domingo, 28 de setembro de 2014

SÓ AGORA É QUE SE LEMBRARAM DISSO?

O apogeu das cinotecnias civis a que assistimos, tem desconsiderado a sua origem militar, primeira responsável pelo seu avanço, ao ponto de a desprezar e agora a adulterar, repetindo erros que já conhecidos e vencidos em décadas anteriores, mercê da ignorância que desconsiderou a história. Estamos em crer e julgamos não estar enganados, que entre os adestradores militares de hoje, poucos serão os que leram as obras de Costa Campos e os manuais de Colares Rodrigues, apesar destes ilustres desconhecidos terem enaltecido de sobremaneira a cinotecnia nacional (o César Milan é o maior!). Hoje fala-se muito de exercícios anaeróbios e aeróbios, dois conceitos que obrigarão muitos a ir ao Google ou ao dicionário. Os exercícios anaeróbicos apontam para actividades físicas que exigem movimentos rápidos e de alta intensidade, geralmente destinados a atletas carenciados de força e de massa muscular (ex: musculação, sprints e saltos). Os exercícios aeróbios, mais ligados ao bem-estar geral, que trabalham uma grande quantidade de músculos de modo ritmado, são contínuos e prolongados, e quando usados sistematicamente, são os que trazem maiores benefícios para a saúde (ex: andar, correr, nadar e pedalar). Agora alguns “inovadores” intentam trazê-los para o treino canino. Porque só se lembraram disso agora, reconhecidos que são os seus benefícios? Será que no passado ninguém se lembrou disso e não constatou da sua necessidade?
Desde que existem pistas tácticas, aqui tão pouco vistas e que sofreram especial incremento durante e após a I Guerra Mundial, que os exercícios anaeróbios e aeróbios se fazem presentes no currículo a ministrar aos cães, mercê de necessidades específicas relativas ao seu desempenho, enquanto cães de guerra e depois policiais, testemunho confirmado pela natureza dos obstáculos escolhidos, o que torna gratuita a presente inovação e rotula de ignorantes os seus autores, muito embora a sua preocupação seja válida e resulte da necessidade, mercê da sobrecarga anaeróbia que vitima os actuais cães desportivos, em constante risco de lesão e afastados dos exercícios aeróbios que melhor os protegeriam, na relação ideal entre a preparação geral e a específica (temos andado a estoirar cães e a remeter para a sorte a sua saúde).
Considerando o pentatlo funcional exigível aos actuais cães desportivos, que passa pelo aumento da velocidade, da capacidade de salto em extensão e da resistência (pelo robustecimento da coluna vertebral e da caixa torácica), por maior poder de rotação e maior força de ombro (para se evitarem os riscos de lesão), adiantaremos seguidamente os obstáculos e exercícios, tanto anaeróbios como aeróbios, há um século utilizados e por nós usados há mais de quatro décadas, enquanto praticantes e adeptos das pistas tácticas, outrora também entendidas como “pistas de fogo”, enquanto simulacros para o anfiteatro operacional.
Jamais treinámos uma disciplina específica ou uma aptidão em particular sem operar a devida correcção morfológica dos cachorros, aproveitando a sua fase plástica e os aparelhos passíveis de operar essa correcção. Nunca sugerimos ou exigimos percursos de galope a cachorros com idade inferior aos sete meses e sempre esperámos pela sua maturidade sexual. Como preparação para o galope, no intuito de robustecer os indivíduos e facilitar as transições dos seus andamentos naturais, sempre optámos pelo desenvolvimento da marcha até alcançar a sua suspensão, mais-valias que alcançámos pelas verticais do perímetro exterior, pela totalidade dos seus obstáculos e pelo contributo do “Extensor de Solo”. Para além do uso da marcha, sempre tirámos partido da natação e abominámos a tracção. O treino do galope propriamente dito, sempre o iniciámos em pisos de areia molhada ou em terrenos de terra solta, numa frequência moderada, passando gradualmente para os relvados e daí para os mais duros, em distâncias nunca superiores aos 100m. Temos usado como estímulos para o disparo dos cães o chamamento pelo dono, o instinto de presa, a perseguição de pessoas ou objectos e a competitividade entre iguais. O treino anaeróbio do galope sempre nos remeteu para os 12 ou 18 meses de idade nos cães, no intuito de os isentarmos do risco de lesões.
O aumento da capacidade do salto em extensão, que resulta primeiro da capacidade de impulsão pronta e imediata, temo-lo alcançado pelo concurso de verticais consecutivas de 50cm de altura e distantes entre si a 1m. Uma vez alcançada essa capacidade, respeitando igualmente a idade dos cachorros e considerando a sua maturidade sexual, temos avançado sem maiores delongas para o salto em extensão, primeiro sobre a ponte-quebrada e o exel, e depois sobre o extensor de solo, indo gradualmente aumentando o número de varas a saltar. Qualquer cão médio-grande assim treinado poderá vir a saltar 3.75m de extensão, desde que a divisão da sua altura pelo peso não exceda 1.8 (já tivemos cães a saltar mais de 5m de extensão). Na transição dos exercícios aeróbios para a prática anaeróbia sempre nos valemos dos obstáculos do perímetro exterior (mesa alemã, verticais de 20 e 50cm, podium, extensor de solo, exel a 80cm, bidons, muro de 1.08m e paliçada). Há muito que sabemos que o aumento da resistência nos cães se encontra relacionado com o robustecimento da caixa torácica e da coluna vertebral, por causa isso sempre nos valemos dos primeiros obstáculos de cada grupo para a sua obtenção e ao nosso dispor na pista táctica.
Pela sua importância e eminente risco de lesão, mais nos interessa falar sobre o robustecimento dos ombros que opera as rotações seguras. Para o fortalecimento dos ombros somos obrigados a socorrer-nos de figuras de obediência e obstáculos que exigem o robustecimento da parte para o global, exercícios de indubitável cariz anaeróbio. Escavar, escalar, nadar, recuar e rastejar são comandos que operam esse robustecimento, quando usados com conta e medida e de acordo com a idade e morfologia dos cães. Todos os obstáculos elevadores (rampas) contribuem para o mesmo fim, tanto na sua entrada como na sua saída, quer os cães subam ou desçam. O robustecimento dos ombros não dispensa a correcta marcação do salto e a saída equilibrada dos cães, quando na transposição de verticais ou de obstáculos tipo alvo, já que as saídas oblíquas tendem a lesionar os cães e a aumentar a sua resistência aos obstáculos. Como se depreende os trabalhos são primeiro desenvolvidos á trela e posteriormente em liberdade. Escusado será dizer que a prática da marcha diária, normalmente com uma hora de duração e numa toada de 5km horários, também contribui para o mesmo objectivo (o robustecimento dos ombros), uma vez que obriga ao mesmo trabalho e intensidade os quatro membros. Baloiços e obstáculos oscilantes servem prestam-se para o mesmo fim.
O desprezo pelas pistas tácticas encontra-se intimamente ligado ao desconhecimento biomecânico da maioria dos actuais condutores caninos, a quem é visível um sem número de dificuldades técnicas e que levam muitos a não saberem pegar numa trela, o que os impede de muscular correctamente os cães ao seu encargo. E como se isto não bastasse a obediência dos seus pupilos é precária e dependente de condições, factos que aumentam o risco de acidentes. Desprezar as pistas tácticas é relegar para nunca mais a correcção morfológica dos cães, a melhoria dos seus aprumos e isentá-los de uma experiência variada e rica. E o que dizer do desconhecimento biomecânico? Como poderão levar a cabo os exercícios anaeróbios e aeróbios indispensáveis à melhor prestação dos cães? O remédio vem agora de umas bolas e almofadas que se prestam ao aumento do equilíbrio canino, o que nos leva a dizer: com papas e bolos se enganam os tolos! O concurso às pistas tácticas mantém nos cães a massa magra que induz ao aumento da sua longevidade (dentro do peso atlético), dá conhecimento objectivo sobre a biomecânica canina e desenvolve um número infindo de aptidões. Apesar de muitas escolas caninas terem nomes pomposos, não passam de simples “lanchonetes”, considerando a disparidade entre a pobreza do seu parque de obstáculos e o stand da venda de acessórios, rações e biscoitos. Por todo o lado se sentem ventos de mudança e mais cedo que se espera, as pistas tácticas estarão de volta, até porque não há mais nenhuma volta a dar!

