Tratemos primeiro dos
factos. Segundo fez saber Gregory Berns, um neurocientista da Universidade de
Emory de Atalanta/Geórgia/USA, que recorreu ao uso de ressonância magnética
para medir a actividade cerebral dos cães, trabalho pioneiro que combinou dados
de imagens cerebrais com experiências comportamentais e já publicado na revista
“Cognitive and Affective Neuroscience”, a maioria dos cães dá mais importância
aos elogios dos donos que à comida, preferindo um dono carinhoso ao invés da
barriga cheia.
Esta
recente pesquisa veio dar-nos razão quanto aos métodos de treino, porque sempre
resistimos, quando nos foi possível, à distribuição de guloseimas aos cães que
nos foram e são confiados, parecer que nos isolou e que a ciência confirma
agora como certo. A nossa resistência à recompensa pela comida, que para a
maioria dos cães é perfeitamente dispensável, mormente nos seleccionados para o
trabalho, prendeu-se e prende-se com a salvaguarda dos cães, com a recusa de
engodos e com a formação de um carácter impoluto e incorruptível, onde o
suborno não pode ter lugar por ser contraproducente, recompensando os cães pelo
carinho e pelo elogio que demonstram o apreço dos donos, que eles desejam,
esperam, sentem e compreendem.
Apesar disso e perante
dificuldades com alguns indivíduos ou raças, notoriamente mais instintivos que
ricos em personalidade, para serviços que não punham em causa a sua
salvaguarda, usámos e continuaremos a usar a comida como subsídio para o
condicionamento canino pretendido, excepção que aplicámos e aplicamos à maioria
dos cães de caça, carentes dos necessários vínculos afectivos com os donos, por
modo próprio ou por desastrosa indução. Contudo, nunca fizemos desta excepção
regra, antes levámos os donos a uma mudança de atitude e de práticas,
levando-os a reconhecer a importância do tratamento desejável para o alcance das
respostas caninas expectáveis oferecidas pelo treino, libertando-os da paixão
inconsequente para a prática do amor constante que ganha corpo no cuidado com
os cães.
Está à
vista de qualquer um e parece não suscitar dúvidas a ninguém, que a recompensa
pela comida é o modo mais célere e menos exigente para se educar um cão, isto
se ele tiver um forte impulso ao alimento: se for guloso. Sabemos também que
nos últimos 25 anos, com a generalização da prática do adestramento entre os
civis e perante a necessidade de qualquer um ser capaz de educar o seu cão,
mesmo que ele não houvesse nascido ou fosse seleccionado para isso, que o
recurso à gula canina seria o caminho escolhido perante adestradores
inadequados, desprovidos de maiores requisitos técnicos, com menores índices
atléticos (crianças e idosos), mais chegados ao lúdico que à seriedade
necessária, desapegados de procedimentos e desprovidos de disponibilidade. Esta
novidade acabou por recrutar para o adestramento gente que no passado
dificilmente teria lugar nele, assim como acabou por engordar os lobbies da
indústria alimentar e de acessórios para cães, cujo cúmulo são as coleiras de
cabresto.
No caso português, que
sempre acontece mais tarde, este método pegou de estaca e rapidamente, como se
encerrasse em si mesmo todo o potencial do “reforço positivo”, devido ao
advento e aumento dos rafeiros em treino, maioritariamente cães caçadores ou
deles descendentes, caracterizados pela gula e forte carga instintiva, mais
resistentes à autonomia condicionada e mais dados à liberdade de movimentos. Em
simultâneo, porque são poucas as escolas caninas que aqui apetrecham cães para
a actividade cinegética, os comuns centros caninos viram-se invadidos por toda
a casta de bracóides, lebróides, bassetóides e outros, raças de cães que
continuam a educar como focas ou como os leões no circo por desconhecimento
doutras técnicas.
Já o fizemos e vamos
continuar a fazê-lo, a convidar os donos isoladamente para a escola e só depois
os cães, porque os últimos não nascem ensinados e carecem de quem os ensine.
Dizem que o casamento é “uma carta fechada”, pode ser que seja mas a
constituição binomial não deverá sê-lo, porque tudo aquilo que os cães exigem
está perfeitamente ao alcance dos seus proprietários. Mais do que subornar
cães, é urgente adequar os donos para ensiná-los a sobreviver, dotar os seus
líderes de técnicas que facilitem a sua compreensão e possibilitem a mútua
comunicação, lapidando-os para o uso acertado das suas necessidades,
prerrogativas, emoções e afectos, mediante o aproveitamento do potencial dos
cães que conduzem. Operar tamanho aprimoramento só será possível pelo amor aos
cães, não um amor inconsequente mas aquele que produz alteração, que leva os
homens ao aumento da sua disponibilidade física e cognitiva, a melhorar a sua
voz, postura e mímica para que a cumplicidade aconteça e seja duradoura. Se a
uns teremos que ensinar a amar e a ser pacientes, a outros teremos que ajudá-los
a exteriorizá-lo!
Como se depreende, nada
disto resulta de truques ou artimanhas mas sim de uma devoção que não dispensa
a entrega total e que possibilita a fusão de propósitos e sentimentos entre homens
e cães, tornando-os pela troca de afectos “unha com carne”. Trabalhar assim não
cansa pelo muito que se aprende e alcança.
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