Quando adoptámos a
linguagem gestual como currículo obrigatório do nosso método de ensino, há já 40
anos, houve logo quem nos acusasse de excessivo de primor e até de inequívoca
androginia, o que pouco nos importou à luz da sabedoria popular que diz passar
a caravana enquanto os cães ladram (os cães ladram e a caravana passa), sabendo
também que ninguém é profeta na sua própria terra e que muitos de nós resistem
ao incómodo da mudança, chauvinismo que a outros também afecta.
Entendemos não dispensar e
transmitir a linguagem gestual aos nossos alunos por três razões objectivas:
para valer aos condutores, auxiliar os cães e melhor subsidiar as acções
binomiais, entendendo-a como auge das linguagens antecedentes e como forma de
arte. Para se entender da necessidade e vantagens da linguagem mímica, que é de
fácil apreensão pelos cães e que melhor aproveita o código interespécies
estabelecido, explicaremos primeiro quais os benefícios para os condutores.
Deseja-se que todos os
condutores caninos tenham uma voz, clara, potente e modelada, desejo que nem
sempre acontece quando lidamos com alguns cavalheiros e com a maioria das
senhoras e crianças. Esta dificuldade inata, pelo contributo da linguagem
gestual que acompanha a verbal, tende a ser ultrapassada pelo concurso e
reforço da mímica utilizada. Por outro lado, perante condutores com dificuldade
na assimilação dos comandos, a mímica empregue levá-los-á à celeridade no
acerto. Os condutores surdos-mudos, com dificuldades verbais acrescidas,
encontram na linguagem gestual o meio necessário e capaz para comunicarem com
os seus cães sem maior esforço. Também os condutores nervosos, repentistas e
impetuosos, ao serem convidados para a prática desta linguagem, considerando a
exigida sintonia entre a ordem e a acção, ganham a temperança necessária para
comunicarem a preceito com os seus cães. Mediante a linguagem gestual todos os
condutores alcançam um novo meio cómodo e eficaz para comunicarem à distância
com os animais que conduzem, insonoro e quase imperceptível para os demais, que
não gostam de ser atropelados por gritarias e que têm esse direito.
Os cães vivem de rituais e
observam os comportamentos dos seus inimigos e presas, conseguindo também
interpretar os estados anímicos dos seus donos pelas suas diferentes posturas e
rituais, enquanto predadores e auxiliares, chegando ao ponto de preterirem a
identificação ao olfacto pela visão por força do contacto com os humanos – eles
são observadores e são-no também para a sua salvaguarda. A linguagem gestual ao
reproduzir neles as figuras e movimentos que lhes são solicitados acaba por aumentar-lhes
a cumplicidade indispensável à sua prestação, libertando-os do stress que
obsta à sua aprendizagem e melhor aproveitamento. Também os cães medrosos, nem
sempre em boas mãos, acabam por colher benefícios dos comandos gestuais, porque
transmitem-lhes a paz e a segurança que a genética não lhes deu ou que os traumas
lhes roubaram. A somar a isto, importa referir os cães surdos, normalmente de
cor branca, que sem o contributo da linguagem gestual acabariam ensinados aos
encontrões ou “à enfarta-brutos”, ainda que no último caso isso nem sempre seja
possível, atendendo ao fraco impulso ao alimento presente nalguns cães.
Como os benefícios da
linguagem gestual para as acções caninas são muitos, não vamos aqui enumerá-los
todos, somente destacar aqueles que nos parecem mais importantes, cientes de
que a linguagem gestual utilizada tende a operar a salvaguarda de donos e cães
por ser inaudível, não comprometer o cumprimento das ordens e ser altamente
eficaz. Sem o contributo da linguagem gestual os cães militares de varrimento
acabariam abatidos e os seus tratadores sujeitos a igual sorte; os cães
policiais perderiam o efeito de surpresa e os dedicados à indústria
cinematográfica obrigariam a um sem número de “takes”. E se nenhum deles poderá
dispensá-la em abono da sua salvaguarda, muito menos a dispensarão os cães de
guarda, para quem a surpresa é a maior das suas vantagens.
O uso da linguagem gestual
nos cães leva-os à concentração e fixação na pessoa dos seus donos ou tratadores,
transformando o rudimentar adestramento numa arte repartida entre ambos, numa
unidade indivisível que pode ser accionada por um simples piscar de olhos,
dando corpo ao provérbio desde há muito conhecido: “cara de um focinho de outro”.
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