Sempre que alguém me diz “o
meu cão já ataca a manga”, eu não sei se hei-de rir ou chorar, porque quem mo
diz, di-lo como se o seu cão já se encontrasse preparado, tivesse sido aprovado
ou confirmado como guardião pelo simples facto de se agarrar (atacar) a uma
manga. Há até quem faça vídeos desse “momento solene”, onde invariavelmente
sucedem três coisas, separadamente ou em conjunto: o cão ensurdece-se para o
dono, a cobaia sai tranquilamente e a fera fica agarrada à manga, como se esta
fosse um rebuçado, vício que na guarda real não lhe augura grande futuro e que
a poderá relegar para o “corredor da morte”, atendendo à menor piedade e maior
violência dos assaltantes actuais.
Adianta-se que, apesar de
muitos cães para guarda passarem na sua formação pelo ataque à manga, o método
não é obrigatório, pode ser dispensável e até contraproducente diante da
natureza de alguns serviços de segurança caninos, porque um condicionamento
assim acaba por anular-lhes a vantagem do efeito surpresa, uma vez que mordem
onde é esperado – no braço esquerdo, já que a maioria dos centros caninos
apenas possui mangas para esse braço, a despeito da maioria das pessoas ser
destra, algumas sinistras e uma minoria ambidestra. Não haverá mangas para o
braço direito? Valerá a pena ensinar um cão a atacar um braço que lhe é dado
para morder, sujeitando-o depois ao contra-ataque? Cães cujo ataque é conhecido
e esperado não intimidam ninguém, a menos que os larápios, ao avistarem um cão
assim, logo se agachem como fazem as galinhas na presença do galo, o que
obviamente é pouco provável.
Os cães são animais de
hábitos e fatalmente chegam a adquirir alguns que atentam contra os seus
instintos mais básicos – os ligados à sua sobrevivência, acontecendo o mesmo com
os seus ataques. Os cães que transitam do ataque à manga para o ataque ao fato,
inicialmente procurarão o braço esquerdo do figurante, apesar deste poder ser
atacado nos mais variados pontos. Ao invés, os cães que transitam do ataque
sistemático ao fato para o ataque esporádico à manga tornam-se indefensáveis e
nisto reside uma das suas vantagens, apesar do fato causar igualmente
habituação, pelo que a seu tempo deverá ser substituído por protecções ocultas.
É evidente que o ataque ao
braço esquerdo pressupõe o contra-ataque do agressor (que geralmente não passa duma
simulação) e a esquiva dos cães aos seus golpes, coisa que no ataque à manga é
substituído pelo enfardar de umas inofensivas varadas que não impedem o cão de
largar a manga, mau hábito que na eventualidade de alguma situação real
deixá-lo-á em muito mau-estado. Se os porcos atacassem à manga dariam menos
trabalho a matar, porque uma vez nela agarrados e ligeiramente levantados,
enfiar-se-lhes-ia um canivete debaixo do anterior esquerdo, bem direitinho ao
coração. Andará por aí alguém interessado em matar cães de guarda assim?
Antigamente os meninos rabinos pintavam paredes, hoje divertem-se a fazer
ataques à manga. O ataque à manga é um estreito istmo por onde se passa, donde dificilmente se sai e que pode ser fatal para os cães.
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