sexta-feira, 11 de julho de 2014

VALENTIA E ESQUECIMENTO

Ontem reparámos num Mastim Napolitano que connosco se cruzou e lembrámo-nos imediatamente doutro que treinámos, provavelmente o único ao longo de décadas, um valente de quem esquecemos o nome e cujo dono não nos vem à memória, porque o incêndio que lavrou na Tapada de Mafra em 2003 ceifou parte dos nossos arquivos e o binómio permaneceu por pouco tempo nas nossas fileiras, mercê da morte prematura do animal no desempenho do seu serviço. Apesar disso, lembramo-nos muito bem dele, mais atleta que os seus irmãos de raça, menos enrugado do que eles e portador de fortes impulsos à luta e ao poder, um mastim cinzento razoavelmente bem aprumado que assustava até os mais audaciosos quando por eles passava (homens e cães), porque desfilava em porte majestoso, aceitava qualquer desafio e não temia os obstáculos. Como contrição ao nosso esquecimento, vamos agora contar a sua trágica história.
Verdade, verdadinha, nunca o estimulámos para atacar, nem tão pouco o capacitámos para qualquer tipo de defesa, porque o dono tinha sérias dificuldades em segurá-lo e acabava por andar atrás dele a reboque (o cão pesava mais de 80kgs). Apostados em reforçar a liderança, estendemos somente ao binómio os currículos de obediência e ginástica, certos que se lhe estendêssemos também o de guarda, jamais o dono seria capaz de operar a cessação pronta dos seus ataques, opção que homem aceitou de bom grado, por não ser esse também o seu objectivo. Na obediência linear o cão depressa aprendeu a andar em “junto” sem puxar, apresentando apenas problemas na dinâmica, quando na prática dos obstáculos, nomeadamente na saída, intentava caçar os cães que iam na sua frente. Vencidas essas dificuldades, quando tudo parecia correr bem, dono e cão desapareceram sem deixar rasto.
Alguns meses depois, quantos não sabemos precisar, viemos a saber a causa do seu desaparecimento repentino e inesperado. Dois assaltantes tinham invadido a casa do dono, com ele ausente e o cão lá dentro, no intuito de lançar mão ao que mais lhes interessava. Como o cão não se agradou da visita e muito menos dos visitantes, resistiu como pôde àquela invasão. Passadas algumas horas, no final do dia, o dono regressou a casa e nem queria acreditar no que via. Num canto da cozinha gemia um homem ensanguentado sem se pôr de pé, a porta das traseiras estava aberta e a casa toda revirada. Imediatamente, como por pressentimento, procurou pelo cão e foi dar com ele morto na sala, tombado sobre a carpete, com vários golpes na cabeça, rodeado por uma posta de sangue e com um “arranca pregos”(pé-de-cabra) enfiado pela boca abaixo. Os ladrões não conseguiram levar nada e um acabou por denunciar o outro.
Se por acaso o dono deste valente cão, nosso ex-aluno no virar do século, ler ou tomar conhecimento deste artigo, agradecíamos que nos contactasse, não para nos dar mais pormenores, porque os que temos já nos bastam, mas para nos dizer qual o nome do animal que tão heroicamente defendeu os seus bens, já que merece ser conhecido e relembrado. Oxalá assim suceda!

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