segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

DEVOLVER A ALEGRIA A QUEM NASCEU SEM ESPERANÇA

Ao contrário do que se julga, é mais fácil regrar um cão do que transmitir-lhe alento, capacitá-lo para além da herança genética e fazê-lo esquecer a sua experiência directa, porque ele nasce sem perspectiva de futuro e sobrevive pela obediência ao grupo que o sustenta, enquanto ser social e dependente. A sociedade está cheia de paradoxos e a canicultura não escapa à regra, já que grande número de proprietários de cães tem medo deles, particularmente dos alheios, havendo ainda alguns que evitam a confrontação com os seus próprios companheiros ou que lhes descarregam “lições exemplares”, porque o medo é soberano e o “papão” anda à solta. Por causa disto, segundo os nossos registos, 95% dos donos têm como objectivo a obediência canina quando nos procuram, ignorando por completo aquilo que é devido a um cão e essencial para a sua resposta positiva, fazendo jus ao provérbio: “quem tem medo, compra um cão”.

Os cães, tal como os homens, nascem diferentes e isso é visível desde tenra idade. A ignorância generalizada que paira sobre nós nesta matéria tem levado à escolha arbitrária de cachorros, desconsiderando o seu particular e o dos seus donos, impedindo a coabitação harmoniosa e a relativa constituição binomial, lançando sobre os animais culpas que lhe são alheias e que resultam das leis do mercado. O comum mortal que procura um cão, é um visionário, alguém que quer fazer do sonho uma realidade e que busca um complemento para a sua felicidade. E quando assim é, o criador de cães faz-se um pregador de indulgências e um vendedor de terrenos no Céu, ainda que venda gato por lebre e abuse dos sentimentos de quem o procura. Nem todos os criadores são salafrários, mas em muitos deles predomina a ignorância que os vitimou e continua a causar vítimas, abraçando um ofício de nefastas consequências.

Se juntarmos a cinofobia à ignorância dos criadores, qualquer cão pode ser mal interpretado e alvo de uma educação inadequada, por força dos anseios do dono e desconhecimento do futuro adestrador, ávido de apresentar serviço e distante do particular individual do animal. Ainda que as incapacidades físicas caninas possam ser despistadas e evitadas, as impropriedades comportamentais continuam quase indetectáveis, pela ignorância dos seus indícios e apego a verdades subjectivas, porque a raça não garante o indivíduo e existem em todas elas indivíduos menos capazes, o que nos remete para a impropriedade na selecção ou para os seus pressupostos. E na simbiose entre o belo e o funcional, pelo menos até aqui, a perca tem suplantado o ganho e o cão ideal teima em nascer, na disparidade entre a manipulação genética e a selecção natural.

Imaginemos um cachorro inibido ou muito-submisso, jogado num quintal e constantemente repreendido, sujeito a uma liderança austera e a sucessivas inibições, arredado das suas tendências e cativo a um sem número de regras. Quando chegar à idade adulta como se comportará? Que méritos ou deméritos manifestará? Certamente fugirá da sua própria sombra e morrerá de medo pelos donos, ainda que descendente da mais feroz linha de cães guardiães. A reeducação, ao contrário do que muita gente imagina, não se destina exclusivamente aos cães agressivos, mas também àqueles que se tornaram silvestres e esquivos, os necessitados de reintegração social e que resistem à coabitação, quer o façam por razão genética ou ambiental ou fenómeno resulte da sua interacção.

A recuperação de um cão submisso, contrária à do muito-dominante que invariavelmente obriga à separação do dono face à inutilidade da sua presença, é um processo pedagógico bipartido que incide sobre o dono e o cão, que deve acontecer preferencialmente no lar de adopção, debaixo de supervisão e sujeito a constante avaliação, porque se procura minorar a insuficiência genética pelo contributo ambiental, já qualquer separação agravaria a recuperação pela necessidade da transferência, o que aumentaria a suspeição do animal e colocá-lo-ia no estágio inicial. No entanto, caso esse binómio doente seja escolar, a sua recuperação pode e deve também acontecer em classe, diante das dificuldades encontradas e pelo contributo dos diferentes agentes de ensino (adestrador, demais binómios e outros cães), porque a simpatia com o colectivo pode abreviar a recuperação.

O processo é moroso e sujeito a muitas cautelas, porque busca a descodificação e obriga à alteração do comportamento do dono, que apesar de inteligente, sempre tropeça nas suas reacções instintivas. Trata-se aqui de desenvolver o impulso ao poder do cão, responsável pela inibição dos impulsos relativos à sua auto-preservação. E porque estamos a falar de indução, há que aproveitar e redireccionar o impulso ao movimento, já que a maioria dos cães inibidos o usa apenas para escapar. A capacidade de bater outros territórios e alcançar outras tarefas, virá dos estímulos utilizados e aponta para a cumplicidade e recompensa. Adiantamos a seguir alguns conselhos para ajudar os que apostam na recuperação dos seus cães:

1. Esqueça que o relógio existe. O que interessa é a recuperação do animal, não tempo que ela demora.
2. Evite todo e qualquer comando inibitório, porque isso só agravará a situação.
3. Adquira uma postura e dicção calmas independentemente dos desaires.
4. Retome todas as acções com alegria, já basta a desmotivação do cão.
5. Recompense para além dos resultados, isso torná-lo-á agradável aos olhos do animal.
6. Evolua segundo as respostas encontradas e nunca de acordo com o seu desejo.
7. Convide o cão para o espaço comum e divida a sua vida com ele.
8. Conheça as suas preferências e reforce-as.
9. Visite o seu local de pernoita e aconchegue-o.
10. Mantenha escrupulosamente as rotinas.
11. Cuide diariamente da sua higiene e sinta prazer nisso.
12. Incentive-o para a brincadeira e parceria.

O que adiantámos refere-se às 12 qualidades inerentes a um dono exemplar. São elas (por ordem alfabética): altruísmo, camaradagem, cumplicidade, dedicação, docilidade, generosidade, militância, paciência, paixão, perseverança, rectidão e temperança. Feliz é o cão que encontra um dono assim! Fugirá dele ou fará tudo para lhe agradar?

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