UNS ENSINAM TUDO, OUTROS QUASE NADA

Viajando incógnitos num périplo pelas escolas caninas nacionais, onde cresce o número de sequazes dos mestres desenrascados, pretensamente certificados e inovadores, como sempre aconteceu (pela ignorância que suporta a lei do bota abaixo, a esperteza saloia erige os “entendidos”), olhando para os históricos que estiveram na sua origem e lhes serviram de inspiração, notoriamente mais práticos do que eruditos, ainda que alguns deles se alvitrem agora em conferencistas, para ultraje da gramática, da retórica e do conhecimento científico, porque badalam o que rascunharam, não compreenderam e lhes soa bem ao ouvido, o que em tudo lembra as considerações de Espinosa acerca dos académicos coimbrões do seu tempo, pudemos dividi-los em dois grupos: uns que ensinam tudo o que sabem e outros que têm como sabedoria pouco ou nada ensinar, apesar de ambos acabarem depauperados, vituperados e isolados, uns pelo aumento da concorrência que os ultrapassará e os outros pela aversão que os votará ao abandono, fenómenos também reforçados pela marcha do tempo, que sempre opera a inevitável substituição das gerações. E se assim é e for para bem, que venha daí o progresso!
Exemplo do que acabámos de dizer tem sido o antagonismo prático entre dois adestradores civis, sobejamente conhecidos no nosso panorama, de origem comum e escola idêntica, concorrentes ao longo de décadas e outrora na berra, hoje à beira da substituição e menos solicitados, homens que ficarão para a história da cinotecnia nacional pelo que fizeram e pelo seu particular, enquanto pioneiros e mestres de referência, justificando-se avaliar o seu legado, reconhecer as suas virtudes e aprender com os seus erros. O primeiro deles, que trataremos aqui como “alfa”, um passional canino, notoriamente extrovertido e pouco precavido, cuja maior qualidade é tratar todos os cães como seus, dedicando-lhes o melhor de si e suscitando dos donos cumplicidade e empenho, não se inibe em ensinar tudo o que sabe, sempre acaba por se expor, sendo um homem “de tudo ou nada”, daqueles a quem se ama ou se odeia. Apoia abertamente qualquer causa e abraça qualquer um. A sua franqueza tem vindo a engordar a barriga de muitos, particularmente daqueles, que à sua sombra, alcançam algum gabarito e teimam em pôr “os corninhos ao sol”, desafiando-o e vindo depois a concorrer-lhe. Dominado pelo empirismo, que até hoje lhe tem bastado, peca por falta de erudição e inovação, tratando jocosamente os novos companheiros de profissão por “doutores e engenheiros caninos”.
O outro, tratado aqui por “beta”, é a sua antítese perfeita, mais introvertido e ambicioso, falsamente titubeante nos esclarecimentos, menos apostado no progresso dos cães, adepto do “dar tempo ao tempo”, perito no uso de regras para benefício próprio, reticente em ajudar, frívolo na escolha das suas vedetas (que só o serão se lhe derem interesse) e indiferente quanto baste ao desacerto dos seus pupilos. Guarda para si o que sabe, não se descontrola e garante a liderança, não se desnuda, é selectivo e cerca-se de quem se presta à sua ascensão. Hábil no “cala-te boca”, semeia dissensões para enfraquecer a concorrência e sai de mansinho. Atento ao que se passa além fronteiras, inova pelo plágio e busca os louros, ainda que nem sempre dê continuidade a essas modalidades e disciplinas, particularmente quando fáceis ou tornadas comuns. Falsamente humilde, espreita oportunidade e serve-se do adestramento como trampolim, usando-o como acréscimo para alcançar parcerias mais rentáveis, não se escusando a recrutar a outros para atingir os seus objectivos, mesmo aqueles por quem nutre alguma antipatia, intentando ser manager de tudo e de todos.
Graças à paixão duns e à ambição doutros, agora secundados por praticantes com idênticas características, a periclitante cinotecnia civil portuguesa instituiu-se, enquanto geração artificial e proveniente da enxertia estrangeira, muito embora subsista pelo improviso e careça do impulso alheio para a sua continuidade, porque somos naturalmente avessos à mudança e mais chegados à vaidade, cegueira que continua a obstar à investigação, ao conhecimento científico, ao progresso e à formação de uma verdadeira escola de cariz nacional. É chegada a hora, que já peca por algum atraso, dos nossos etólogos enriquecerem os práticos com o conhecimento erudito, de baixarem às escolas e de prevalecerem os seus currículos pelos resultados no terreno, transitando assim da teoria à prática e valendo a quem deles necessita, já que o adestramento é uma actividade objectiva e mensurável, que dispensa dogmas e sofismas. É triste relembrar uma frase já batida: “para fazer um clube bastam dois ingleses e para o desfazer dois portugueses bastam”. O Treino canino deverá congregar todos o que para ele concorrem e nunca constituir-se em tomo de discórdia, porque só assim a nossa cinotecnia se perpetuará e abandonará o seu carácter rudimentar, sectário, quase marginal, chauvinista e alquimista, pródigo em mitos e retrocessos.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ OS AFRICANOS E OS CÃES, editado em 16/11/2013
2º _ SIM! EU ACREDITO NO CÃO MACACO, editado em 17/12/2012
3º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
4º _ O MELHOR E O PIOR DO PASTOR SUIÇO: ANÁLISE MORFOLÓGICA E FUNCIONAL, editado em 21/06/2011
5º _ EU QUERIA UM PASTOR ALEMÃO, DE PREFERÊNCIA TODO PRETO, editado em 05/06/2010

