O Natal aproxima-se. Por todo o lado são visíveis os adornos típicos da época, dir-se-ia que o mundo está feliz, que algo de bom vai acontecer, apesar do semblante triste das gentes, do pouco movimento nas ruas, do comércio “às moscas” e do silêncio que cai. Há menos música e luzes, apesar dos judeus em Belmonte, terem começado a celebração da “Chanukah” já em Novembro. E quando o dia chegar, malogradas as expectativas, nada de novo acontecerá, nem tampouco nas igrejas, muito mais concorridas pela porta lateral, a que distribui sopa e dispensa pregações. As missas solenes, que exigem presença e pouca ou nenhuma fé, irão multiplicar-se, enquanto actos simbólicos de obrigação social, máscaras de santidade que não conseguirão fazer esquecer a vilania, a pedofilia e o estupro perpetuado por alguns membros clero, um pouco por toda a parte e só agora timidamente denunciados, como se o crime mais importasse que o amor a Deus, violando votos e execrando juramentos feitos em Seu nome, o que tem transformado o dia do Senhor num arraial de hipocrisia, tanto pelos que pregam como pelos que fingem ouvir.
Os filhos, apesar das prendas, que este ano serão menos generosas, continuarão como até aqui, a enganar os pais, a desrespeitar professores, preferindo o ócio em detrimento do trabalho e a deixar para amanhã o que tinham prometido fazer ontem. Poucos dias depois do Natal, muitos pais serão outra vez esquecidos ou recambiados para os lares, donde sairão de maca para o hospital e dali para o cemitério, como produto excedente a pedir reciclagem. A crise económica continuará a rebentar as famílias, roubando-lhes o tecto e o sustento, promovendo o seu desmembramento e inviabilizando a sua reconciliação. A falta de pão irá aumentar os crimes domésticos e o desemprego fomentará os divórcios. O álcool matará mais que o frio e a idade, porque alguns morrerão nas estradas. As guerras não terão tréguas, os suicídios continuarão e alguns cidadãos do 3º Mundo, transformados em cobaias pela miséria, morrerão ao tomar medicamentos. Haverá ainda quem aproveitará a época para toda a sorte de bacanais e orgias, a despeito da família e aproveitando os descontos nas viagens e estadias. Os carteiristas invadirão os centros comerciais e o roubo nas lojas e supermercados aumentará. O falso testemunho reinará nos tribunais e os corruptos sairão em liberdade. E como se isto não bastasse, os usurários e os agiotas continuarão a engordar, talvez até como nunca!
Perante este hipócrita cenário milenar, tantas vezes repetido no apogeu dos cordeiros e bodes expiatórios, o Natal é para muitos a época mais triste do ano, uma esperança que se desvanece, diante do mundo que a desconsidera, banaliza e subverte, como se a justiça não existisse e o mal triunfasse para sempre. Mas afinal o que é o Natal, porque o celebramos, para que serve e o que nos traz de bom? Será uma história para crianças, repleta de renas, com um velho de cãs brancas, de saco às costas, descendo pelas chaminés rumo ao pinheiro do natal? Uma lenda transformada num negócio lucrativo ou um pretexto para a velhacaria?
Não é novidade: os homens tendem a profanar tudo o que é sacro, a avacalhar e a desrespeitar as convicções uns dos outros e a servir-se delas como lucro, apossando-se do que lhes interessa, confundindo e levando outros ao engano. E o Natal não tem sido excepção, porque cada povo aproveita-o como quer e todos se distanciam do seu verdadeiro sentido, segundo crenças e tradições enraizadas, que sendo complementares, quando não impróprias e antagónicas, destronam, ofuscam ou subvertem o conteúdo da mensagem natalícia, que é bíblica e universal. Transformar o Natal numa festa da família é desejável, desde que a mensagem cristocentrica não desapareça, porque doutro modo, estaremos a substituir a importância do nascimento de Cristo pelo consolo das nossas barrigas. Não tem mal nenhum entregar prendas às crianças nesta época, desde que lhes lembremos a história do Natal e as ensinemos a repartir. Nos meus tempos de criança, ao invés de ser o pai natal, era o Menino Jesus quem punha as prendas no sapatinho. O hábito da árvore de natal, que veio substituir o do presépio, chegou-nos através do marido de D. Maria II, um alemão, o nosso D. Fernando II, também Príncipe de Saxe Coburgo Gota, que um dia, segundo a tradição da sua terra, no Palácio da Pena em Sintra, montou para os seus sete filhos uma árvore de natal. Esta é a razão pela qual, ainda hoje, se pode ver uma num dos salões do Palácio.
O Natal é uma época do calendário litúrgico em que se celebra o Nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Deus connosco e o autor da nossa salvação, que apesar de nascer humilde, veio trazer a Paz ao mundo e reconciliar-nos com Deus. Celebramos o Natal para anunciar a todos que o Messias prometido nas Escrituras já nasceu, que não estamos sós, que Ele é o Filho de Deus e que só por Ele alcançaremos a Salvação. Ao celebrarmos o Natal, reavivamos a nossa esperança na Vida Eterna, o que dá sentido às nossas vidas e alento para ir adiante, apesar das injustiças, das contrariedades, das doenças, do sofrimento e dos desgostos, porque Aquele se fez homem para nos salvar, jamais nos abandonará, despertando-nos e mantendo-nos na Fé. Mas que proveito terá o Natal para os desempregados, quando a concertação social falhou? Que novidade trará para os sem-abrigo? Como poderá valer aos despejados, àqueles que se separaram e aos que perderam os entes queridos? Aos desesperados, aos que têm fome e aos que não conseguem pagar as suas contas? Aos que estão na guerra, nos hospitais, aos presos, às vítimas da injustiça e de toda a casta de abusos?
