Os cães com pedigree,
atendendo ao exagerado número dos que há por adoptar, são hoje tão mal vistos
que acabam por ser desprezados, como se a sua uniformidade fosse apenas
sinónimo de problemas ou desgraça. Como sabemos que não e conhecemos as suas
especificidades, assim como as suas mais-valias, tomámos como objectivo da aula
de ontem apresentar os nossos a quem connosco se cruzasse, para que mais gente
experimentasse como é agradável e bom ter um cão assim, seja em que idade for.
Ao contrário do que muita
gente pensa, porque a ignorância somada ao medo não é boa conselheira, os cães
territoriais, sumariamente descritos como “de guarda”, são excelentes
companheiros de crianças, tornando-se invariavelmente seus cúmplices de
brincadeiras e protectores, pelo que a sua coabitação é possível e até
desejável. A foto que se segue pretende demonstrar o que acabámos de dizer.
A lealdade e seriedade de
certas raças caninas, quando adequadas para o efeito, ao participarem nas
brincadeiras com as crianças, conseguem gradualmente libertá-las das cinofobias
e traumas oriundos da sua própria natureza ou que lhe foram infligidos pelo
peso sociocultural.
A interacção entre gente
adulta e cães, surpreendentemente, é por vezes mais difícil de alcançar. E
quando assim é, o melhor que há a fazer é integrar os adultos receosos num
grupo que está perfeitamente à vontade com os cães, para que se sintam mais
seguros e confortáveis (a terceira pessoa a contar da frente, uma afro-brasileira
de óculos, confessou-nos que tinha medo de cães).
E como o destino é pródigo
em surpresas, acabámos por providenciar um encontro entre uma madeirense e uma
açoriana, ambas a residir no Continente (Portugal não podia ter sido melhor
representado). A garota, agora a frequentar o 5º ano de escolaridade, é
madeirense e a açoriana é Nasha, uma Fila de São Miguel que constituiu binómio
com a menina. Vale a pena reparar nos olhos da cadela, como que a perguntar ao
Adestrador: “ o que é que eu faço com esta?”
Nestas andanças da
sociabilização canina e da integração harmoniosa dos cães na sociedade, já tem
o Afonso com a Nasha vasto traquejo, muito embora o miúdo seja por natureza,
tímido e introvertido, só se mostrando quando solicitado, o que acaba por
surpreender muitos atendendo à sua técnica e ao desempenho da cadela.
Esta vontade indómita e necessária
de levar os cães às pessoas, afinal tão natural em nós, nem sempre corre bem à
primeira, porque há gente que quer pegar nos cães, mas que não tem jeiteira
nenhuma. Com empatia e paciência, conforme é-nos exigido, conseguimos vencer os
contratempos e transmitir alegria às pessoas.
Da parte da tarde tivemos
a companhia do binómio Nuno/Boris e acabámos por deslocar-nos a uma feira de
antiguidades que rivalizava com um grupo de carrosséis, que disputavam entre si
os poucos clientes com um barulho ensurdecedor, local ideal para acostumar o
pequeno Boerboel aos exagerados ruídos urbanos. Não conseguindo ficar ali
sozinho sem a ajuda do dono, o Nuno permaneceu a seu lado para confortá-lo
(dentro em breve já não será preciso).
Aos cães adultos presentes
pedimos um pouco mais e colocámo-los junto a um carrossel pouco concorrido,
onde algumas crianças gritavam de excitação. Mesmo com o carrossel pelas
costas, os dois cães permaneceram quietos e impenetráveis, seguros no
cumprimento das ordens (a mímica das suas orelhas denuncia a presença de
pessoas na sua retaguarda).
O CPA Bohr, que é
tradicionalmente desconfiado com as pessoas, muito por culpa do Paulo que
consente que ele se deite debaixo das suas pernas, operando dessa forma, indevidamente,
o robustecimento do sentimento territorial do cão, acabou por encontrar uma
senhora que o acarinhou e à qual lambeu a cara (alguém dirá que não era preciso
tanto).