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país deu o seguinte resultado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Roménia, 5º Alemanha, 6º Ucrânia, 7º França, 8º Espanha, 9º China e 10º Reino Unido.

sábado, 20 de setembro de 2014

NÃO FAÇA DELE UMA GIRAFA

Há muito que gostaríamos de ter posto uma pedra sobre este assunto, mas infelizmente sempre somos obrigados a abordá-lo, contrariados e face ao mal-estar dos cães. Bem sabemos que as diversas raças caninas apresentam diferentes angulações de metacarpos, mas em nenhum delas é desejável o seu exagerado abatimento, insuficiência grave e de funestas repercussões, considerando risco de lesão, o mal-estar que provocam, o esforço a que obrigam, as agressões sobre o esqueleto, a perca de qualidade de vida e o seu encurtamento. Se a anomalia for de origem genética, pouco ou nada haverá a fazer, muito embora os ortopedistas possam, dependendo dos casos, minorar a deficiência e os seus efeitos. Felizmente que o fenómeno, ao contrário do que por aí se prega, é na maioria dos casos de origem ambiental, resultando das más dietas e da sua distribuição em acessórios impróprios, comedouros e bebedouros colocados no chão, que obrigam os cães a comer e a beber como as girafas da foto, desengonçadas e em esforço.
O ideal, aquilo que é desejável, é que os cães comam em comedouros reguláveis, colocados a uma altura 5cm abaixo da encontrada ao seu garrote, para que não venham a perpetuar o abatimento de metacarpos, o pé chato, a divergência de mãos, o estreitamento do peito, o descodilhar em marcha, o selamento do dorso e a agravar o jarrete de vaca. Proceder assim, é também dar combate à indolência e à obesidade, aumentando os índices de prontidão dos nossos fiéis amigos, que doutro modo se tornarão bonacheirões, desatentos, menos propensos à parceria, mais irritadiços e resistentes à novidade de desafios, já que a breve trecho, por lhes ser mais cómodo, acabariam por comer deitados. Mas mais importante ainda que as razões físicas e psicológicas, sobressai a relativa à sua salvaguarda, já que comer à altura certa é prevenir contra os envenenamentos, pela alteração de hábitos que induzirá ao desprezo pela comida jogada no solo, estratégia que ajudará de sobremaneira a recusa de engodos e levará à formação de cães impolutos e incorruptíveis, se formos ajustando a altura dos pratos de acordo com o crescimento dos cachorros.
Considerando esta última preocupação e vantagem, encaramos com alguma reticência a introdução à pistagem pelo recurso a engodos, apesar de se tornar mais fácil para os cães e menos trabalhosa para os donos. Ainda que mais tarde esse procedimento venha a ser abandonado, ele não desaparecerá por decreto e poderá ficar para sempre gravado na memória afectiva dos cães. Somos conhecedores dos diferentes aproveitamentos do faro canino e reconhecemos que algumas especialidades não dispensam este tipo de procedimento, contudo ele não deve ser único, não é absoluto e nalguns casos é até contraproducente. Como não nos dedicamos à detecção de explosivos, de drogas ou de cadáveres, sempre preterimos a indiciação pelo aproveitamento dos círculos odoríferos. Todos já vimos na televisão, que até tem um canal que a isso se dedica, perseguições empreendidas por cães policiais, normalmente bem sucedidas para mal dos fugitivos, geralmente reclusos evadidos ou criminosos a monte com bloodhounds no seu encalço. Até hoje eles não se lembraram, dizemos nós por ausência de notícia, de engodarem os seus trajectos ou de criar outros com comida envenenada, valendo-se dos produtos químicos usados nas limpezas e lavandarias das penitenciárias, capazes de imobilizar, afrouxar, desnortear e até matar os seus perseguidores de quatro patas, isto se induzidos à perseguição pelo recurso ao alimento.
Mas deixemo-nos de suposições e doutras realidades, de dramas quotidianos que mais parecem ficção. O que importa guardar é que os cães devem comer à altura certa, para não sofrerem indesejáveis alterações físicas e psicológicas, responsáveis pela menor qualidade de vida e pelo seu subaproveitamento, para melhor resistirem ao suborno dos envenenadores que sempre os cercam. O facto dum cão comer à altura certa, não irá dispensar o treino aturado na recusa de engodos, mas facilitá-lo-á e muito, pelo abandono dos maus hábitos que atentam contra a sua vida. 