Jesus veio ao mundo para reconciliá-lo com Deus e o mundo não o ouviu. O resultado dessa rejeição está gravado na nossa história e segue até ao presente dia, onde a novidade dos flagelos, não esconde males antigos. Mas ainda é tempo de arrepiar caminho, ainda podemos voltar-nos para Deus, de reconhecermos as nossas culpas e de lhe pedir-mos perdão, porque também o deixámos de ouvir e demos ouvidos às nossas próprias inclinações, contribuindo com a nossa parte, para o mundo que hoje nos castiga. Estou certo que Ele perdoará a cada um de nós, segundo o que disse e continua a fazer pelos seus até ao reencontro final.
Todos sabemos que este mundo não tem solução, por isso os cristãos esperam O que há-de vir, o que não implica que fiquemos de braços cruzados e pactuemos com a presente ordem das coisas, escondendo Deus em nós e pouco nos importando com o mal alheio. Como mensageiros da Paz universal que o Natal proclama, por impulso divino, podemos valer ao mundo ao nosso redor, junto daqueles que estão mais perto de nós, estendendo-lhes a Paz que recebemos e a mensagem de esperança que celebramos, suavizando as suas dores, auxiliando-os, suprindo-lhes dificuldades, chamando-os para nós e tratando-os como iguais, mesmo aqueles que detestamos, toleramos ou que nos são indiferentes, independentemente da sua posição social, raça ou credo. Se assim não fizermos, rejeitando a Obra de Deus em nós e violando o Mandamento que Jesus nos deu, o de amarmos o próximo como a nós mesmos, como acreditarão no Mundo Vindouro, se nos comportarmos como se ele não existisse? Como crerão num Deus cujos servos são imprestáveis e em tudo iguais aos outros?
Não temos como resolver o desemprego, mas podemos ser solidários; não temos como abrigar todos os desabrigados; mas podemos convidar um ou dois para nossa casa (nem que seja no Dia de Natal); não temos como resolver a fome, mas podemos repartir; não temos como pagar as dívidas alheias, mas podemos suavizá-las e evitar que aumentem. Podemos ainda visitar os presos e os doentes, levando-lhes uma palavra de consolo, animar os desesperados e os que se encontram sós, trabalhar pela conciliação das famílias, transmitir paz aos soldados e ajudar a sarar as feridas das vítimas, transportando para todos o Amor de Deus, revelado no Nascimento do Seu Filho. E faremos isto tudo porquê? Para metermos uma cunhazita para um terreno no Céu? Para subornarmos Deus e levá-lo a aceitar-nos no Mundo que há-de vir? Como complemento à nossa salvação? Para nossa vanglória? Se é só isso que queremos, mais vale ficar em casa, porque a hipocrisia já tem peso que baste neste mundo e não estamos em campanha eleitoral! Tudo o que fizermos de bem, será fruto da Fé, que como é sabido, é dom de Deus, a mesma que nos leva a reconhecer a suficiência única e absoluta do Sacrifício Vicário de Cristo para a nossa salvação. Por isso Veio a este mundo, porque nenhum homem foi, é e será capaz, por si mesmo, de alcançar a sua salvação, segundo fazem saber as Sagradas Escrituras.
Se desejar adquirir um cão este Natal, deixe-se contagiar pelo espírito natalício, aceite a proposta de Paz que o Natal oferece a todos os homens, escolha um cão que sirva esses propósitos, um companheiro leal, que o aproxime dos outros e que faça a alegria das crianças, contribuindo assim para o bem-estar de todos à sua volta, fartos de tensões e picardias, mais necessitados de tréguas e compreensão: dê descanso aos figurantes! Como é nosso hábito, durante o Advento e o Natal (se vivêssemos no mundo ideal, seria todo ano), suspendemos todos os ataques inerentes à capacitação na disciplina de guarda, fazendo descansar homens e cães.
Como cristão e luterano confessional, pela Graça de Deus, nunca compreendi porque transformámos o Natal numa festa íntima e familiar, quando ele é uma Declaração Universal do Amor de Deus, deixando para os comerciantes o seu aparato e evocação pública, o que melhor lhes serve os intentos; porque remetemos a sua celebração unicamente prás igrejas e ficamos à espera que outros lá cheguem, escondendo de alguma forma o anúncio público do nascimento de Jesus, uma vez que não somos perseguidos e há muito abandonámos as catacumbas. Se pertencer a uma igreja histórica é fomentar o sectarismo, então qualquer uma delas correrá o risco de Deus a desprezar e fazer passar à história. Num País em que as bandeiras negras, as da fome, descem à praça, porque não descemos as avenidas como mensageiros do Amor de Deus e proclamamos que a Redenção está ao alcance de qualquer um, convidando todos a sentarem-se a mesa connosco para a celebração do Natal. O Natal não pode remeter-se ao gozo de um pregador pelo seu sermão, que buscando aprovação, pergunta à esposa ou a um paroquiano, o que achou dele, suspirando depois: “este já está!” Daqui enviamos votos de um Santo Natal a todos os nossos alunos, amigos e leitores, na esperança que conheçam o Amor de Deus, revelado no nascimento, vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo.
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