Depois daquele “quebrar do
gelo”, a dita senhora dispôs-se a passear o Bohr, que apesar da ternura daquela
condutora eventual, estava mais interessado em regressar para o seu dono, “pendurando-se
desalmadamente à esquerda”, que é o que os cães fazem quando não sabem andar à
trela ou não lhes agrada a companhia.
Ao abandonarmos a feira de
antiguidades e o parque de diversões, na procura de mais uma foto para o álbum do
Ben, colocámos o velho Fila e grande companheiro enquadrado entre duas violas,
onde o olhar do cão já não consegue disfarçar o peso dos seus anos, pormenor
que não o impede de ser um grande companheiro.
Com cinco horas de
caminhada em cima das pernas, demos alguma pausa de descanso aos binómios,
convidando os condutores para uma bebida quente ou fresca numa esplanada onde o
sol espreitava. Uma das garotas que servia às mesas, indiferente ao frio que se
fazia sentir (não há como a mocidade), acabou por acariciar o Ben e dizer-nos
que também ela tinha um cão.
Ainda com decorações de
Natal, que só serão recolhidas depois do Dia de Reis, dia 6, deparámo-nos com
uma loja com uma rena à porta, cenário ideal para colocarmos a seu lado o CPA
Bohr. O cão posou para a foto irrepreensivelmente e a rena parece transtornada
com tal companhia (estávamos a treinar o “quieto” numa rua movimentada na baixa
da cidade).
Apesar de não sabermos se
os chineses são imortais ou se acabam no “Pato à Pequim” (raramente encontramos
a sepultura de algum), certo é que o seu número tem aumentado entre nós, ao
ponto da sua segunda geração se fazer presente no secundário e nas
universidades, onde alcançam a reputação de disciplinados, interessados e
esforçados. Também nos nossos jardins é comum ver-se miúdos chineses a brincar
e, se eles estão cá, nada como acostumá-los aos cães, que foi exactamente o que
fizemos quando encontrámos um.
Depois de deixarmos o
pequeno chinês em paz, que voltou a dar chutos numa bola, reparámos num
multibanco ao nosso redor e acostumámos os cães presentes a permanecer junto
dele, para que futuramente guardem os donos por ocasião de possíveis
levantamentos.
Como o frio afiava o nariz
e não era conveniente ficarmos parados, encontrámos mais adiante uma senhora
que se encantou com os nossos cães. Sem querer abusar da sua paixão,
pedimos-lhe que conduzisse o Ben, desejo que cumpriu com natural desembaraço e
com a anuência do cão.
Mais adiante, a usufruir dos
últimos raios de sol do dia, com uma cachorra refilona, minúscula e
recentemente adoptada, que parecia querer comer este mundo e outro, reparámos
numa jovem avó que se encontrava sentada num remate de canteiro. Ao ver-nos, a
senhora pegou na cachorra temendo o pior. Para acalmarmos ambas, colocámos
junto delas o Bohr deitado, estratégia que fez retornar o silêncio e a paz.
Entretanto, vinda não se
sabe de onde, acerca-se de nós a filha desta senhora, que apesar de jovem, já
tem um filho bem crescidinho. Simpática como a mãe e manifestando a mesma
capacidade de diálogo e disponibilidade, predispôs-se prontamente a conduzir o
velho Ben com a jovialidade própria das suas poucas primaveras.
Já de regresso a casa,
cruzámo-nos com um casal luso-francês que se fazia acompanhar de uma filhinha
com 10 anos de idade, que de imediato correu a acariciar os cães.
Sensibilizados com o seu gesto, deixámo-la conduzir o Ben por momentos, o que
muito agradeceu.
Participaram nos trabalhos
os seguintes binómios: Adestrador/Blaze; Afonso/Nasha; Jose António/Ben;
Nuno/Boris e Paulo/Bohr. As fotografias ficaram entregues ao José António e ao
Paulo. A Família Gonçalves, sénior e júnior, veio visitar-nos. A Professora
Fernanda perguntou pelo José Maria que foi seu aluno e que devido aos seus múltiplos
afazeres, por demais cansativos, diga-se, viu-se obrigado a ficar em casa. Para
a semana daremos conta das actividades que iremos realizar. Um Bom Ano para
todos!
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