REDE OU VARÕES?

Apesar das redes serem mais baratas, terem desenhos apelativos e serem de fácil aplicação, sempre será melhor optar por um gradeamento em varões para as frentes dos canis, para que os cães não prendam lá as mãos e venham sistematicamente a incorrer na luxação dos ombros, malefícios recorrentes nas cercas de rede. Os varões deverão ser de alto a baixo, sem travessas de junção, somente soldados nas suas extremidades à armadura ou caixilho. A distância ideal entre eles é de 80mm e o seu diâmetro deverá ser de 20mm. Até pelas frentes dos canis se reconhece quem percebe da arte e em que consideração tem os seus cães. Se tem frentes em rede, quando tiver pecúlio para isso, proceda à sua substituição por gradeamentos de varões, para que possa dormir descansado e sem preocupações. Os cães agradecem!

FROM THE UK WITH LOVE

Ainda que o título do artigo se preste a isso, não vamos aqui falar do recente referendo acontecido na Escócia, onde o “Não” ganhou e o Reino Unido continua como até aqui, constituído pela Inglaterra, País de Gales, Escócia e Irlanda do Norte, apesar de reconhecermos que o medo da mudança foi fatal para os independentistas. David Cameron, o primeiro-ministro inglês, terá que honrar as promessas atabalhoadas que fez a galeses, escoceses e irlandeses e terá à perna os Torys, o que não será nenhuma pêra doce, considerando o histórico carácter conservador inglês. A foto acima mostra um hotel para cães no Reino Unido, nomeadamente a sua entrada e as suas cercas, cujo desenho aplaudimos sem qualquer reticência, uma vez que os varões do portão e do muro do lado esquerdo se encontram rematados com esferas e a cerca de madeira do lado direito também não apresenta qualquer perigo para os cães. Vale a pena reparar no gradeamento do lado esquerdo, colocado a meio da largura do pequeno muro, o que impedirá o apoio e a fuga dos animais ali hospedados. Se o seu cão é um saltador ou pratica uma modalidade cinotécnica que faz usos dos saltos caninos e procura a sua potenciação, é de todo conveniente que os varões dos gradeamentos tenham mais 1.8m e sejam rematados com esferas, com o dobro ou o triplo do seu diâmetro, para que os cães não se firam ao intentarem transpô-los. Rematar varões com pontas de seta é um autêntico disparate, porque alguns cães já lá ficaram espetados e com rasgos assinaláveis. E se alguns não morreram, tal se deveu ao seu socorro imediato. Fica o aviso.

O VELHO DO OLHAR EMPEDRENIDO

Vimo-lo casualmente ao olharmos pela janela do carro, imóvel, gasto e já curvado, de queixo levantado, no meio da mata e entre as penhas, de olhar fixo e demorado na serra, como se ali não estivesse ou dali nunca houvesse saído, enquanto a brisa nocturna chegava e não se avistava vivalma. Temendo o pior pelo anormal daquele avistamento, saímos da viatura e decidimos entabular conversa com ele, talvez precisasse de algo, fosse vítima de assalto, tivesse sido abandonado, estivesse doente ou perdido. Apesar dos estalar das folhas que denunciavam a nossa aproximação, ele manteve-se impenetrável como imbuído de determinada missão, indiferente à nossa presença, com os olhos postos na mesma direcção. Junto dele, vimos cair-lhe uma lágrima furtiva sobre a boca contraída, que ele tentou disfarçar pelo enrugar da face. Intrigados e perplexos, hesitámos em falar-lhe, temendo ser inoportunos e não sabendo o que dizer-lhe. Passados alguns segundos, inesperadamente, diz-nos: “Descansem que estou bem, venho visitar uma amiga, regressar ao passado e matar saudades, lembrar a alegria para que a tristeza não me abata!”.
E continuou: “ Fiz a mesma caminhada que fazia com ela a pé, cerca de uma légua, em passo apertado e pelo lado esquerdo da estrada, o mesmo percurso ao longo de 11 anos. Ela ia a meu lado sem puxar, alegre, atenta e invariavelmente a olhar para mim. Aqui costumava soltá-la, tirar-lhe a trela e mandá-la para diante. Na mata sentia-se como em casa, desaparecia por entre os arbustos e corria serra acima. Eu deixava de a ver, sabia por onde andava pelo abanar dos fetos, até que finalmente parava naquela penha mais alta, vitoriosa e desafiadora, ladrando para que a acompanhasse. Ainda parece que a vejo, focinho ao vento, orelhas erectas, de postura solene sobre o horizonte. Vou voltar para casa sozinho, mas enquanto aqui estou, sinto a sua presença e saio reconfortado. Amanhã cá estarei de novo! Venho aqui todos os dias à mesma hora, menos às Terças, porque saio da fisioterapia já cansado. Morreu a olhar para mim na mesa do veterinário, envenenada não se sabe por quem, de olhos vidrados, sem convulsões e em silêncio, provavelmente vítima de um vizinho mal intencionado. Como não a enterrei, continua viva para mim, a correr por esta encosta acima e aqui reencontro-me com ela”.
Aturdidos com a narrativa, perguntámos-lhe como se chamava a cadela. “ Ela chama-se Beth, porque ainda vive em mim!” – respondeu-nos compenetrado e imóvel, como quem não pode e não quer ser distraído. Momentaneamente, apeteceu-nos confortá-lo e abraçá-lo, manifestar a nossa solidariedade e aconselhá-lo a adquirir outro cão. Mas como não nos deu entrada para isso, sentindo-nos infiéis perante tamanha peregrinação, zarpámos dali com cordiais votos de saúde, jurando para nós mesmos que jamais retornaríamos àquele local na mesma hora. De volta a casa e aos treinos, sensibilizados por aquele encontro, alterámos o plano de aula e procedemos à recusa de engodos, motivando os donos pela desgraça daquele binómio, outrora real e agora fictício, para que não venham a sofrer o mesmo desgosto e idêntica alienação. A história é real e não acontece só aos outros, acontece com mais frequência a quem ignora o seu desfecho.

