Antes de ser a “Menina
do Cão Vermelho”, a Joana Moura foi carregada para o mundo do adestramento pela
Xita, uma Pastora Alemã preto-afogueada, Rhein-Möselring, criação do falecido
Carlos Veríssimo, uma cadela grande e generosa, que ainda é viva e que tem
particularidade de ser uma “costureirinha” (de atacar a vários golpes e de não
se fixar em nenhum), o que a tornou famosa por ser praticamente indefensável,
porque procurava a carne e esperava o contra-ataque para ripostar (por vezes
esquecíamo-nos disso). O início da Xita não foi o mais promissor, porque o pai
da menina desconfiava da qualidade da cachorra, o que nos obrigou, para o
convencer, ao disparo de dois tiros de 9mm na frente do animal, que teria na
altura cerca de dois meses de idade. Dois meses depois constituiu-se o binómio
Joana/Xita, com a primeira a alcançar a puberdade e a segunda a estranhar as
incertezas da sua líder, o que delongou o ensino de ambas, também dificultado
por uma instalação doméstica canina deficitária. Pouco a pouco, porque a cadela
era de altíssima qualidade e a dona plena de disponibilidade, o binómio começou
a dar frutos e a destacar-se, ainda que não lhe sobrasse outra alternativa,
porque apostámos nele e sabíamos quanto valia a prata da casa.
Ao contrário do que se
possa imaginar e apesar da sua tenra idade, não poupámos a Joana, porque bem
cedo vimos que era briosa e competitiva, valente, decidida e ávida de ir mais
além, o que a fez entrar precocemente no mundo dos adultos, apesar de nunca nos
ter desapontado, de ter acatado as correcções e ter evoluído como poucos. Por
tudo isto estamos-lhe gratos, já que foi um desafio ganho e um privilégio tê-la
como aluna, considerando o que fez com a Xita e o que mais tarde alcançou com o
Flikke, dentro da Escola e quando chamada a representá-la. Perguntar-nos-ão: o
que fez a Xita para ser considerada uma cadela de sonho? A proeza mais
extraordinária que lhe vimos foi a capacidade de acerto, porque mesmo recebendo
indicações erradas, acabava por acertar na solução dos exercícios, “condão”
presente nos Pastores de outrora e hoje pouco visível nos actuais, mais
ansiosos e menos concentrados. Talvez o facto de ser recessiva em negro e em vermelho
uniforme tenha contribuído para isso, já que apresentava a concentração típica
dos negros e a valentia reconhecida aos vermelhos, muito embora o “gás” e o
tamanho lhe tenham vindo da sua ascendência lobeira. Seria injusto
desconsiderar, diante da sua extraordinária aptidão e entrega, o imprinting
operado pela Família Veríssimo, sem dúvida bem conseguido e também ele
responsável pelo êxito laboral desta cadela.
Sem
grande dificuldade, apesar da atrapalhação inicial da sua condutora (na altura
com 10 anos de idade), a Xita abraçou rapidamente a disciplina de obediência,
facto impossível de ser dissociado do carinho e do cuidado que lhe foram
dispensados. Brilhou na ginástica devido às suas performances atléticas, força
e tamanho, quem não a conhecesse, juraria tratar-se de um macho e dos bons! Na
endurance venceu todos os obstáculos e ultrapassou todas as combinações. Para
se ter uma ideia aproximada da capacidade atlética desta Rhein-Möselring, na
sua ficha de inscrição escolar, na avaliação feita aos 15 meses, pode ler-se:
pulsações em descanso: 76 (plena recuperação aos 3 minutos), velocidade
instantânea: 48km/h, salto vertical: 1.20m, salto em extensão: 3.75m, muros:
2.50m, ponte-quebrada: 2.20m, excelente nas escadas de 5.40m, extremamente
resistente e hábil nos obstáculos compostos. Como nota adicional, no final da
página lê-se: “cão a mais!”, aludindo à sua qualidade quando comparada com o
particular etário da sua condutora. Se outra virtude a Xita não tivesse,
bastar-nos-ia o que fez pela Joana, acompanhando-a, esperando por ela e
ajudando-a a crescer!
Na
disciplina de guarda, para além do pormenor que contámos no primeiro parágrafo,
a Xita revelou maior aptidão nas áreas da defesa pessoal, o que a ninguém
espanta atendendo ao seu sexo, forte impulso à defesa, grande envergadura, natureza
de aviso, cumplicidade e sentido protector, apesar de fazer ataques lançados, de
guardar o carro e de perseguir possíveis meliantes. Transitou facilmente da
linguagem verbal para a gestual e da condução à trela para a condução em liberdade,
o que possibilitou o seu desempenho à distância. Revelou especial aptidão para
a tracção e para a pistagem, participou em vários acampamentos e exibições,
serviu algumas vezes como cão de terapia e preparou a Joana para melhor valer
ao Flikke. Bisneta do Warrior d’Acendura Brava, de quem herdou muito do seu
potencial físico e cognitivo, inclusive o hábito de enfiar a cabeça para pedir
festas, a Xita deu-nos ainda dois excelentes filhos, para além de muitos
outros: o Zorro, propriedade do Sr. António da Cunha e a Amora, propriedade da
Sr.ª Isabel Paiva da Silva, ambos valentes, decididos e particularmente
agradáveis à vista. Ainda valente e disponível, continua a guardar a casa dos
seus donos, conservando o seu carácter protector e alegre. Bem-hajas Xita,
porque também com a tua ajuda uma menina se fez mulher!
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