Costuma dizer-se que para
morrer basta estar vivo, numa alusão à celeridade e à surpresa com que tudo nos
acontece. Também não é raro ouvirmos que este e aquele cão são extremamente
obedientes, que obedecem prontamente àquilo que lhes é solicitado. Seria bom
que assim fosse mas será mesmo? Não dependerá o cumprimento das ordens da
inequívoca prontidão do seu emitente visando a salvaguarda e o uso dos animais?
Nestes circunstâncias, poderá a certeza de um código dispensar o acerto de seu
emissor? A manha que leva à resistência dos comandos não será da exclusiva
responsabilidade dos líderes? Quantos cães já se perderam pela gaguez,
hesitação e inoperância seus dos donos? Como o assunto é sério, somos obrigados
a abordá-lo, porque doutra maneira malbarataríamos o nosso propósito e missão.
Bem-comparados, certos
donos lembram alguns pais actuais que não se cansam de dizer a mesma coisa aos
filhos sem alcançarem deles qualquer alteração, argumentos repetidos que apenas
reforçam a resistência animal e causam sérios entraves ao condicionamento
pretendido, gente literalmente “a falar para o boneco” ou a fazer “figura de palhaço”,
que desresponsabiliza os seus cães pelo muito que lhes quer, atribuindo-lhes um
livre arbítrio que não alcançam e que lhes pode ser fatal, tratamento antropomórfico
próprio de casais que não têm filhos em comum e que procuram desta forma a
comunhão de afectos no seu viver quotidiano. Assim como os cães não podem
dispensar a liderança, os seus donos não podem prescindir da autoridade, porque
nem tudo sem rosas e a inversão de papéis pode induzir à irremediável perca dos
animais, que no seu estado natural e sem intromissão humana, obedecem
prontamente aos seus líderes pela necessidade de sobrevivência.
Instalar um código de
actuação num cão, capaz de produzir alteração no seu comportamento, é também
condicionar o seu dono, porque doutra forma a unidade binomial será
circunstancial e sairá comprometida. Homens e cães melhoram com o tempo e o
treino, aprendem com os erros e buscam aprovação, pelo que pactuar com os erros
ou desacertos dos animais é criar-lhes barreiras cognitivas que impedirão o seu
aprimoramento e progresso, despromovê-los a uma condição menos meritória.
Poderá um adestrador pactuar com o desacerto dos seus instruendos humanos?
Poder, pode mas não deve, isto se for honesto e não bajulador, porque
desacertos são erros que não aproveitam a homens e cães, caso passem intactos e
não produzam alteração.
A educação dos donos não
dispensa a absorção do código, o seu domínio e articulação até se tornarem automáticos.
O código, enquanto conjunto de ordens explícitas, implicitamente não dispensa a
sua componente física transmitida pelas diferentes posturas corporais do
condutor, que deverão estar em sintonia com as acções verbais solicitadas,
porque se a voz disser uma coisa e a mímica outra, bem depressa o cão cairá em
confusão. Nos cães destinados à indústria cinematográfica o primeiro a absorver
a personagem é o dono, para poder vestir atempadamente o animal na personagem
fictícia, o que não é tarefa fácil nem se alcança com um esporádico papel de “compére”
numa rábula duma colectividade de Quadrazais ou da Rechocha. Se o cão tem que
se apresentar furioso, terá que ser induzido à fúria; se tem que se mostrar
amigável, deve absorver carinho e assim por diante. O cão de espectáculo não é convocado
para mostrar as suas habilidades (o que acontece no circo), mas para dar vida e
enriquecer a personagem que encarna pelas suas mais-valias, sabendo-se que o
seu desacerto prejudica seriamente aqueles que com ele contracenam e compromete
de sobremaneira o êxito das cenas (não se podem dirigir cães com as mãos no
bolsos).
Dito isto, treinar cães
para o mundo do espectáculo é prepará-los também para a sobrevivência e para os
perigos que irão enfrentar na vida real, onde os erros do líder podem implicar
no dolo ou desaparecimento precoce dos animais. Perante os perigos, o dono é
obrigado a estar um passo à frente para poder valer ao animal, encontrar-se
preparado para toda e qualquer eventualidade para não vir a ser surpreendido e
perder o cão, acerto só possível pela antecipação e pelo apego aos procedimentos
adiantados pelo código, numa fracção de segundo que poderá fazer toda a
diferença.
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