Não me canso de ouvir e já
começo a ficar cansado das considerações tecidas por alguns donos acerca dos
seus cães, dos quais dizem ter uma personalidade vincada e comportamentos
únicos, tão singulares como se houvessem nascido de geração espontânea. E dizem-no
com tanta certeza que chegam a envergonhar os etólogos que se dedicam ao estudo
do comportamento dos cães, normalmente empenhados em discernir o que nele é
espontâneo e adquirido. Serão estes cães tão singulares ou reflectirão a
singularidade presente nos seus proprietários? Serão assim por via genética ou por
peso ambiental?
Deixem que vos conte uma
história. Há trinta anos atrás, quando à canicultura e à cinotecnia juntava a
paixão pela canaricultura, numa manhã primaveril e ensoleirada que me fez
levantar da cama, agarrei no meu equipamento e fui para o campo gravar o canto
dos vários pássaros da família “fringillidae”, cantos que usava depois para
ensinar aos meus canários juvenis novas árias e trinados. Para surpresa minha,
numa área de nidificação, hoje destruída por uma via rápida, quando caminhava
cautelosamente entre arbustos rasteiros, deparei-me com um ninho de pintarroxos
com quatro ovos.
Deitei-lhe de imediato a
mão e retornei a casa o mais rápido que pude, pondo aqueles ovos debaixo duma
canária que se encontrava no choco e cujos ovos não se encontravam fertilizados,
rezando para que os pintarroxos nascessem. Ainda não haviam passado quinze dias
e quatro vigorosos passarinhos nasceram, vindo a morrer dois pela ganância dos outros
que os impediam de comer no ninho. Mais por sorte que pelo peso das orações, os
dois que sobrevieram eram machos, vindo a aprender o canto dos canários à sua
volta (harz roler, timbrado espanhol e malinois), ao qual juntavam os requebros
próprios da sua variedade.
Mais tarde levei-os a um
certame de ornitologia realizado no “Fórum Picoas” em Lisboa, edifício que não
sei se ainda existe, onde muitos canaricultores em concurso se fizeram
presentes. Os meus pintarroxos causaram sensação, admiração e espanto pela
novidade do seu canto, que muitos sabiam possível mas que poucos até ali tinham
escutado. Resta dizer que naquele tempo me dedicava também à hibridação de
canários, obtendo “mestiços” de pintassilgo, pintarroxo, lugre, chamariz,
verdilhão e a partir do difícil tentilhão.
À imitação destes
pintarroxos, que copiaram o canto dos canários que lhes serviram de mestres, existem
por aí muitos cães que copiam por observação o comportamento dos seus donos,
que tiram partido da sua tolerância e anuência, espelhando também a qualidade
dos seus mestres, adquirindo depois pios, toleimas, estatutos e prerrogativas
que jamais alcançariam sem o contributo das pessoas ao seu redor, enquanto
seres sociais que vivem em constante observação e que de algum modo buscam
aprovação.
O facto de um cão nascer
com uma potente força de mordedura não implica que venha a destruir e a fazer
ruir o nosso lar; se outro for demasiado activo não nos obriga a pactuar com os
disparates que possa causar; se a gula o dominar não podemos permitir que coma
até rebentar; se for rebelde não somos obrigados a suportar a sua rebeldia; se
for agressivo não devemos constituir-nos em suas vítimas ou obrigar outros a
sê-lo; se for pouco interactivo e distante não deveremos conformar-nos; se for
dominado por medos e fobias não podemos perpetuá-los e assim por diante.
Para
estes disparates tão comuns só o treino que antecipa e estabelece a regra dá
resposta, não o antropomorfismo com que é tratada a maioria dos cães actuais ou
o carácter silvestre que inadvertidamente lhes é atribuído e imputado. E se há
animais “moldáveis”, no topo da sua lista certamente encontraremos o cão. Não
será também por isso que vive ao nosso lado? A propósito, a título ilustrativo
e sobre regras vem-me à memória a sentença dum ex-aluno francês, cujo nome
agora não recordo (seria François?), que farto dum amigo alemão que tinha, não
se cansava de dizer: “ Se você convida um alemão para a sua casa,
estabeleça-lhe regras antes que ele lhas estabeleça a si e aos seus!” Penso que
nem todos os alemães são assim mas que a regra faz falta, faz! Como os cães não
são só produto da genética, importa formar o seu carácter para que coabitem
connosco harmoniosamente. Acha-se capaz para isso, sabe como fazê-lo? Caso
precise de ajuda contacte-nos.
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