À
medida que o tempo passa e com o somatório das experiências, os mais velhos
sempre têm inúmeras histórias para contar e isso está agora a suceder-me. A
história que vou contar para os meus leitores não é um conto natalício, mas um
episódio verídico acontecido sensivelmente há uma década atrás, que não perdeu
actualidade e que pode ser uma importante lição para todos os que se dispõem a
adestrar os seus cães. Em circunstâncias que já não consigo recordar, conheci
uma senhora a rondar a meia-idade (estarei a ser generoso?) que se auto-incumbiu
de valer aos cães abandonados, tendo resgatado para si uma cadela cerdosa
mestiça de Podengo, animal dócil e amoroso que era ao mesmo tempo muito
medroso, capaz de tremer por tudo e por nada, especialmente perante trovoadas,
rebentamentos e explosões várias. Sensibilizado pelo altruísmo daquela senhora,
predispus-me gratuitamente a ajudá-la para valer à cadela e arranjar solução
para os seus problemas.
Apostado em levar de vencida os medos do animal, em robustecer o seu carácter e levá-lo a confiar mais na sua dona, ao ponto de se tornarem cúmplices, comecei pouco a pouco a introduzir no seu treino alguns obstáculos de fácil transposição, perante a incompreensão da dona que não via nisso qualquer préstimo e que se baralhava toda com a trela, dizendo-se sem jeito para tal quando na verdade não demonstrava grande disponibilidade para aprender e ensinar.
Com
o decorrer do tempo, a senhora foi desaparecendo, remetendo-se “apenas” a
abrigar, a alimentar e a mimar os cães que resgatava, tendo na altura três ao
seu encargo, soltos e alojados numas barracas situadas num terreno entre dois
prédios, para onde invariavelmente era jogado lixo e a erva não parava de
crescer, terreno delimitado à frente e atrás por um muro de 120cm de altura.
Certo
dia, suspeita-se de fogo posto, com a sua cuidadora ausente, deflagrou um
incêndio naquele quintal e apesar da sua aflição, nenhum dos cães conseguiu transpor
um dos muros e pôr-se a salvo, acabando todos por morrer queimados, desfecho
que abalou fortemente quem os estimava e tinha por obrigação mantê-los vivos.
Mais tarde, muito consternada com o sucedido, a senhora compreendeu, da pior
maneira possível, qual a necessidade dos obstáculos para os cães, porque se os
seus tivessem aprendido a saltar, nenhum deles teria morrido!
Como se depreende, para além dos aspectos ligados ao bem-estar, à robustez psicossomática, à preparação, ao desporto e à operacionalidade dos cães, o concurso aos obstáculos, sejam eles naturais, urbanos ou artificiais, é prática indispensável à sua salvaguarda enquanto habilitação que melhor se presta à sua sobrevivência. A senhora da nossa história não o sabia – agora você já sabe!
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