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O Ranking semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ A CASOTA DO CÃO, editado em 29/12/2009
2º _ SIM, EU ACREDITO NO CÃO MACACO, editado em 17/02/2012
3º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011
4º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIFERENTES LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013
5º _ O MELHOR E PIOR DO PASTOR SUIÇO: ANÁLISE MORFOLÓGICA E FUNCIONAL, editado em 21/06/2011

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim escalonado:
Portugal, 2º Brasil, 3º França, 4º Estados Unidos, 5º Alemanha, 6º China, 7º México, 8º Canadá, 9º Holanda e 10º Ucrânia.

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

JÁ LÁ DIZ O VELHO DITADO…

Já lá diz o velho ditado que: “quem dá e reparte e não fica com a melhor parte, ou é tolo ou não tem arte”, o que é verdade quando as escolhas são livres e não forçadas, caso contrário não restará outra opção a quem reparte, não fosse o dinheiro a raiz de todos os males e não sobressaíssem necessidades imediatas, sortilégio que, no seu sentido mais amplo, irá transformar a miséria duns no aumento dos proventos doutros, o que torna todas as crises benditas aos olhos dos gananciosos. Fomos convidados para avaliar uma ninhada e ajudar na escolha de um cachorro para o seu criador. Sem maiores delongas, porque já temos os olhos preparados para isso (há quem lhe chame olho clínico, entre tantas coisas), concluímos ser uma cachorra a melhor dos exemplares naquela ninhada, considerando os prós e os contras do beneficiamento na sua origem e as expectativas do seu criador, mais interessado num macho do que numa fêmea. Na impossibilidade de suportar dois cachorros e não abdicando da sua escolha inicial, o criador irá “despachar” a cachorra por um preço irrisório, passando para outro o que por direito lhe pertencia, remetendo-se à qualidade possível e entregando a excelência, o que nos leva à exacta compreensão doutros três aforismos da sabedoria popular: ”dá Deus nozes a quem não tem dentes”, “quando uns não querem, estão os outros estalando” e “a ocasião faz o ladrão”, ainda que se possa usar outro com propriedade: “com o mal dos outros posso eu bem”. 

