domingo, 18 de dezembro de 2022

ELA NÃO COMPREENDIA A RAZÃO DOS SALTOS

 

À medida que o tempo passa e com o somatório das experiências, os mais velhos sempre têm inúmeras histórias para contar e isso está agora a suceder-me. A história que vou contar para os meus leitores não é um conto natalício, mas um episódio verídico acontecido sensivelmente há uma década atrás, que não perdeu actualidade e que pode ser uma importante lição para todos os que se dispõem a adestrar os seus cães. Em circunstâncias que já não consigo recordar, conheci uma senhora a rondar a meia-idade (estarei a ser generoso?) que se auto-incumbiu de valer aos cães abandonados, tendo resgatado para si uma cadela cerdosa mestiça de Podengo, animal dócil e amoroso que era ao mesmo tempo muito medroso, capaz de tremer por tudo e por nada, especialmente perante trovoadas, rebentamentos e explosões várias. Sensibilizado pelo altruísmo daquela senhora, predispus-me gratuitamente a ajudá-la para valer à cadela e arranjar solução para os seus problemas.

Apostado em levar de vencida os medos do animal, em robustecer o seu carácter e levá-lo a confiar mais na sua dona, ao ponto de se tornarem cúmplices, comecei pouco a pouco a introduzir no seu treino alguns obstáculos de fácil transposição, perante a incompreensão da dona que não via nisso qualquer préstimo e que se baralhava toda com a trela, dizendo-se sem jeito para tal quando na verdade não demonstrava grande disponibilidade para aprender e ensinar.

Com o decorrer do tempo, a senhora foi desaparecendo, remetendo-se “apenas” a abrigar, a alimentar e a mimar os cães que resgatava, tendo na altura três ao seu encargo, soltos e alojados numas barracas situadas num terreno entre dois prédios, para onde invariavelmente era jogado lixo e a erva não parava de crescer, terreno delimitado à frente e atrás por um muro de 120cm de altura.

Certo dia, suspeita-se de fogo posto, com a sua cuidadora ausente, deflagrou um incêndio naquele quintal e apesar da sua aflição, nenhum dos cães conseguiu transpor um dos muros e pôr-se a salvo, acabando todos por morrer queimados, desfecho que abalou fortemente quem os estimava e tinha por obrigação mantê-los vivos. Mais tarde, muito consternada com o sucedido, a senhora compreendeu, da pior maneira possível, qual a necessidade dos obstáculos para os cães, porque se os seus tivessem aprendido a saltar, nenhum deles teria morrido!

Como se depreende, para além dos aspectos ligados ao bem-estar, à robustez psicossomática, à preparação, ao desporto e à operacionalidade dos cães, o concurso aos obstáculos, sejam eles naturais, urbanos ou artificiais, é prática indispensável à sua salvaguarda enquanto habilitação que melhor se presta à sua sobrevivência. A senhora da nossa história não o sabia – agora você já sabe!

Sem comentários:

Enviar um comentário