sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

LINGUAGEM GESTUAL: UM REQUISITO INDISPENSÁVEL E POLIVALENTE

Quando adoptámos a linguagem gestual como currículo obrigatório do nosso método de ensino, há já 40 anos, houve logo quem nos acusasse de excessivo de primor e até de inequívoca androginia, o que pouco nos importou à luz da sabedoria popular que diz passar a caravana enquanto os cães ladram (os cães ladram e a caravana passa), sabendo também que ninguém é profeta na sua própria terra e que muitos de nós resistem ao incómodo da mudança, chauvinismo que a outros também afecta.
Entendemos não dispensar e transmitir a linguagem gestual aos nossos alunos por três razões objectivas: para valer aos condutores, auxiliar os cães e melhor subsidiar as acções binomiais, entendendo-a como auge das linguagens antecedentes e como forma de arte. Para se entender da necessidade e vantagens da linguagem mímica, que é de fácil apreensão pelos cães e que melhor aproveita o código interespécies estabelecido, explicaremos primeiro quais os benefícios para os condutores.
Deseja-se que todos os condutores caninos tenham uma voz, clara, potente e modelada, desejo que nem sempre acontece quando lidamos com alguns cavalheiros e com a maioria das senhoras e crianças. Esta dificuldade inata, pelo contributo da linguagem gestual que acompanha a verbal, tende a ser ultrapassada pelo concurso e reforço da mímica utilizada. Por outro lado, perante condutores com dificuldade na assimilação dos comandos, a mímica empregue levá-los-á à celeridade no acerto. Os condutores surdos-mudos, com dificuldades verbais acrescidas, encontram na linguagem gestual o meio necessário e capaz para comunicarem com os seus cães sem maior esforço. Também os condutores nervosos, repentistas e impetuosos, ao serem convidados para a prática desta linguagem, considerando a exigida sintonia entre a ordem e a acção, ganham a temperança necessária para comunicarem a preceito com os seus cães. Mediante a linguagem gestual todos os condutores alcançam um novo meio cómodo e eficaz para comunicarem à distância com os animais que conduzem, insonoro e quase imperceptível para os demais, que não gostam de ser atropelados por gritarias e que têm esse direito.
Os cães vivem de rituais e observam os comportamentos dos seus inimigos e presas, conseguindo também interpretar os estados anímicos dos seus donos pelas suas diferentes posturas e rituais, enquanto predadores e auxiliares, chegando ao ponto de preterirem a identificação ao olfacto pela visão por força do contacto com os humanos – eles são observadores e são-no também para a sua salvaguarda. A linguagem gestual ao reproduzir neles as figuras e movimentos que lhes são solicitados acaba por aumentar-lhes a cumplicidade indispensável à sua prestação, libertando-os do stress que obsta à sua aprendizagem e melhor aproveitamento. Também os cães medrosos, nem sempre em boas mãos, acabam por colher benefícios dos comandos gestuais, porque transmitem-lhes a paz e a segurança que a genética não lhes deu ou que os traumas lhes roubaram. A somar a isto, importa referir os cães surdos, normalmente de cor branca, que sem o contributo da linguagem gestual acabariam ensinados aos encontrões ou “à enfarta-brutos”, ainda que no último caso isso nem sempre seja possível, atendendo ao fraco impulso ao alimento presente nalguns cães.
Como os benefícios da linguagem gestual para as acções caninas são muitos, não vamos aqui enumerá-los todos, somente destacar aqueles que nos parecem mais importantes, cientes de que a linguagem gestual utilizada tende a operar a salvaguarda de donos e cães por ser inaudível, não comprometer o cumprimento das ordens e ser altamente eficaz. Sem o contributo da linguagem gestual os cães militares de varrimento acabariam abatidos e os seus tratadores sujeitos a igual sorte; os cães policiais perderiam o efeito de surpresa e os dedicados à indústria cinematográfica obrigariam a um sem número de “takes”. E se nenhum deles poderá dispensá-la em abono da sua salvaguarda, muito menos a dispensarão os cães de guarda, para quem a surpresa é a maior das suas vantagens.
O uso da linguagem gestual nos cães leva-os à concentração e fixação na pessoa dos seus donos ou tratadores, transformando o rudimentar adestramento numa arte repartida entre ambos, numa unidade indivisível que pode ser accionada por um simples piscar de olhos, dando corpo ao provérbio desde há muito conhecido: “cara de um focinho de outro”.  

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