Há quem adore assustar os outros e que debaixo desse propósito procure
um cão de raça mal-afamada, tida como feroz, assassina e própria para “acagaçar
trinta”. Indivíduos com este desejo, quando não são delinquentes, marginais ou
bandidos, são na sua maioria pouco experientes em cães e também deles receosos,
acabando muitas vezes por sujeitar o seu agregado familiar e amigos aos humores
do cão que não souberam escolher, não entendem e não conseguem regrar, por
desconhecerem à partida que cães duros exigem donos experientes e inabaláveis.
No meio desta gente ainda se destacam alguns idealistas urbanos plenos de boas
intenções, que desconhecendo que o Céu e Inferno estão cheios delas, procuram
provar que todos os cãezinhos são bons, que os donos é que os fazem maus, a
despeito da selecção continuada e aturada para o fim procurado.
Vamos a um caso concreto que nada tem a ver com os perfis psicológicos
atrás adiantados, mas que diz respeito a uma senhora que tem dificuldades em
segurar a sua cadela quando tem visitas em casa. Ao que parece, o animal, um
molosso médio com forte potência de mordedura, agora dentro de casa, não se
agrada das visitas e trata-as como intrusos, distribuindo-lhes “mimos” quando a
ocasião o propicia, não sendo a sua dona capaz de se fazer respeitar, nem
tampouco de adivinhar e travar os seus intentos. Se a situação não se alterar,
é óbvio que com o passar do tempo a cadela tornar-se-á cada vez mais violenta e
motivada.
Os maiores disparates nesta e noutras áreas a que tenho assistido, têm
sido obra de gente confiada, que remete para a sorte a clarividência que
necessita, mercê da sua boa natureza e rara sensibilidade. No que concerne à
relação homem-cão, pessoas com estas características tendem a ser por demais
permissivas, pouco ou nada cautelosas e a tratar os animais como se fossem
pessoas, apesar das diferenças que estão à vista de qualquer um, trocando
invariavelmente o uso da razão pelo apelo sentimental. Se eu tenho uma cadela
que morde nas visitas e eu não o consigo evitar, a primeira coisa a fazer é
afastá-la delas, prendê-la enquanto durar a visita numa dependência da casa
menos utilizada ou num canil se o houver (neste caso concreto há um e bom).
É evidente que esta solução não é e não pode ser definitiva, porque ao
menor descuido logo surgirá o disparate. Por outro lado, a não-aceitação da
autoridade da dona pela cadela, poderá levar ao total descontrolo do animal, à
sua participação nas discussões e disputas domésticas mais acesas, achando por
bem “pôr na ordem” quem muito bem entender ou quem obste à sua autonomia e
vontade. Episódios destes não são infelizmente raros e no princípio até lhes
achamos graça.
Se o encarceramento no canil não basta e ainda
pode torná-la mais agressiva, o que fazer com a cadela antes de proceder ao
extermínio das visitas? Mantê-la invariavelmente açaimada, encerrá-la para
sempre numa box, esterilizá-la, descartá-la, aplicar-lhe uma coleira de choques
eléctricos, colocar-lhe um estrangulador de repreensão e castigo (bicos) ou
proceder à sua reeducação em regime de internato? Nenhuma destas soluções
poderá dar-nos garantias absolutas, porque os cães aprendem a tirar os açaimes
com facilidade, a abrir portas e a espreitar oportunidades, a esterilização só
por si poderá não alterar o comportamento, o descarte do animal está fora de questão,
os demais acessórios dolorosos também e o regime de internato poderá não ser
capaz de transferir, na íntegra, a autoridade do reeducador para a pessoa da dona.
Como a cadela adora a sua família adoptiva, é de natureza submissa e
muito meiga, ao ponto de “apresentar serviço” por não lhe atribuírem nenhum,
detalhes que facilitarão a sua hierarquização e aceitação do novo lugar social,
o maior trabalho a desenvolver será com a dona, senhora muito simpática,
concordata e altruísta, que abomina confrontações, constituir-se em oposição ou
marcar posição – uma excelente amiga, mas uma péssima líder e, a cadela
aproveita-se disso (quem disse que os cães são parvos?).
Apesar da transformação de um subordinado em líder não ser tarefa
fácil, a dona da cadela ver-se-á obrigada a isso, para bem do seu agregado
familiar, amigos, visitas, desconhecidos e até da própria cadela, cujo
descontrolo, a continuar, poderá colocar-lhe a vida em risco. Em termos de
escalonamento social importa que a dona cresça para que a cadela diminua e para
a inversão de lugares muito contribuirão os simulacros a realizar, que
repetirão vezes sem conta os mesmos episódios até lhes alterar o seu final.
Estamos convencidos que esta senhora conseguirá alcançar os seus intentos, como
estamos convencidos que não irá querer mais uma cadela igual ou com as mesmas
características (ela até é uma apaixonada confessa pelos adoráveis Shih-Tzus).
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