domingo, 28 de setembro de 2014

SÓ AGORA É QUE SE LEMBRARAM DISSO?

O apogeu das cinotecnias civis a que assistimos, tem desconsiderado a sua origem militar, primeira responsável pelo seu avanço, ao ponto de a desprezar e agora a adulterar, repetindo erros que já conhecidos e vencidos em décadas anteriores, mercê da ignorância que desconsiderou a história. Estamos em crer e julgamos não estar enganados, que entre os adestradores militares de hoje, poucos serão os que leram as obras de Costa Campos e os manuais de Colares Rodrigues, apesar destes ilustres desconhecidos terem enaltecido de sobremaneira a cinotecnia nacional (o César Milan é o maior!). Hoje fala-se muito de exercícios anaeróbios e aeróbios, dois conceitos que obrigarão muitos a ir ao Google ou ao dicionário. Os exercícios anaeróbicos apontam para actividades físicas que exigem movimentos rápidos e de alta intensidade, geralmente destinados a atletas carenciados de força e de massa muscular (ex: musculação, sprints e saltos). Os exercícios aeróbios, mais ligados ao bem-estar geral, que trabalham uma grande quantidade de músculos de modo ritmado, são contínuos e prolongados, e quando usados sistematicamente, são os que trazem maiores benefícios para a saúde (ex: andar, correr, nadar e pedalar). Agora alguns “inovadores” intentam trazê-los para o treino canino. Porque só se lembraram disso agora, reconhecidos que são os seus benefícios? Será que no passado ninguém se lembrou disso e não constatou da sua necessidade?
Desde que existem pistas tácticas, aqui tão pouco vistas e que sofreram especial incremento durante e após a I Guerra Mundial, que os exercícios anaeróbios e aeróbios se fazem presentes no currículo a ministrar aos cães, mercê de necessidades específicas relativas ao seu desempenho, enquanto cães de guerra e depois policiais, testemunho confirmado pela natureza dos obstáculos escolhidos, o que torna gratuita a presente inovação e rotula de ignorantes os seus autores, muito embora a sua preocupação seja válida e resulte da necessidade, mercê da sobrecarga anaeróbia que vitima os actuais cães desportivos, em constante risco de lesão e afastados dos exercícios aeróbios que melhor os protegeriam, na relação ideal entre a preparação geral e a específica (temos andado a estoirar cães e a remeter para a sorte a sua saúde).
Considerando o pentatlo funcional exigível aos actuais cães desportivos, que passa pelo aumento da velocidade, da capacidade de salto em extensão e da resistência (pelo robustecimento da coluna vertebral e da caixa torácica), por maior poder de rotação e maior força de ombro (para se evitarem os riscos de lesão), adiantaremos seguidamente os obstáculos e exercícios, tanto anaeróbios como aeróbios, há um século utilizados e por nós usados há mais de quatro décadas, enquanto praticantes e adeptos das pistas tácticas, outrora também entendidas como “pistas de fogo”, enquanto simulacros para o anfiteatro operacional.
Jamais treinámos uma disciplina específica ou uma aptidão em particular sem operar a devida correcção morfológica dos cachorros, aproveitando a sua fase plástica e os aparelhos passíveis de operar essa correcção. Nunca sugerimos ou exigimos percursos de galope a cachorros com idade inferior aos sete meses e sempre esperámos pela sua maturidade sexual. Como preparação para o galope, no intuito de robustecer os indivíduos e facilitar as transições dos seus andamentos naturais, sempre optámos pelo desenvolvimento da marcha até alcançar a sua suspensão, mais-valias que alcançámos pelas verticais do perímetro exterior, pela totalidade dos seus obstáculos e pelo contributo do “Extensor de Solo”. Para além do uso da marcha, sempre tirámos partido da natação e abominámos a tracção. O treino do galope propriamente dito, sempre o iniciámos em pisos de areia molhada ou em terrenos de terra solta, numa frequência moderada, passando gradualmente para os relvados e daí para os mais duros, em distâncias nunca superiores aos 100m. Temos usado como estímulos para o disparo dos cães o chamamento pelo dono, o instinto de presa, a perseguição de pessoas ou objectos e a competitividade entre iguais. O treino anaeróbio do galope sempre nos remeteu para os 12 ou 18 meses de idade nos cães, no intuito de os isentarmos do risco de lesões.
