segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A HISTÓRIA DOS DOIS PINTARROXOS E O COMPORTAMENTO DOS CÃES

Não me canso de ouvir e já começo a ficar cansado das considerações tecidas por alguns donos acerca dos seus cães, dos quais dizem ter uma personalidade vincada e comportamentos únicos, tão singulares como se houvessem nascido de geração espontânea. E dizem-no com tanta certeza que chegam a envergonhar os etólogos que se dedicam ao estudo do comportamento dos cães, normalmente empenhados em discernir o que nele é espontâneo e adquirido. Serão estes cães tão singulares ou reflectirão a singularidade presente nos seus proprietários? Serão assim por via genética ou por peso ambiental?
Deixem que vos conte uma história. Há trinta anos atrás, quando à canicultura e à cinotecnia juntava a paixão pela canaricultura, numa manhã primaveril e ensoleirada que me fez levantar da cama, agarrei no meu equipamento e fui para o campo gravar o canto dos vários pássaros da família “fringillidae”, cantos que usava depois para ensinar aos meus canários juvenis novas árias e trinados. Para surpresa minha, numa área de nidificação, hoje destruída por uma via rápida, quando caminhava cautelosamente entre arbustos rasteiros, deparei-me com um ninho de pintarroxos com quatro ovos.
Deitei-lhe de imediato a mão e retornei a casa o mais rápido que pude, pondo aqueles ovos debaixo duma canária que se encontrava no choco e cujos ovos não se encontravam fertilizados, rezando para que os pintarroxos nascessem. Ainda não haviam passado quinze dias e quatro vigorosos passarinhos nasceram, vindo a morrer dois pela ganância dos outros que os impediam de comer no ninho. Mais por sorte que pelo peso das orações, os dois que sobrevieram eram machos, vindo a aprender o canto dos canários à sua volta (harz roler, timbrado espanhol e malinois), ao qual juntavam os requebros próprios da sua variedade.
Mais tarde levei-os a um certame de ornitologia realizado no “Fórum Picoas” em Lisboa, edifício que não sei se ainda existe, onde muitos canaricultores em concurso se fizeram presentes. Os meus pintarroxos causaram sensação, admiração e espanto pela novidade do seu canto, que muitos sabiam possível mas que poucos até ali tinham escutado. Resta dizer que naquele tempo me dedicava também à hibridação de canários, obtendo “mestiços” de pintassilgo, pintarroxo, lugre, chamariz, verdilhão e a partir do difícil tentilhão.
À imitação destes pintarroxos, que copiaram o canto dos canários que lhes serviram de mestres, existem por aí muitos cães que copiam por observação o comportamento dos seus donos, que tiram partido da sua tolerância e anuência, espelhando também a qualidade dos seus mestres, adquirindo depois pios, toleimas, estatutos e prerrogativas que jamais alcançariam sem o contributo das pessoas ao seu redor, enquanto seres sociais que vivem em constante observação e que de algum modo buscam aprovação.
O facto de um cão nascer com uma potente força de mordedura não implica que venha a destruir e a fazer ruir o nosso lar; se outro for demasiado activo não nos obriga a pactuar com os disparates que possa causar; se a gula o dominar não podemos permitir que coma até rebentar; se for rebelde não somos obrigados a suportar a sua rebeldia; se for agressivo não devemos constituir-nos em suas vítimas ou obrigar outros a sê-lo; se for pouco interactivo e distante não deveremos conformar-nos; se for dominado por medos e fobias não podemos perpetuá-los e assim por diante.
Para estes disparates tão comuns só o treino que antecipa e estabelece a regra dá resposta, não o antropomorfismo com que é tratada a maioria dos cães actuais ou o carácter silvestre que inadvertidamente lhes é atribuído e imputado. E se há animais “moldáveis”, no topo da sua lista certamente encontraremos o cão. Não será também por isso que vive ao nosso lado? A propósito, a título ilustrativo e sobre regras vem-me à memória a sentença dum ex-aluno francês, cujo nome agora não recordo (seria François?), que farto dum amigo alemão que tinha, não se cansava de dizer: “ Se você convida um alemão para a sua casa, estabeleça-lhe regras antes que ele lhas estabeleça a si e aos seus!” Penso que nem todos os alemães são assim mas que a regra faz falta, faz! Como os cães não são só produto da genética, importa formar o seu carácter para que coabitem connosco harmoniosamente. Acha-se capaz para isso, sabe como fazê-lo? Caso precise de ajuda contacte-nos.    

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