O SEGREDO DOS OBSTÁCULOS RESIDE NA SUA ENTRADA E SAÍDA

Se a sorte de um obstáculo joga-se na sua entrada e garante-se na saída, o que realça a importância dos momentos anterior e posterior à transposição propriamente dita, isto se quisermos que os cães lá voltem e não corram risco de lesão, já que as más experiências induzem-nos à resistência, porque resultam do improviso e são tiradas de esforço, então seremos obrigados à acuidade técnica, considerando a emissão das ordens, o posicionamento do condutor, a distância do obstáculo, a progressão do animal, a velocidade ou andamento requerido, a marcação do salto, a sua linha de transposição e o impacto ao solo na saída, nunca esquecendo a recompensa que é devida ao animal. Como nunca nos acostumámos a dar milho aos pombos, abanando sacos de plástico ou cartuchos ou a incentivar gatos com novelos de lã, no intuito de melhor capacitar homens e cães, perante a novidade dos obstáculos, sempre aconselhamos a prévia capacitação à trela, dispensando-a, quando tornada desnecessária, pela plena resolução binomial das transposições pretendidas. A foto da transposição abaixo, mal executada tecnicamente pelo condutor(a menos que espere um salto e ida e volta), que se encontra para trás da linha de salto, é um atentado contra a integridade do cão, que não o vendo, salta enviusado à sua procura (pendurado à direita), enquanto emissor das ordens, o que tornará anómalo o impacto do animal ao solo, para além de evidenciar a velha política de “meia-bola e força”, independentemente do cão já conhecer o obstáculo ou não (assim se arranjam lesões e a persistência no erro pode induzir, por desgaste, à displasia de origem ambiental).
No que toca à emissão das ordens, o cão deverá partir debaixo do comando de “junto”, formar o salto ao ouvir o “em frente”, transpor o obstáculo pelo “up” e reagrupar à saída pelo comando de “junto”. Como se depreende, até à execução do salto, o posicionamento do condutor é ao lado do cão. Nas transposições de obstáculos mais largos ou compostos, o comando de “up” deve ser prolongado e nos de transposição prolongada deverá ser repetido amiúde, para alertar e incentivar o animal. No momento da execução do salto, o condutor deve adiantar-te em relação ao cão, para não o obrigar ao excessivo travamento e operar naturalmente a sua recepção pelo “junto”, porque ao atrasar-se, três coisas podem suceder: o salto transversal do animal, o seu adiantamento ou fuga, sendo que a primeira é caricata e revela imperfeição e as duas últimas comprometem a obediência. Na foto abaixo, na transposição de um top simples (porque os há com manga de ejecção, sendo por isso compostos), onde são visíveis as dificuldades do condutor, que deveria ter-se mantido um degrau sempre à frente do cão, servindo-lhe de estímulo e orientação, já que a execução teve início no primeiro degrau ascendente e importa manter a velocidade de execução. Nestas circunstâncias, atendendo à altura do obstáculo e à posição do condutor, qualquer cão manhoso aproveitaria a ocasião para voltar para trás ou para se esgueirar na frente.
Sobre a progressão do animal debaixo de ordem já falámos. A distância mínima entre a partida do cão e o obstáculo deverá ser de 3m, para permitir a transição segura dos seus andamentos naturais (do passo até ao galope). A velocidade a imprimir-lhe dependerá da natureza dos obstáculos, consoante a sua altura e extensão. Nos obstáculos extensores com altura inferior a 80cm, o embalo é necessário e o galope indispensável, o mesmo sucedendo com os verticais até 1m de altura. As comuns paliçadas irão requerer o mesmo andamento e os túneis ao nível do dolo também. Ainda que o galope seja o andamento preferencial para a execução dos obstáculos, a combinação entre eles e a presença de específicos podem obrigar à desaceleração. A sequência vertical-rastejador e a pneu-túnel disso são exemplo. Na foto que se segue, é possível ver um pastor alemão a executar um podium ascendente e descendente de difícil execução, devido à estreiteza dos pilares, pouca distância entre eles e à reduzida área de apoio. Quando a distância entre os pilares é inferior a 1m e as zonas de contacto não excedem os 20cm, como é o caso, a transição deverá ser feita em marcha (trote), já que a galope seria impossível. Estamos em crer que o condutor militar captado na objectiva, não se encontra atrasado para melhor segurar o cão ou o impedir a sua aceleração, uma vez que vai a correr, o que seria contraproducente. O mais natural é ter-se atrasado aquando da marcação do salto pelo cão, correndo agora contra o atraso.
A marcação do salto encontra-se ligada à altura do obstáculo, para garantir uma transposição tangível à curvatura natural de salto empreendida pelos cães e dispensá-los da transição de andamentos. Os mais angulados saltam naturalmente a 21º do obstáculo e os rectos de angulação a 45º. Nas pistas tácticas os obstáculos encontram-se marcados para o segundo caso, considerando a variedade dos cães que nelas se exercitam e a menor propensão atlética dos cães menos angulados ou sem angulação, também para que os mais angulados não produzam saltos inusitados, capazes de comprometê-los à saída, particularmente quando os obstáculos seguintes se encontram desalinhados em relação ao transposto. Se um obstáculo tem 1m de altura, a marcação do salto deve acontecer 1m antes da sua linha de transposição, o que garantirá na saída do obstáculo igual distância. Quando os obstáculos têm escoras laterais, assentes sobre bases perpendiculares à linha de salto, o comprimento das bases indicará qual o sítio exacto para a marcação do salto, porque deve ser igual à altura do obstáculo. E quando isso acontece, tanto na condução à trela como em liberdade, a angulação das escoras indicará o salto a 45º. Como os obstáculos tácticos são por norma fixos, há quem destaque a marcação do salto pela indicação no solo, marcando-a pela alteração de piso, como é o caso adiantado na foto seguinte, onde a marcação é feita em cimento e o cão salta a 45º. Pena é que o condutor tenha ficado para trás, muito embora o obstáculo não seja de extrema dificuldade. É possível que o condutor tenha agido assim para melhor se ver o cão, garantindo desse modo um salto para a fotografia.
Se a correcta entrada aos obstáculos possibilita a sua transposição segura, será a saída equilibrada dos cães que garantirá a satisfação plena dos obstáculos. Quando os impactos ao solo são demasiado violentos, descentrados e desequilibrados, os cães resistem justificadamente à sua transposição, pela insegurança, transtorno e dolo, o que implica em dizer que deverão ser ajudados na recepção ao solo, ajuda normalmente efectuada pelo adiantamento dos seus condutores. Nos muros, obstáculos entendidos por outros como paliçadas, nos de altura superior a 1.8m, é obrigatório colocar-lhes na saída uma mesa, para que os cães nunca saltem para o solo de uma altura igual ou superior a 1.5m, o que a acontecer, colocaria em risco a integridade física dos atletas caninos. Na foto abaixo vemos um cão a saltar um muro de sensivelmente 2.5m e podemos observar o seu bloco de saída (corpo posterior do obstáculo), uma rampa constituída em “escorrega”, suavizada por algumas traves ligeiras e transversais, que impede o cão de sair para a frente pelo travamento a que obriga, certamente responsável pelo maior esforço sobre as mãos do animal, apesar do travamento ali ser o primeiro dos objectivos. Num obstáculo idêntico, sempre preferidos colocar um tampo perpendicular à linha de transposição, com 1.2 de altura e com o mesmo comprimento, sendo rematado com uma rampa a 45º, para que os cães distribuam, mais rapidamente, o seu peso corporal sobre a totalidade dos membros, não sobrecarregando os anteriores e mantendo a velocidade funcional.
Como o assunto é extenso, iremos retomá-lo quando se justificar. O que importa guardar é que a correcta transposição de um obstáculo obriga a uma entrada certeira e a uma saída segura.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

AFINAL, EM QUE FICAMOS: CINOTECNIA OU ZOOTECNIA?