O aumento da capacidade do salto em extensão, que resulta primeiro da capacidade de impulsão pronta e imediata, temo-lo alcançado pelo concurso de verticais consecutivas de 50cm de altura e distantes entre si a 1m. Uma vez alcançada essa capacidade, respeitando igualmente a idade dos cachorros e considerando a sua maturidade sexual, temos avançado sem maiores delongas para o salto em extensão, primeiro sobre a ponte-quebrada e o exel, e depois sobre o extensor de solo, indo gradualmente aumentando o número de varas a saltar. Qualquer cão médio-grande assim treinado poderá vir a saltar 3.75m de extensão, desde que a divisão da sua altura pelo peso não exceda 1.8 (já tivemos cães a saltar mais de 5m de extensão). Na transição dos exercícios aeróbios para a prática anaeróbia sempre nos valemos dos obstáculos do perímetro exterior (mesa alemã, verticais de 20 e 50cm, podium, extensor de solo, exel a 80cm, bidons, muro de 1.08m e paliçada). Há muito que sabemos que o aumento da resistência nos cães se encontra relacionado com o robustecimento da caixa torácica e da coluna vertebral, por causa isso sempre nos valemos dos primeiros obstáculos de cada grupo para a sua obtenção e ao nosso dispor na pista táctica.
Pela sua importância e eminente risco de lesão, mais nos interessa falar sobre o robustecimento dos ombros que opera as rotações seguras. Para o fortalecimento dos ombros somos obrigados a socorrer-nos de figuras de obediência e obstáculos que exigem o robustecimento da parte para o global, exercícios de indubitável cariz anaeróbio. Escavar, escalar, nadar, recuar e rastejar são comandos que operam esse robustecimento, quando usados com conta e medida e de acordo com a idade e morfologia dos cães. Todos os obstáculos elevadores (rampas) contribuem para o mesmo fim, tanto na sua entrada como na sua saída, quer os cães subam ou desçam. O robustecimento dos ombros não dispensa a correcta marcação do salto e a saída equilibrada dos cães, quando na transposição de verticais ou de obstáculos tipo alvo, já que as saídas oblíquas tendem a lesionar os cães e a aumentar a sua resistência aos obstáculos. Como se depreende os trabalhos são primeiro desenvolvidos á trela e posteriormente em liberdade. Escusado será dizer que a prática da marcha diária, normalmente com uma hora de duração e numa toada de 5km horários, também contribui para o mesmo objectivo (o robustecimento dos ombros), uma vez que obriga ao mesmo trabalho e intensidade os quatro membros. Baloiços e obstáculos oscilantes servem prestam-se para o mesmo fim.
O desprezo pelas pistas tácticas encontra-se intimamente ligado ao desconhecimento biomecânico da maioria dos actuais condutores caninos, a quem é visível um sem número de dificuldades técnicas e que levam muitos a não saberem pegar numa trela, o que os impede de muscular correctamente os cães ao seu encargo. E como se isto não bastasse a obediência dos seus pupilos é precária e dependente de condições, factos que aumentam o risco de acidentes. Desprezar as pistas tácticas é relegar para nunca mais a correcção morfológica dos cães, a melhoria dos seus aprumos e isentá-los de uma experiência variada e rica. E o que dizer do desconhecimento biomecânico? Como poderão levar a cabo os exercícios anaeróbios e aeróbios indispensáveis à melhor prestação dos cães? O remédio vem agora de umas bolas e almofadas que se prestam ao aumento do equilíbrio canino, o que nos leva a dizer: com papas e bolos se enganam os tolos! O concurso às pistas tácticas mantém nos cães a massa magra que induz ao aumento da sua longevidade (dentro do peso atlético), dá conhecimento objectivo sobre a biomecânica canina e desenvolve um número infindo de aptidões. Apesar de muitas escolas caninas terem nomes pomposos, não passam de simples “lanchonetes”, considerando a disparidade entre a pobreza do seu parque de obstáculos e o stand da venda de acessórios, rações e biscoitos. Por todo o lado se sentem ventos de mudança e mais cedo que se espera, as pistas tácticas estarão de volta, até porque não há mais nenhuma volta a dar!

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