Homens
e cães em matéria social são muito iguais, porque em ambos o número de
submissos é substancialmente maior do que o dos dominantes, o que torna
possível a formação das diferentes sociedades e a constituição das matilhas,
caso contrário, nem uns nem outros poderiam sobreviver enquanto espécie. Logo
na escola primária é possível decifrar uns e outros, havendo sempre um aluno
que domina sobre quem não lhe oferece resistência e que carrega sobre quem
muito bem entende, coagindo outros a fazê-lo (bullying). Também nas ninhadas
desde cedo se detectam os poucos dominantes que nelas existem, cujos impulsos à
luta e ao poder se evidenciam. Por causa do viver social canino, as ninhadas
não são e não podem ser naturalmente constituídas somente por indivíduos
dominantes, o que ditaria o seu suicídio. Através desta constatação se
compreende que nenhuma ninhada é constituída maioritariamente por indivíduos
dominantes, contrariamente ao que pregam alguns “vendedores da banha da cobra”.
Como complemento ao que disse atrás, os dominantes são fortes por si mesmos e
os submissos fortalecem-se dentro dos diferentes grupos sociais, não podendo
nenhum grupo social sobreviver sem a existência e participação de ambos.
Os
adestradores são na sua arte uns verdadeiros cupidos, porque cabe-lhes auxiliar
na fusão binomial, adaptar cães e homens para um propósito comum, tarefa que
por vezes é extremamente difícil e nem sempre por culpa dos cães, já que são
humano-dependentes. Antes da análise dos casos, adianto que os condutores
caninos coléricos, devido às suas manifestações emocionais descabidas, súbitas
mudanças de humor e amuos, deverão tratar-se primeiro e só depois pensar em
educar os seus cães. Imagine-se um binómio constituído por um condutor dominante e por um cão
dominante que se deseja para guarda. Aqui há que regrar o dono para que
não abuse do animal e dê azo ao disparate, sujeitando o cão a uma série de
riscos dispensáveis e capazes de fazer perigara sua vida e a da terceiros. Com
um cão assim eu posso enfrentar o mundo, mas será que só eu estarei certo? Para
além do apego irrefutável aos procedimentos, exige-se do condutor de um cão
dominante que seja experiente, seguro e inabalável nos seus propósitos, porque
se o animal sentir fraqueza na emissão das ordens, cedo começará a resistir, a
proceder depois a confrontações e chegar por fim a atacá-lo, situações que
deverá evitar a todo o custo, pela alteração das rotinas, novidade de desafios
e pelos momentos de pausa e trabalho, evitando assim a saturação que leva à
revolta e as repetições que a provocam. Aqui a palavra recorrente é travamento,
travamento para evitar os abusos binomiais e os dos indivíduos que o
constituem, já que o binómio trabalha sob sério risco e exige cuidada atenção -
esta não é uma tarefa que esteja ao alcance de todos.
O
binómio constituído por um dono
dominante e um cão submisso, é uma equipa que normalmente induz ao
sucesso e que tende a ser objecto de badalação. Neste caso, para além do
irrecusável apoio que o cão necessita, convém que o seu condutor se encolha
para que o cão cresça, pois estaremos perante um animal que virá a ser produto
não tanto da genética, mas do investimento que lhe for feito. Para que o cão se
forme confiante, exige-se que o seu condutor seja um actor, capaz de empolgar
as suas vitórias e minorar ao máximo os seus insucessos, confortando-o
vivamente para que enfrente os seus desafios com redobrada coragem. Se ao invés
de agir assim, o condutor for por demais prepotente, o cão por receio dele
poderá vir a ser ainda menos apto e revelar-se imprestável. Por razões óbvias,
um cão submisso acredita cegamente em nós, confundindo inclusive a realidade
com a ficção e acredita sem reticências nas histórias que lhe contamos no
treino e que procedem à sua investidura. Contudo, porque é forte por indução,
necessita continuamente de ser exercitado e convidado para as vitórias, já que
serão elas o suporte para o seu desempenho efectivo.
Um
dono submisso com um cão dominante,
como tantas vezes acontece, é um binómio de difícil solução, porque os papéis
de dono e do cão se encontram trocados, o que invariavelmente tem como consequência
o descontrolo do animal e o ataque ao dono ou a outros membros do agregado
familiar numa fase mais aguda. Os binómios com estas características são os que
mais nos procuram. O ditado que diz “quem tem medo, compra tem um cão” parece
corresponder à verdade, muito embora as consequências disso não sejam por vezes
as melhores. Não é nada fácil transformar um submisso num líder para capitanear
um cão dominante, porque normalmente o animal resiste e é avesso à autoridade do
dono e este, por não ter perfil próprio para isso, teme-o, o que torna a
promoção do dono num verdadeiro acto de fé. Aqui é o dono que precisa de ouvir
uma ou mais histórias convincentes antes que o cão necessite de ir parar à
reeducação. Em paralelo com a educação do cão, que sempre opera nele algum tipo
de submissão, há que gradualmente ir formando o dono através de experiências
felizes, para que pouco a pouco ganhe a confiança necessária para conduzir o
seu cão, trabalho moroso e paciente de duração variada (depende de indivíduo
para indivíduo). Ainda que a tarefa possa parecer à partida impossível, a capacitação
dos donos é possível, o que não dispensa o acompanhamento pertinaz por parte
dos adestradores, primeiros implicados no processo de habilitação dos donos ou
condutores.
O
binómio dono submisso – cão submisso,
que não é assim tão raro acontecer, não é totalmente inútil para guarda, tanto
no interior como no exterior da casa, uma vez que um cão submisso poderá ser um
excelente cão de alarme, tornando-se mais confiante quando dentro de casa e na
companhia dos donos. No exterior, por se encolher sistematicamente diante dos
intrusos, poderá ser treinado para accionar dispositivos electrónicos de alarme
sem ser visto, mais-valia que não poderá ser desligada do recurso à recompensa.
Binómios com estas características penduram-se na obediência para alcançarem o
melhor entendimento recíproco e enveredam por formar excelentes cães de
companhia. Por outro lado, desde que bem sociabilizados e vencidos alguns medos,
nada impede quem venham a ser cães terapia, de serviço ou de resgate. O
robustecimento de um cão demasiado submisso tanto pode acontecer por um
conjunto de experiências felizes como pelo exemplo de outro cão, também pelo
convite precoce para a cópula, métodos naturais tantas vezes desprezados em
favor de intoxicações várias e pela administração de drogas, como sucedeu, por
exemplo, na II Guerra Mundial, quando importava redobrar a atenção de homens e
cães, levando-os a lutar por mais tempo, ocasião em que se procurava alcançar o
super-soldado e o super-cão (voltarei ao assunto, aqui tratado em brevíssima síntese, quando me for pedido ou
quando o julgar conveniente).