quinta-feira, 19 de janeiro de 2023

DOMINANTES E SUBMISSOS

 

Homens e cães em matéria social são muito iguais, porque em ambos o número de submissos é substancialmente maior do que o dos dominantes, o que torna possível a formação das diferentes sociedades e a constituição das matilhas, caso contrário, nem uns nem outros poderiam sobreviver enquanto espécie. Logo na escola primária é possível decifrar uns e outros, havendo sempre um aluno que domina sobre quem não lhe oferece resistência e que carrega sobre quem muito bem entende, coagindo outros a fazê-lo (bullying). Também nas ninhadas desde cedo se detectam os poucos dominantes que nelas existem, cujos impulsos à luta e ao poder se evidenciam. Por causa do viver social canino, as ninhadas não são e não podem ser naturalmente constituídas somente por indivíduos dominantes, o que ditaria o seu suicídio. Através desta constatação se compreende que nenhuma ninhada é constituída maioritariamente por indivíduos dominantes, contrariamente ao que pregam alguns “vendedores da banha da cobra”. Como complemento ao que disse atrás, os dominantes são fortes por si mesmos e os submissos fortalecem-se dentro dos diferentes grupos sociais, não podendo nenhum grupo social sobreviver sem a existência e participação de ambos.

Os adestradores são na sua arte uns verdadeiros cupidos, porque cabe-lhes auxiliar na fusão binomial, adaptar cães e homens para um propósito comum, tarefa que por vezes é extremamente difícil e nem sempre por culpa dos cães, já que são humano-dependentes. Antes da análise dos casos, adianto que os condutores caninos coléricos, devido às suas manifestações emocionais descabidas, súbitas mudanças de humor e amuos, deverão tratar-se primeiro e só depois pensar em educar os seus cães. Imagine-se um binómio constituído por um condutor dominante e por um cão dominante que se deseja para guarda. Aqui há que regrar o dono para que não abuse do animal e dê azo ao disparate, sujeitando o cão a uma série de riscos dispensáveis e capazes de fazer perigara sua vida e a da terceiros. Com um cão assim eu posso enfrentar o mundo, mas será que só eu estarei certo? Para além do apego irrefutável aos procedimentos, exige-se do condutor de um cão dominante que seja experiente, seguro e inabalável nos seus propósitos, porque se o animal sentir fraqueza na emissão das ordens, cedo começará a resistir, a proceder depois a confrontações e chegar por fim a atacá-lo, situações que deverá evitar a todo o custo, pela alteração das rotinas, novidade de desafios e pelos momentos de pausa e trabalho, evitando assim a saturação que leva à revolta e as repetições que a provocam. Aqui a palavra recorrente é travamento, travamento para evitar os abusos binomiais e os dos indivíduos que o constituem, já que o binómio trabalha sob sério risco e exige cuidada atenção - esta não é uma tarefa que esteja ao alcance de todos.

O binómio constituído por um dono dominante e um cão submisso, é uma equipa que normalmente induz ao sucesso e que tende a ser objecto de badalação. Neste caso, para além do irrecusável apoio que o cão necessita, convém que o seu condutor se encolha para que o cão cresça, pois estaremos perante um animal que virá a ser produto não tanto da genética, mas do investimento que lhe for feito. Para que o cão se forme confiante, exige-se que o seu condutor seja um actor, capaz de empolgar as suas vitórias e minorar ao máximo os seus insucessos, confortando-o vivamente para que enfrente os seus desafios com redobrada coragem. Se ao invés de agir assim, o condutor for por demais prepotente, o cão por receio dele poderá vir a ser ainda menos apto e revelar-se imprestável. Por razões óbvias, um cão submisso acredita cegamente em nós, confundindo inclusive a realidade com a ficção e acredita sem reticências nas histórias que lhe contamos no treino e que procedem à sua investidura. Contudo, porque é forte por indução, necessita continuamente de ser exercitado e convidado para as vitórias, já que serão elas o suporte para o seu desempenho efectivo.

Um dono submisso com um cão dominante, como tantas vezes acontece, é um binómio de difícil solução, porque os papéis de dono e do cão se encontram trocados, o que invariavelmente tem como consequência o descontrolo do animal e o ataque ao dono ou a outros membros do agregado familiar numa fase mais aguda. Os binómios com estas características são os que mais nos procuram. O ditado que diz “quem tem medo, compra tem um cão” parece corresponder à verdade, muito embora as consequências disso não sejam por vezes as melhores. Não é nada fácil transformar um submisso num líder para capitanear um cão dominante, porque normalmente o animal resiste e é avesso à autoridade do dono e este, por não ter perfil próprio para isso, teme-o, o que torna a promoção do dono num verdadeiro acto de fé. Aqui é o dono que precisa de ouvir uma ou mais histórias convincentes antes que o cão necessite de ir parar à reeducação. Em paralelo com a educação do cão, que sempre opera nele algum tipo de submissão, há que gradualmente ir formando o dono através de experiências felizes, para que pouco a pouco ganhe a confiança necessária para conduzir o seu cão, trabalho moroso e paciente de duração variada (depende de indivíduo para indivíduo). Ainda que a tarefa possa parecer à partida impossível, a capacitação dos donos é possível, o que não dispensa o acompanhamento pertinaz por parte dos adestradores, primeiros implicados no processo de habilitação dos donos ou condutores.

O binómio dono submisso – cão submisso, que não é assim tão raro acontecer, não é totalmente inútil para guarda, tanto no interior como no exterior da casa, uma vez que um cão submisso poderá ser um excelente cão de alarme, tornando-se mais confiante quando dentro de casa e na companhia dos donos. No exterior, por se encolher sistematicamente diante dos intrusos, poderá ser treinado para accionar dispositivos electrónicos de alarme sem ser visto, mais-valia que não poderá ser desligada do recurso à recompensa. Binómios com estas características penduram-se na obediência para alcançarem o melhor entendimento recíproco e enveredam por formar excelentes cães de companhia. Por outro lado, desde que bem sociabilizados e vencidos alguns medos, nada impede quem venham a ser cães terapia, de serviço ou de resgate. O robustecimento de um cão demasiado submisso tanto pode acontecer por um conjunto de experiências felizes como pelo exemplo de outro cão, também pelo convite precoce para a cópula, métodos naturais tantas vezes desprezados em favor de intoxicações várias e pela administração de drogas, como sucedeu, por exemplo, na II Guerra Mundial, quando importava redobrar a atenção de homens e cães, levando-os a lutar por mais tempo, ocasião em que se procurava alcançar o super-soldado e o super-cão (voltarei ao assunto, aqui tratado em brevíssima síntese, quando me for pedido ou quando o julgar conveniente).

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