Não subsistirão diferenças assinaláveis entre a prestação de um cão e de uma vaca, de um bode ou de uma ovelha, que justifiquem a diferença de métodos, visando a parceria? Nós entendemos que sim, mas pelo que vimos parece que não! Desde que as orcas e os lobos-marinhos deram à costa e pernoitam nos zoomarines, para alegria de grandes e pequenos, a universalidade da zootecnia tem tomado conta da cinotecnia e o suborno virou prática corrente. Esta tendência de subaproveitar os cães e de poupar os donos, tem muito que se lhe diga, já que o facilitismo tem aproveitado instintos em detrimento do carácter dos cães, relegando os melhores para a mediocridade e exaltando os piores pela necessidade de barriguinha cheia. Apesar de sabermos há muito que todos os animais domésticos correm atrás da comida, sendo ela que os liga aos donos, a urbe parece só agora ter descoberto essa evidência.
E do jeito que as coisas vão, tendo em conta as menos valias dos cães actuais e a franca ascensão dos restantes animais domésticos, uns e outros ensinados do mesmo modo, não espantaria que os macacos viessem também a ser usados para guarda, devido ao baixo custo da sua manutenção, à sua fácil camuflagem, à pronta evasão e à multivariedade dos seus ataques, que tanto poderiam suceder à dentada como à paulada, assim como pelo arremesso de pedras e dejectos (os bodes e carneiros fá-los-iam à cornada!). O “canicross” poderá vir a ser substituído para uma corrida em “slow motion”, constituída por caracóis, que espevitados por um molho de couves, se encaminhariam prá linha da meta. E corrida por corrida, em substituição à dos galgos, pode ser que alguém se lembre de fazer uma com chimpanzés montados em porcos vietnamitas, reclamando para esse arrojo o título de modalidade desportiva (ainda agora acabaram com os animais no circo e já sentem a falta deles). Como os primeiros passos já foram dados, é possível que venhamos a ter ainda bodes e vacas no “agility”, o que certamente nos obrigará a sentar nas bancadas mais afastadas, para evitar o cheiro da bosta!
Não, não nos revemos nestes métodos, primeiro pela salvaguarda dos cães e depois por respeito ao seu particular e dignidade, porque não queremos vê-los ludibriados, abusados e muito menos mortos, desgraças a que “a arte do suborno”  se presta. Não é com isco que se pescam os peixes e com engodo os animais para o cativeiro? E se o adestramento for só isso, nós vamos ali e já vimos, quiçá a comprar tabaco, tendo o cuidado de não tropeçar numa bola e de levarmos com um cão desenfreado em cima! Quando sair de casa rumo a um jardim público, coma primeiro, porque é mais seguro, e atavie-se de capacete, não vá apanhar com um “frisbee” transviado, que o vire de pernas para o ar! Serão estes os únicos meios para alcançar a tão almejada coabitação harmoniosa? Se são, todo o cuidado é pouco! 

O DESESPERO DOS MESTRES

Mais depressa se acostumará um criador de cães a separar-se dos seus cachorros, que um treinador a perder os seus alunos, particularmente quando abandonam os trabalhos a meio e acabam por se livrar dos cães, prática recorrente nos tempos que correm. Apesar da situação não ser nova e de serem muitos os que assim procedem, de termos conhecimento antecipado dessa possibilidade e de tentarmos ignorá-la, o desespero sempre nos bate à porta, reforçado pela revolta, pela insatisfação e pela impotência, sentimentos que não afrouxam com a experiência e com o avançar da idade, porque a relação mestre-aluno na cinotecnia cria laços afectivos profundos, pelo trabalho comum, pela comunhão de propósitos e pela divisão dos mesmos objectivos. Apesar de ocupação ingrata, poucas actividades desnudam e aproximam os homens como o adestramento, onde os mestres se transformam em condutores de homens para valerem aos cães, transmitindo-lhes diariamente o ânimo, a experiência e o saber, que os levará à futura constituição binomial, não hesitando em carregá-los às costas, quando abatidos e prontos a vacilar, tarefas próprias de um autêntico pai pedagógico. Por outro lado, enquanto interlocutores entre homens e cães, devido à comunicação, à afeição e ao sentimento gregário canino, os adestradores acabam por considerar os cães também seus, mercê do tempo e do esforço dispendidos na sua capacitação. ”Nada como um dia atrás do outro”, é o que dizemos nós, quando nos sentimos traídos e vimos o nosso trabalho desperdiçado. Para tudo há que estar preparado! 

