sábado, 2 de novembro de 2013

EU NÃO SEI COMO ELE SE CHAMA, MAS ENTENDO O QUE ELE QUER

Apesar dos muitos admiradores que têm Maria Bethânia e Chico Buarque em Portugal, não vamos tratar da canção “Terezinha”. Apenas usámos este verso da sua letra como introdução ao assunto de hoje, o relativo à actuação do adestrador, enquanto agente de ensino e primeiro responsável pelo seu sucesso, nos momentos em que se vê obrigado a pegar nos cães de outrem, para reparar, inovar ou instalar determinado conteúdo de ensino, distante das capacidades imediatas dos donos ou perante a repetição dos seus erros, quando coagido a exemplificar para esclarecer e produzir alteração, simplificando desse modo a comunicação binomial. 
As duas primeiras condições a considerar, intrinsecamente ligadas entre si (muitas vezes parece que nos esquecemos disso), é que o cão não é nosso e destina-se a trabalhar com o dono, o que nos obrigará ao condicionamento do animal para além da destreza técnica do seu condutor, só lhe sendo entregue depois de verdadeiramente codificado, o que libertará do embaraço e o fará ir para diante, apesar dos seus entraves, impropriedades, dificuldades ou menos valias. O condicionamento do animal deverá ser tirado a partir da sua memória afectiva, reforçado pela excelência técnica, sem limites de tempo e considerando a personalidade do dono, jamais pela violência, coerção ou potência de voz, para que o cão, ao obedecer-nos, não arranje mais um motivo para desrespeitar quem habitualmente o conduz. O ideal, aquilo que se deseja, é que o cão saia das nossas mãos pronto para ser conduzido por uma criança de seis anos de idade, obedecendo-lhe plenamente sem delongas. 
Nos cães destinados à segurança de pessoas e bens, o adestrador deve evitar ao máximo “mexer” neles, para que a liderança repartida não obste ao seu melhor desempenho, a confusão se estabeleça e o desinteresse canino aconteça. Não havendo outra opção e quase sempre as há, o adestrador deverá operar como reforço do dono, na sua presença, cedendo-lhe a emissão das ordens e funcionando como “handler”. A necessidade deste trabalho só se justifica nas acções de travamento, que não dispensam o uso da trela e que devem ser intercaladas com outras de pendor ofensivo, para que o cão rapidamente aprenda, pela ânsia da captura, o modo desejável de operar. Independentemente da disciplina a ministrar, quer seja ela desportiva ou prática, o adestrador nunca deverá chamar o cão pelo nome, porque o nome do animal é o primeiro comando de obediência a instalar num cachorro, geralmente usado para o chamar ou advertir. Também nunca deverá recompensá-lo, deixando essa tarefa para o dono, porque importa que o animal se construa impoluto e incorruptível. Nas correcções a haver entre os cães guardiões, o adestrador empresta o corpo e o dono dá o brado, ajuda indispensável para os proprietários com maior grau de insuficiência física, naturalmente mais vulneráveis às investidas do pequeno crime. 
Toda a correcção operada por um adestrador num cão alheio, só deverá acontecer quando se souber a causa ou casas da resistência animal e for totalmente impossível ao dono fazê-la. Este entendimento irá dispensar o concurso do nome cão, porque a soberania dos comandos é suficiente para a execução das ordens, já que procuramos a concentração dos cães, evitar a sua distracção e promover a sua fixação exclusiva na pessoa dos donos, predicados também indispensáveis para os cães auxiliares de cidadãos deficientes. O uso abusivo do nome do cão, mesmo quando operado pelo dono, para além de revelar o seu pouco apego aos procedimentos e poder entregar o controlo do animal a outros, poderá ainda condenar a execução pronta e imediata das ordens, o que sempre desnudará um condicionamento precário e votado ao improviso, obstando assim à assimilação e posterior instalação dos códigos.

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