Bem que este título poderia ser substituído por: “os
esforçados, os ilusionistas e os mestres” ou “os desajeitados, os
improvisadores e os talentosos” ou ainda “ os desinspirados, os ardilosos e os
génios”, agrupando em três categorias os praticantes cinotécnicos em exercício
na nossa praça, em tudo iguais aos da estranja, independentemente de serem
profissionais ou não, para além das suas credenciais e de acordo com o trabalho
que lhes garante os resultados, intrinsecamente ligado às suas qualidades
inatas e ao modo de comunicar com os cães.
Os que entendemos como operários, são os que nos
chegam sem experiência prévia, alunos normalmente desinspirados e desajeitados,
a quem eventualmente foi negada a companhia dum cão na infância ou
adolescência, prole esforçada, normalmente antropomorfista e fortemente
emocional, mais chegada a intuições do que à pedagogia de ensino. Os mais
sensíveis e menos esforçados deles, permanecerão pouco tempo entre nós e
poderão abandonar o treino a qualquer momento, convencidos das suas menos
valias perante a desobediência dos cães, por serem maus ouvintes, não admitirem
ou reconhecerem os seus erros, não suportarem os reveses e desprezarem as
correcções. Os mais dedicados, com idênticas dificuldades, não esmorecerão e
apesar das contrariedades, continuarão a labutar até à constituição binomial,
tropeçando amiúde nos seus erros e demorando na aquisição dos automatismos e
requisitos técnicos. Uma vez lá chegados, enquanto gente comum que não inventa,
mercê das dificuldades que atravessou, transformar-se-ão em excelentes
condutores caninos, tecnicamente invejáveis e capazes para valer a outros com
idênticas dificuldades iniciais, porque reconhecem neles os erros que obstam às
soluções. Apesar da mestria alcançada são raríssimos os que virão a ser
treinadores de cães, o que se lamenta, porque quando optam pelo adestramento,
virão a fazer uma carreira de sucesso e nunca lhe faltarão alunos.
Os mágicos, e atribuímos-lhe o nome por conta dos
ilusionistas, contrariamente aos primeiros, são hábeis em subverter a técnica,
normalmente ardilosos e com “cara de anjo”, indivíduos para quem os fins sempre
justificam os meios e que sobrecarregam os animais, podendo sujeitá-los a
práticas mais ou menos violentas, quando sós e para além do espaço escolar. A
ausência de humildade, que não lhes permite o reconhecimento das suas culpas,
levá-los-á a atribuí-las aos pobres dos animais, valendo-se da coerção para
atingirem os seus intentos. Para cada figura ou movimento inventam um truque,
atalhando e conspurcando a técnica que os faz tropeçar. Sempre aparecem com o
trabalho feito, ainda que por meios fraudulentos. Déspotas e “artistas” no aproveitamento
da dependência canina, geralmente enaltecidos pela excelência do cão que
conduzem, que pode ser produto alheio e não provir da sua escolha, tendem a
pavonear-se e intentam ir mais além, fazendo do facilitismo prática corrente,
ainda que não o confessem. Naturalmente anti-solidários, pouco valem aos
colegas de classe e procuram tratamento preferencial, aborrecendo-se quando
convidados a ajudar, porque não se sentem iguais e não se revêem nos outros.
Parecendo estranho para quem desconhece o meio, deste
grupo resultará o maior número de adestradores, uma amálgama de indivíduos com
características diferentes, mal preparados, de técnica própria, dedicados aos
plágio, hábeis em truques e peritos no “deixa andar”, enquanto o dinheiro corre
e os alunos se mantêm. Tal qual colibris peneirando de flor em flor, misturam
métodos e não se comprometem com nenhum, inventando tarefas e objectivos que
lhes garantem a supremacia. Peritos em semear sonhos, que nunca se concretizarão,
super valorizarão os pequenos progressos binomiais e comprometerão a evolução
dos cães, destinando-os para as áreas onde se sentem mais cómodos, a despeito
das suas mais-valias individuais e das expectativas dos seus donos. Os mais
irascíveis deles juntarão à má-língua o destrato dos donos, tratando-os como
não gostariam de ser tratados, como garante do saber e da autoridade que não
lhe foram outorgados, ainda que certificados por outros iguais, mercê de
conluios ou conveniências. Entre eles, alguns irão ser bem sucedidos e serão
tratados como verdadeiros mágicos, cujo expoente máximo é o Sr. César Milan,
perito em buchas e introdutor do “quickstep canino”, o homem das soluções
automáticas e raramente duradouras, que sobrecarrega os cães submissos e se dá
mal com os dominantes, uma vedeta aclamada por isentar os donos e sempre
culpabilizar os cães, como se eles não dependessem dos seus mestres,
aprendessem sozinhos e não agissem por reflexo.
Escolhemos o termo “djinns” como sinónimo de “génios”,
para qualificar a rara prestação, mestria e talento de determinados indivíduos
que chegam ao adestramento, cuja actuação chega a ser intrigante, por se
revelar surpreendente, transcendente, avassaladora e quase inexplicável, quando
comparada com a dos demais condutores e adestradores, como se fossem auxiliados
por uma entidade invisível, de quem sofreriam uma benéfica e decisiva
influência, capaz de os transportar para um superior entendimento dos cães, dispensando
a técnica e indo para além dela, apesar de a dominarem automaticamente e de
melhor a explicarem sem o concurso da aprendizagem – génios na verdadeira
acepção da palavra! E escolhemos o vocábulo árabe “djinn”, que neste caso seria
“marid” (génio bom), porque segundo a tradição lendária muçulmana, esses
espíritos têm como habilidade possuir e controlar as mentes e os corpos doutras
criaturas, sendo capazes de assumir forma humana ou animal. Também porque os
raros indivíduos a quem reconhecemos este dom, o de comunicarem
excepcionalmente com os cães (0.013% no total das nossas fileiras),
curiosamente, tinham ascendência semita (magrebina ou sefardita), sendo
oriundos do interior e nascidos maioritariamente de Leiria para Sul, o que poderá
ter resultado de uma mera casualidade. De qualquer forma, estamos a tratar de
gente superdotada, incomum e raramente vista, a quem o título de “encantadores”
assentaria como uma luva.
Será sempre a técnica e não os resultados só por si, a
definir gradativamente os condutores caninos. A persistência da maioria, quando
aliada à pedagogia adequada, levá-los-á à satisfação de tarefas de índice
médio-alto, que servirão de ponto de partida para outros mais dotados,
transportando-os para patamares de ensino superiores, o que irá justificar o trabalho
aturado e oficinal. Aqueles que constantemente atropelam a técnica e a
substituem por truques, acabarão por gerar retrocessos a médio e longo prazo,
substanciando a saturação de homens e cães pela ausência de novidade, o que
impedirá os binómios mais capazes de atingirem o seu esplendor e de encontrarem
outras formas de entendimento, melhor enraizadas e distantes da percepção
alheia. Como a genialidade dificilmente se transmite pela oralidade e pelo
exemplo, resta-nos convidar todos para o trabalho, na certeza que o apego aos
procedimentos sempre surte resultado. Desconsideramos o suborno, o facilitismo,
a coerção e a violência, porque criam pressupostos contra a salvaguarda canina,
aumentando a vulnerabilidade dos animais e possibilitando o seu uso impróprio,
indevido ou abusivo.
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