OS OPERÁRIOS, OS MÁGICOS E OS DJINNS

Bem que este título poderia ser substituído por: “os esforçados, os ilusionistas e os mestres” ou “os desajeitados, os improvisadores e os talentosos” ou ainda “ os desinspirados, os ardilosos e os génios”, agrupando em três categorias os praticantes cinotécnicos em exercício na nossa praça, em tudo iguais aos da estranja, independentemente de serem profissionais ou não, para além das suas credenciais e de acordo com o trabalho que lhes garante os resultados, intrinsecamente ligado às suas qualidades inatas e ao modo de comunicar com os cães.
Os que entendemos como operários, são os que nos chegam sem experiência prévia, alunos normalmente desinspirados e desajeitados, a quem eventualmente foi negada a companhia dum cão na infância ou adolescência, prole esforçada, normalmente antropomorfista e fortemente emocional, mais chegada a intuições do que à pedagogia de ensino. Os mais sensíveis e menos esforçados deles, permanecerão pouco tempo entre nós e poderão abandonar o treino a qualquer momento, convencidos das suas menos valias perante a desobediência dos cães, por serem maus ouvintes, não admitirem ou reconhecerem os seus erros, não suportarem os reveses e desprezarem as correcções. Os mais dedicados, com idênticas dificuldades, não esmorecerão e apesar das contrariedades, continuarão a labutar até à constituição binomial, tropeçando amiúde nos seus erros e demorando na aquisição dos automatismos e requisitos técnicos. Uma vez lá chegados, enquanto gente comum que não inventa, mercê das dificuldades que atravessou, transformar-se-ão em excelentes condutores caninos, tecnicamente invejáveis e capazes para valer a outros com idênticas dificuldades iniciais, porque reconhecem neles os erros que obstam às soluções. Apesar da mestria alcançada são raríssimos os que virão a ser treinadores de cães, o que se lamenta, porque quando optam pelo adestramento, virão a fazer uma carreira de sucesso e nunca lhe faltarão alunos.
Os mágicos, e atribuímos-lhe o nome por conta dos ilusionistas, contrariamente aos primeiros, são hábeis em subverter a técnica, normalmente ardilosos e com “cara de anjo”, indivíduos para quem os fins sempre justificam os meios e que sobrecarregam os animais, podendo sujeitá-los a práticas mais ou menos violentas, quando sós e para além do espaço escolar. A ausência de humildade, que não lhes permite o reconhecimento das suas culpas, levá-los-á a atribuí-las aos pobres dos animais, valendo-se da coerção para atingirem os seus intentos. Para cada figura ou movimento inventam um truque, atalhando e conspurcando a técnica que os faz tropeçar. Sempre aparecem com o trabalho feito, ainda que por meios fraudulentos. Déspotas e “artistas” no aproveitamento da dependência canina, geralmente enaltecidos pela excelência do cão que conduzem, que pode ser produto alheio e não provir da sua escolha, tendem a pavonear-se e intentam ir mais além, fazendo do facilitismo prática corrente, ainda que não o confessem. Naturalmente anti-solidários, pouco valem aos colegas de classe e procuram tratamento preferencial, aborrecendo-se quando convidados a ajudar, porque não se sentem iguais e não se revêem nos outros.
Parecendo estranho para quem desconhece o meio, deste grupo resultará o maior número de adestradores, uma amálgama de indivíduos com características diferentes, mal preparados, de técnica própria, dedicados aos plágio, hábeis em truques e peritos no “deixa andar”, enquanto o dinheiro corre e os alunos se mantêm. Tal qual colibris peneirando de flor em flor, misturam métodos e não se comprometem com nenhum, inventando tarefas e objectivos que lhes garantem a supremacia. Peritos em semear sonhos, que nunca se concretizarão, super valorizarão os pequenos progressos binomiais e comprometerão a evolução dos cães, destinando-os para as áreas onde se sentem mais cómodos, a despeito das suas mais-valias individuais e das expectativas dos seus donos. Os mais irascíveis deles juntarão à má-língua o destrato dos donos, tratando-os como não gostariam de ser tratados, como garante do saber e da autoridade que não lhe foram outorgados, ainda que certificados por outros iguais, mercê de conluios ou conveniências. Entre eles, alguns irão ser bem sucedidos e serão tratados como verdadeiros mágicos, cujo expoente máximo é o Sr. César Milan, perito em buchas e introdutor do “quickstep canino”, o homem das soluções automáticas e raramente duradouras, que sobrecarrega os cães submissos e se dá mal com os dominantes, uma vedeta aclamada por isentar os donos e sempre culpabilizar os cães, como se eles não dependessem dos seus mestres, aprendessem sozinhos e não agissem por reflexo.
Escolhemos o termo “djinns” como sinónimo de “génios”, para qualificar a rara prestação, mestria e talento de determinados indivíduos que chegam ao adestramento, cuja actuação chega a ser intrigante, por se revelar surpreendente, transcendente, avassaladora e quase inexplicável, quando comparada com a dos demais condutores e adestradores, como se fossem auxiliados por uma entidade invisível, de quem sofreriam uma benéfica e decisiva influência, capaz de os transportar para um superior entendimento dos cães, dispensando a técnica e indo para além dela, apesar de a dominarem automaticamente e de melhor a explicarem sem o concurso da aprendizagem – génios na verdadeira acepção da palavra! E escolhemos o vocábulo árabe “djinn”, que neste caso seria “marid” (génio bom), porque segundo a tradição lendária muçulmana, esses espíritos têm como habilidade possuir e controlar as mentes e os corpos doutras criaturas, sendo capazes de assumir forma humana ou animal. Também porque os raros indivíduos a quem reconhecemos este dom, o de comunicarem excepcionalmente com os cães (0.013% no total das nossas fileiras), curiosamente, tinham ascendência semita (magrebina ou sefardita), sendo oriundos do interior e nascidos maioritariamente de Leiria para Sul, o que poderá ter resultado de uma mera casualidade. De qualquer forma, estamos a tratar de gente superdotada, incomum e raramente vista, a quem o título de “encantadores” assentaria como uma luva.
Será sempre a técnica e não os resultados só por si, a definir gradativamente os condutores caninos. A persistência da maioria, quando aliada à pedagogia adequada, levá-los-á à satisfação de tarefas de índice médio-alto, que servirão de ponto de partida para outros mais dotados, transportando-os para patamares de ensino superiores, o que irá justificar o trabalho aturado e oficinal. Aqueles que constantemente atropelam a técnica e a substituem por truques, acabarão por gerar retrocessos a médio e longo prazo, substanciando a saturação de homens e cães pela ausência de novidade, o que impedirá os binómios mais capazes de atingirem o seu esplendor e de encontrarem outras formas de entendimento, melhor enraizadas e distantes da percepção alheia. Como a genialidade dificilmente se transmite pela oralidade e pelo exemplo, resta-nos convidar todos para o trabalho, na certeza que o apego aos procedimentos sempre surte resultado. Desconsideramos o suborno, o facilitismo, a coerção e a violência, porque criam pressupostos contra a salvaguarda canina, aumentando a vulnerabilidade dos animais e possibilitando o seu uso impróprio, indevido ou abusivo.