O apogeu das cinotecnias civis a que assistimos, tem
desconsiderado a sua origem militar, primeira responsável pelo seu avanço, ao
ponto de a desprezar e agora a adulterar, repetindo erros que já conhecidos e
vencidos em décadas anteriores, mercê da ignorância que desconsiderou a história.
Estamos em crer e julgamos não estar enganados, que entre os adestradores
militares de hoje, poucos serão os que leram as obras de Costa Campos e os
manuais de Colares Rodrigues, apesar destes ilustres desconhecidos terem enaltecido
de sobremaneira a cinotecnia nacional (o César Milan é o maior!). Hoje fala-se
muito de exercícios anaeróbios e aeróbios, dois conceitos que obrigarão muitos
a ir ao Google ou ao dicionário. Os exercícios anaeróbicos apontam para
actividades físicas que exigem movimentos rápidos e de alta intensidade,
geralmente destinados a atletas carenciados de força e de massa muscular (ex:
musculação, sprints e saltos). Os exercícios aeróbios, mais ligados ao
bem-estar geral, que trabalham uma grande quantidade de músculos de modo
ritmado, são contínuos e prolongados, e quando usados sistematicamente, são os
que trazem maiores benefícios para a saúde (ex: andar, correr, nadar e
pedalar). Agora alguns “inovadores” intentam trazê-los para o treino canino.
Porque só se lembraram disso agora, reconhecidos que são os seus benefícios?
Será que no passado ninguém se lembrou disso e não constatou da sua
necessidade?
Desde que existem pistas tácticas, aqui tão pouco vistas e que sofreram
especial incremento durante e após a I Guerra Mundial, que os exercícios
anaeróbios e aeróbios se fazem presentes no currículo a ministrar aos cães,
mercê de necessidades específicas relativas ao seu desempenho, enquanto cães de
guerra e depois policiais, testemunho confirmado pela natureza dos obstáculos
escolhidos, o que torna gratuita a presente inovação e rotula de ignorantes os
seus autores, muito embora a sua preocupação seja válida e resulte da necessidade,
mercê da sobrecarga anaeróbia que vitima os actuais cães desportivos, em
constante risco de lesão e afastados dos exercícios aeróbios que melhor os
protegeriam, na relação ideal entre a preparação geral e a específica (temos
andado a estoirar cães e a remeter para a sorte a sua saúde).
Considerando o pentatlo funcional exigível aos actuais
cães desportivos, que passa pelo aumento da velocidade, da capacidade de salto em extensão e da resistência (pelo robustecimento da coluna vertebral e da caixa
torácica), por maior poder de rotação
e maior força de ombro (para se evitarem os riscos de lesão), adiantaremos
seguidamente os obstáculos e exercícios, tanto anaeróbios como aeróbios, há um
século utilizados e por nós usados há mais de quatro décadas, enquanto
praticantes e adeptos das pistas tácticas, outrora também entendidas como
“pistas de fogo”, enquanto simulacros para o anfiteatro operacional.
Jamais treinámos uma disciplina específica ou uma aptidão em particular
sem operar a devida correcção morfológica dos cachorros, aproveitando a sua
fase plástica e os aparelhos passíveis de operar essa correcção. Nunca
sugerimos ou exigimos percursos de galope a cachorros com idade inferior aos
sete meses e sempre esperámos pela sua maturidade sexual. Como preparação para
o galope, no intuito de robustecer os indivíduos e facilitar as transições dos
seus andamentos naturais, sempre optámos pelo desenvolvimento da marcha até
alcançar a sua suspensão, mais-valias que alcançámos pelas verticais do
perímetro exterior, pela totalidade dos seus obstáculos e pelo contributo do
“Extensor de Solo”. Para além do uso da marcha, sempre tirámos partido da
natação e abominámos a tracção. O treino do galope propriamente dito, sempre o
iniciámos em pisos de areia molhada ou em terrenos de terra solta, numa
frequência moderada, passando gradualmente para os relvados e daí para os mais
duros, em distâncias nunca superiores aos 100m. Temos usado como estímulos para
o disparo dos cães o chamamento pelo dono, o instinto de presa, a perseguição
de pessoas ou objectos e a competitividade entre iguais. O treino anaeróbio do
galope sempre nos remeteu para os 12 ou 18 meses de idade nos cães, no intuito
de os isentarmos do risco de lesões.
