segunda-feira, 15 de abril de 2019

O MEU CÃO JÁ ATACA À MANGA!

Sempre que alguém me diz “o meu cão já ataca a manga”, eu não sei se hei-de rir ou chorar, porque quem mo diz, di-lo como se o seu cão já se encontrasse preparado, tivesse sido aprovado ou confirmado como guardião pelo simples facto de se agarrar (atacar) a uma manga. Há até quem faça vídeos desse “momento solene”, onde invariavelmente sucedem três coisas, separadamente ou em conjunto: o cão ensurdece-se para o dono, a cobaia sai tranquilamente e a fera fica agarrada à manga, como se esta fosse um rebuçado, vício que na guarda real não lhe augura grande futuro e que a poderá relegar para o “corredor da morte”, atendendo à menor piedade e maior violência dos assaltantes actuais.
Adianta-se que, apesar de muitos cães para guarda passarem na sua formação pelo ataque à manga, o método não é obrigatório, pode ser dispensável e até contraproducente diante da natureza de alguns serviços de segurança caninos, porque um condicionamento assim acaba por anular-lhes a vantagem do efeito surpresa, uma vez que mordem onde é esperado – no braço esquerdo, já que a maioria dos centros caninos apenas possui mangas para esse braço, a despeito da maioria das pessoas ser destra, algumas sinistras e uma minoria ambidestra. Não haverá mangas para o braço direito? Valerá a pena ensinar um cão a atacar um braço que lhe é dado para morder, sujeitando-o depois ao contra-ataque? Cães cujo ataque é conhecido e esperado não intimidam ninguém, a menos que os larápios, ao avistarem um cão assim, logo se agachem como fazem as galinhas na presença do galo, o que obviamente é pouco provável.
Os cães são animais de hábitos e fatalmente chegam a adquirir alguns que atentam contra os seus instintos mais básicos – os ligados à sua sobrevivência, acontecendo o mesmo com os seus ataques. Os cães que transitam do ataque à manga para o ataque ao fato, inicialmente procurarão o braço esquerdo do figurante, apesar deste poder ser atacado nos mais variados pontos. Ao invés, os cães que transitam do ataque sistemático ao fato para o ataque esporádico à manga tornam-se indefensáveis e nisto reside uma das suas vantagens, apesar do fato causar igualmente habituação, pelo que a seu tempo deverá ser substituído por protecções ocultas.
É evidente que o ataque ao braço esquerdo pressupõe o contra-ataque do agressor (que geralmente não passa duma simulação) e a esquiva dos cães aos seus golpes, coisa que no ataque à manga é substituído pelo enfardar de umas inofensivas varadas que não impedem o cão de largar a manga, mau hábito que na eventualidade de alguma situação real deixá-lo-á em muito mau-estado. Se os porcos atacassem à manga dariam menos trabalho a matar, porque uma vez nela agarrados e ligeiramente levantados, enfiar-se-lhes-ia um canivete debaixo do anterior esquerdo, bem direitinho ao coração. Andará por aí alguém interessado em matar cães de guarda assim? Antigamente os meninos rabinos pintavam paredes, hoje divertem-se a fazer ataques à manga. O ataque à manga é um estreito istmo por onde se passa, donde dificilmente se sai e que pode ser fatal para os cães.

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