quinta-feira, 11 de setembro de 2014

OS OPERÁRIOS, OS MÁGICOS E OS DJINNS

Bem que este título poderia ser substituído por: “os esforçados, os ilusionistas e os mestres” ou “os desajeitados, os improvisadores e os talentosos” ou ainda “ os desinspirados, os ardilosos e os génios”, agrupando em três categorias os praticantes cinotécnicos em exercício na nossa praça, em tudo iguais aos da estranja, independentemente de serem profissionais ou não, para além das suas credenciais e de acordo com o trabalho que lhes garante os resultados, intrinsecamente ligado às suas qualidades inatas e ao modo de comunicar com os cães.
Os que entendemos como operários, são os que nos chegam sem experiência prévia, alunos normalmente desinspirados e desajeitados, a quem eventualmente foi negada a companhia dum cão na infância ou adolescência, prole esforçada, normalmente antropomorfista e fortemente emocional, mais chegada a intuições do que à pedagogia de ensino. Os mais sensíveis e menos esforçados deles, permanecerão pouco tempo entre nós e poderão abandonar o treino a qualquer momento, convencidos das suas menos valias perante a desobediência dos cães, por serem maus ouvintes, não admitirem ou reconhecerem os seus erros, não suportarem os reveses e desprezarem as correcções. Os mais dedicados, com idênticas dificuldades, não esmorecerão e apesar das contrariedades, continuarão a labutar até à constituição binomial, tropeçando amiúde nos seus erros e demorando na aquisição dos automatismos e requisitos técnicos. Uma vez lá chegados, enquanto gente comum que não inventa, mercê das dificuldades que atravessou, transformar-se-ão em excelentes condutores caninos, tecnicamente invejáveis e capazes para valer a outros com idênticas dificuldades iniciais, porque reconhecem neles os erros que obstam às soluções. Apesar da mestria alcançada são raríssimos os que virão a ser treinadores de cães, o que se lamenta, porque quando optam pelo adestramento, virão a fazer uma carreira de sucesso e nunca lhe faltarão alunos.
Os mágicos, e atribuímos-lhe o nome por conta dos ilusionistas, contrariamente aos primeiros, são hábeis em subverter a técnica, normalmente ardilosos e com “cara de anjo”, indivíduos para quem os fins sempre justificam os meios e que sobrecarregam os animais, podendo sujeitá-los a práticas mais ou menos violentas, quando sós e para além do espaço escolar. A ausência de humildade, que não lhes permite o reconhecimento das suas culpas, levá-los-á a atribuí-las aos pobres dos animais, valendo-se da coerção para atingirem os seus intentos. Para cada figura ou movimento inventam um truque, atalhando e conspurcando a técnica que os faz tropeçar. Sempre aparecem com o trabalho feito, ainda que por meios fraudulentos. Déspotas e “artistas” no aproveitamento da dependência canina, geralmente enaltecidos pela excelência do cão que conduzem, que pode ser produto alheio e não provir da sua escolha, tendem a pavonear-se e intentam ir mais além, fazendo do facilitismo prática corrente, ainda que não o confessem. Naturalmente anti-solidários, pouco valem aos colegas de classe e procuram tratamento preferencial, aborrecendo-se quando convidados a ajudar, porque não se sentem iguais e não se revêem nos outros.
Parecendo estranho para quem desconhece o meio, deste grupo resultará o maior número de adestradores, uma amálgama de indivíduos com características diferentes, mal preparados, de técnica própria, dedicados aos plágio, hábeis em truques e peritos no “deixa andar”, enquanto o dinheiro corre e os alunos se mantêm. Tal qual colibris peneirando de flor em flor, misturam métodos e não se comprometem com nenhum, inventando tarefas e objectivos que lhes garantem a supremacia. Peritos em semear sonhos, que nunca se concretizarão, super valorizarão os pequenos progressos binomiais e comprometerão a evolução dos cães, destinando-os para as áreas onde se sentem mais cómodos, a despeito das suas mais-valias individuais e das expectativas dos seus donos. Os mais irascíveis deles juntarão à má-língua o destrato dos donos, tratando-os como não gostariam de ser tratados, como garante do saber e da autoridade que não lhe foram outorgados, ainda que certificados por outros iguais, mercê de conluios ou conveniências. Entre eles, alguns irão ser bem sucedidos e serão tratados como verdadeiros mágicos, cujo expoente máximo é o Sr. César Milan, perito em buchas e introdutor do “quickstep canino”, o homem das soluções automáticas e raramente duradouras, que sobrecarrega os cães submissos e se dá mal com os dominantes, uma vedeta aclamada por isentar os donos e sempre culpabilizar os cães, como se eles não dependessem dos seus mestres, aprendessem sozinhos e não agissem por reflexo.
Escolhemos o termo “djinns” como sinónimo de “génios”, para qualificar a rara prestação, mestria e talento de determinados indivíduos que chegam ao adestramento, cuja actuação chega a ser intrigante, por se revelar surpreendente, transcendente, avassaladora e quase inexplicável, quando comparada com a dos demais condutores e adestradores, como se fossem auxiliados por uma entidade invisível, de quem sofreriam uma benéfica e decisiva influência, capaz de os transportar para um superior entendimento dos cães, dispensando a técnica e indo para além dela, apesar de a dominarem automaticamente e de melhor a explicarem sem o concurso da aprendizagem – génios na verdadeira acepção da palavra! E escolhemos o vocábulo árabe “djinn”, que neste caso seria “marid” (génio bom), porque segundo a tradição lendária muçulmana, esses espíritos têm como habilidade possuir e controlar as mentes e os corpos doutras criaturas, sendo capazes de assumir forma humana ou animal. Também porque os raros indivíduos a quem reconhecemos este dom, o de comunicarem excepcionalmente com os cães (0.013% no total das nossas fileiras), curiosamente, tinham ascendência semita (magrebina ou sefardita), sendo oriundos do interior e nascidos maioritariamente de Leiria para Sul, o que poderá ter resultado de uma mera casualidade. De qualquer forma, estamos a tratar de gente superdotada, incomum e raramente vista, a quem o título de “encantadores” assentaria como uma luva.
Será sempre a técnica e não os resultados só por si, a definir gradativamente os condutores caninos. A persistência da maioria, quando aliada à pedagogia adequada, levá-los-á à satisfação de tarefas de índice médio-alto, que servirão de ponto de partida para outros mais dotados, transportando-os para patamares de ensino superiores, o que irá justificar o trabalho aturado e oficinal. Aqueles que constantemente atropelam a técnica e a substituem por truques, acabarão por gerar retrocessos a médio e longo prazo, substanciando a saturação de homens e cães pela ausência de novidade, o que impedirá os binómios mais capazes de atingirem o seu esplendor e de encontrarem outras formas de entendimento, melhor enraizadas e distantes da percepção alheia. Como a genialidade dificilmente se transmite pela oralidade e pelo exemplo, resta-nos convidar todos para o trabalho, na certeza que o apego aos procedimentos sempre surte resultado. Desconsideramos o suborno, o facilitismo, a coerção e a violência, porque criam pressupostos contra a salvaguarda canina, aumentando a vulnerabilidade dos animais e possibilitando o seu uso impróprio, indevido ou abusivo.

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