua toilette de eleição, tratando os outros cães como subespécie de si próprio, como gentalha inoportuna que se cruza no seu caminho. Arvorado em Leão nas mãos do dono, associa o tratamento ao instinto e tenta afugentar os outros cães, ainda que o faça por medo e confiado nas costas de quem o conduz. E debaixo dessa pretensa autodefesa pode atacar qualquer um, independentemente do seu tamanho, sexo ou idade, mesmo que ali chegue debaixo das melhores intenções. Apesar deste comportamento ser mais visível nos machos, já vimos cadelas a comportar-se do mesmo modo, espelhando idêntica impiedade. Se em determinado bairro ou jardim o cão miniatura for o seu residente mais antigo, é mais do que natural que domine sobre os cães mais recentes, particularmente se ali chegaram em cachorros, por força da vantagem e da experiência directa que garantem o predomínio.

Mais tarde, e isto acontece vezes sem conta, desagradados, os donos dos outros cães atiçá-los-ão contra ele, ainda que o façam de modo premeditado e dissimulado, debaixo de uma capa angelical e denotando falsa surpresa. E quando isto acontece, o “rei” regressa a casa com o manto rasgado e dificilmente quererá sair de lá outra vez. Quando um toy se põe em fuga, depois do insucesso das suas advertências, torna-se numa presa de eleição para os demais, certos do sucesso e impelidos pelo impulso ao movimento que despoleta os inerentes à captura. Se ninguém vier em seu socorro: “rei morto”. Todo o cão, independentemente do seu tamanho, idade ou sexo, necessita da sociabilização. No caso dos miniaturas ela é tão imprescindível quanto para os cães perigosos, para que não se constituam em vítimas e concorrentes a um destino fatal. A sociabilização é para eles o melhor subsídio de autodefesa e grande parte dos seus donos ignora ou despreza o seu benefício. Como diz o povo: “quem anda à chuva, molha-se!”

Em síntese, os cães miniatura devem ser inscritos e concorrer às classes escolares, porque não são gente e a sua vida corre grande risco, porque causam desacatos e necessitam de sociabilização. Ainda que o seu apetrechamento normativo seja à parte devido ao particular morfológico, uma vez instalados os códigos, devem participar junto com os outros nas actividades ao seu alcance, mormente nos exercícios de obediência e nos momentos de evasão, constituindo-se parte integrante da matilha heterogénea escolar. O tamanho de um cão não o dispensa da escola, porque pequenos cães podem causar grandes disparates. Não correm os mesmos riscos que os outros? Quem estará mais sujeito à morte? O cão mais pequeno que treinámos na Acendura foi um caniche anão, media sensivelmente 15 cm e pesava 1,5 kg, foi matriculado em 1993 e em tudo foi aprovado.

1 comentário:

  1. O texto desta semana, tal como os textos de semanas anteriores é bastante interessante. No entanto, este texto retrata bastante bem o que se passa na zona onde habito e, particularmente, algumas situações que já aconteceram comigo e que gostaria de partilhar, apesar de algumas já serem conhecidas.
    Posso dizer que no meu bairro os cães de porte médio/grande e os de pequeno devem rondar os 50-50. Com os cães grandes nunca tive problemas, apesar de que os seus donos não sabem o porquê da existência de um acessório chamado trela. Por vezes vêm a correr em direcção ao Loki que começa a ficar nervoso e ladra. Só nesta altura se apercebem que alguma coisa pode correr mal e chamam pelo cão que muitas vezes não responde. Felizmente e até agora a dona do Loki tem antecipado estes encontros imediatos e tudo corre pelo melhor.
    Com os cães pequenos, em especial um do meu prédio (um cocker dourado mais baixo que a Isis e ponto mais alto que a Babel com cerca de 4-5 anos)tudo correu mal desde o inicio. O Loki só devia estar comigo há semanas e já tinha deslocado o ombro duas vezes. Estava frágil e triste, com alguma dificuldade em descer as escadas do elevador para a rua. Eu ainda não tinha aberto a porta da rua, quando vejo o cocker a correr em direcção ao Loki e a morde-lo na zona do pescoço. Só tive tempo de lhe pregar um pontapé e a Isis ainda teve tempo de lhe pregar uma dentadinha carinhosa, e o dono a correr desalmado atrás do cão que não respondia à sua voz.
    O tempo passou, e como o Sr. João sabe o Loki cresceu muito e rápido.
    Pelo tamanho começou a impôr algum respeito nas pessoas, mas não naquele cão. Uma outra vez, esse cocker de nome Nico, saiu do prédio tresloucado (note-se que sempre em liberdade)e vendo o Loki do outro lado da estrada (quieto, sentado, atrelado e com a dona ao lado) não hesitou e correu disparado para o morder. O Loki só o pegou pelo cachaço, largando à minha voz (se bem que o Rui ainda me deu nas orelhas e disse que seria uma lição para o outro cão, talvez um bom exemplo dos donos que procuram vingança...mas eu não sou assim e ele também não). Valeu aqui e nas vezes em que isto se repetiu, os ensinamentos da Acendura Brava, e nenhum dos dos cães saiu ferido (ainda hoje penso que se o Loki o quisesse magoar, tinha-o feito, mas posso estar errada).
    A mesma sorte não teve uma vizinha minha de 80 anos e com pavor de cães, que ao ver o cão a correr em direcção a ela deve ter tido uma descarga de adrenalina e foi mordida. Desta vez até polícia meteu...
    Actualmente o cão já tem outra casa, por tantos problemas que criou à vizinhança. Agora a sua dona ficou-se por um gatinho.Talvez seja mais seguro (ou não!)
    Termino esta partilha de experiências com um sentimento, o de que a Acendura Brava não serve apenas para aprendermos a proteger os nossos cães, entre tantos benefícios que daí podemos retirar, também nos ajuda a proteger os cães daqueles donos mais irresponsáveis.

    Sr. João, um muito obrigado para si pelos ensinamentos não só para os meus cães como para a minha vida pessoal.

    Um beijinho muito grande
    Ana Pinto (como deve ter reparado)

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