O aumento da capacidade do salto em extensão, que resulta primeiro da
capacidade de impulsão pronta e imediata, temo-lo alcançado pelo concurso de
verticais consecutivas de 50cm de altura e distantes entre si a 1m. Uma vez
alcançada essa capacidade, respeitando igualmente a idade dos cachorros e
considerando a sua maturidade sexual, temos avançado sem maiores delongas para
o salto em extensão, primeiro sobre a ponte-quebrada e o exel, e depois sobre o
extensor de solo, indo gradualmente aumentando o número de varas a saltar.
Qualquer cão médio-grande assim treinado poderá vir a saltar 3.75m de extensão, desde
que a divisão da sua altura pelo peso não exceda 1.8 (já tivemos cães a saltar
mais de 5m de extensão). Na transição dos exercícios aeróbios para a prática
anaeróbia sempre nos valemos dos obstáculos do perímetro exterior (mesa alemã,
verticais de 20 e 50cm, podium, extensor de solo, exel a 80cm, bidons, muro de
1.08m e paliçada). Há muito que sabemos que o aumento da resistência nos cães
se encontra relacionado com o robustecimento da caixa torácica e da coluna
vertebral, por causa isso sempre nos valemos dos primeiros obstáculos de cada
grupo para a sua obtenção e ao nosso dispor na pista táctica.
Pela sua importância e eminente risco de lesão, mais nos interessa falar
sobre o robustecimento dos ombros que opera as rotações seguras. Para o
fortalecimento dos ombros somos obrigados a socorrer-nos de figuras de
obediência e obstáculos que exigem o robustecimento da parte para o global,
exercícios de indubitável cariz anaeróbio. Escavar, escalar, nadar, recuar e
rastejar são comandos que operam esse robustecimento, quando usados com conta e
medida e de acordo com a idade e morfologia dos cães. Todos os obstáculos
elevadores (rampas) contribuem para o mesmo fim, tanto na sua entrada como na
sua saída, quer os cães subam ou desçam. O robustecimento dos ombros não
dispensa a correcta marcação do salto e a saída equilibrada dos cães, quando na
transposição de verticais ou de obstáculos tipo alvo, já que as saídas oblíquas
tendem a lesionar os cães e a aumentar a sua resistência aos obstáculos. Como
se depreende os trabalhos são primeiro desenvolvidos á trela e posteriormente em liberdade. Escusado
será dizer que a prática da marcha diária, normalmente com uma hora de duração
e numa toada de 5km horários, também contribui para o mesmo objectivo (o
robustecimento dos ombros), uma vez que obriga ao mesmo trabalho e intensidade
os quatro membros. Baloiços e obstáculos oscilantes servem prestam-se para o
mesmo fim.
O desprezo pelas pistas tácticas encontra-se intimamente ligado ao
desconhecimento biomecânico da maioria dos actuais condutores caninos, a quem é
visível um sem número de dificuldades técnicas e que levam muitos a não saberem
pegar numa trela, o que os impede de muscular correctamente os cães ao seu
encargo. E como se isto não bastasse a obediência dos seus pupilos é precária e
dependente de condições, factos que aumentam o risco de acidentes. Desprezar as
pistas tácticas é relegar para nunca mais a correcção morfológica dos cães, a
melhoria dos seus aprumos e isentá-los de uma experiência variada e rica. E o
que dizer do desconhecimento biomecânico? Como poderão levar a cabo os
exercícios anaeróbios e aeróbios indispensáveis à melhor prestação dos cães? O
remédio vem agora de umas bolas e almofadas que se prestam ao aumento do
equilíbrio canino, o que nos leva a dizer: com papas e bolos se enganam os
tolos! O concurso às pistas tácticas mantém nos cães a massa magra que induz ao
aumento da sua longevidade (dentro do peso atlético), dá conhecimento objectivo
sobre a biomecânica canina e desenvolve um número infindo de aptidões. Apesar
de muitas escolas caninas terem nomes pomposos, não passam de simples
“lanchonetes”, considerando a disparidade entre a pobreza do seu parque de
obstáculos e o stand da venda de acessórios, rações e biscoitos. Por todo o
lado se sentem ventos de mudança e mais cedo que se espera, as pistas tácticas
estarão de volta, até porque não há mais nenhuma volta a dar!
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