Recordando
as muitas dezenas de raças que treinámos e ainda treinamos, apesar de sermos
fãs rendidos aos Pastores Alemães, mais pela sua versatilidade, até hoje nunca vimos nenhuma raça tão amiga
e fiel como o Rottweiler, porque jamais conhecemos algum indivíduo destes
falso, velhaco, despegado, desinteressado ou inimigo do seu dono. Ao invés, os
melhores binómios que treinámos, em mais de 80% dos casos, foram constituídos
por rottweilers, destacando-se dos demais pela sua extraordinária obediência
aos donos, predicado congénito que sempre os diferenciou. E as excepções que
houveram entre nós, porque as houve (somente 3 casos em 86 cães inscritos,
menos de 3.5%), ou resultaram do desleixo dos animais ou da sua entrega a
terceiros. Cão meigo, submisso e subordinado como poucos, capaz de nos
acompanhar para todo o lado e sem reservas, o Rottweiler transmite-nos paz e
dá-nos segurança, porque permanece sempre ao nosso lado e não vacila perante a
grandeza ou novidade dos desafios. Este soldado ao nosso dispor, tratado como
guerrilheiro por quem o desconhece, encontra-se
hoje indexado à lista dos cães perigosos, mais pelo pânico do que pelo dolo que
tem causado, também graças à cinofobia que aumenta as audiências.
Oxalá os seus criadores não
o estraguem ou façam dele um igual a tantos, carentes de protecção e por isso
mesmo sem qualquer préstimo defensivo. Infelizmente só temos seguro contra roubos, não
contra ladrões, assassinos e violadores. E quando o socorro tarda, que bom é
ter um Rottweiler à mão! Não estamos com isto a justificar uma política de
“vigilantes” ou “justiceiros”, porque a incidência dos crimes violentos em
Portugal é muito baixa quando comparada com a verificada noutros países e
continentes, mas a expressar uma das mais-valias presentes neste excelente cão.
Seria também irrisório fazê-lo face aos poucos proventos da maioria dos
portugueses que não despertam a cobiça de ninguém e diante dos mais ricos que continuam
a ter à sua disposição meios mais eficazes para a defesa das suas pessoas e
património. Na última década do século passado, o Rottweiler virou cão da moda
e qualquer um tinha um cão destes. Apesar disso, os ataques atribuídos à raça,
instintivos ou condicionados, não chegaram à meia dúzia nos últimos 20 anos, o
que bem a abona em termos de equilíbrio. Essa excessiva proliferação poderia
ter alcançado repercussões desastrosas, porque num ápice chegou a mãos
impróprias e a gente sem condições para a liderar, o que lança uma dupla
questão: quem precisa dum Rottweiler e
quem poderá tê-lo?
Comecemos pela última
questão: quem poderá tê-lo? Só quem goze de boa saúde física
e psíquica, capaz de garantir a robustez necessária à liderança e de
resistir às suas alterações de humor, porque o cão é valente, protector e vai
para onde o mandam, pelo que não deve ser entregue a indivíduos em crescimento,
imaturos, debilitados, descuidados, abusivos, confiados, incapacitados, sem
disponibilidade, alienados, cobardes, desequilibrados, criminosos, de propensão
fratricida, vingativos, de má catadura, temperamentais, passionais e
depressivos, o que equivale a dizer que o
Rottweiler não é um cão para todos, somente para os mais fortes e equilibrados,
o que infelizmente não está ao alcance de qualquer um, já que o animal não se
furta ao papel de carrasco. Dir-nos-ão (como se não o soubéssemos): “ eu tive
um Rottweiler muito meigo, que nunca fez mal a ninguém, que adorava crianças e
que nunca rosnou”, ao que reponderemos, sem faltar à verdade: nós também! Mas
serão todos os rottweilers assim? Porque continuam a ser procurados? Qual o uso
a que mais se prestam? Não terão eles uma mordedura forte, capaz de grande dolo
e até de matar? Não foram seleccionados com base nos fortes impulsos à luta e
ao poder? Se o Rottweiler não é um cão
para todos, a muito poucos deverá ser concedida a sua criação, considerando,
entre outras condicionantes, a importância do “imprinting”, a sua carga
genética e potência de mordedura.
O mundo canino encontra-se cheio de falsos pressupostos
e mentiras, que tomados como verdades podem lesar muitos e ser fatais para
alguns. Uma dessas patranhas diz que os
cães são todos bons e que são os donos que os fazem maus, o que não
corresponde à realidade, porque há cães que nascem muito agressivos,
resistentes à autoridade, dominantes e de forte instinto predador, que evoluem
para a confrontação e que irão necessitar de mão forte, numa palavra:
muito-dominantes. Afortunadamente são raros, mas existem raças mais propensas
ao fenómeno e já vimos alguns deles entre os rottweilers. Se optar por um Rottweiler, certifique-se se tem a disponibilidade, a
robustez, o equilíbrio a persistência e a tenacidade para o encargo. Na
dúvida opte por outra raça ou peça conselho. Sempre será melhor, se persistir nessa escolha, optar por um cachorro
oriundo das linhas de exposição, porque nelas a ocorrência de cães rijos é bem
menor. De qualquer modo, ter um Rottweiler e não o adestrar
convenientemente é insanidade!
Quem
precisará dum Rottweiler? Somente quem não possa dispensar o concurso dum cão
de guarda,
o que em Portugal se remete a um número restrito de pessoas, nomeadamente às
mais abastadas e sujeitas à cobiça, àquelas que vivem isoladas e onde o socorro
policial tarda, às mais vulneráveis ao crime e ao abuso, também àquelas que,
por um motivo ou outro, não se conseguem livrar das visitas inoportunas dos
“amigos do alheio”. O Rottweiler continua a ser muito requisitado pelas
polícias e também por algumas forças militares ou paramilitares, onde a
natureza dos serviços exige um cão com as suas características.
Naturalmente impoluto e incorruptível, o Rottweiler
é um amigo incondicional do seu dono e do seu agregado familiar, guardando
afincadamente o seu espaço e património. De fácil sociabilização entre iguais e
relativamente tolerante com os restantes animais domésticos, ele não se distrai
com alvos menores, não se furta ao serviço e não carece de maiores recompensas,
porque é naturalmente grato a quem o adoptou. Fácil de constituir binómios
entre gente de todas as raças, o “cão romano” encontra-se distribuído por todas
as latitudes, mantendo incólumes as qualidades que sempre o exaltaram entre os
demais.
O que transformou este
excelente amigo no pior dos inimigos foi o facto de ter ido parar a mãos
erradas, a gente que não precisava dele e o desrespeitou, que malbaratou o seu
serviço e se aproveitou das suas características, mercê de caprichos, demência,
sede de vingança e sonhos incontidos de justiça. Desde pequeno que oiço: “é tão
ladrão o que vai à vinha como aquele que fica à porta”, contudo o aforismo não
tem abrangido os donos dos cães. Treinámos muitos rottweilers e eu tive um meu,
já morreu há dezanove anos, ainda me lembro do que foi, do seu nome de registo
e do seu número do LOP, do muito que me deu e do vazio que me deixou. Como
nunca temos amigos demais, quando um parte ficamos mais pobres. Obrigado amigo
Rottweiler, ver-nos-emos? Revejo-te nos teus iguais e morro de saudades!
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