Por mais estranho que nos pareça, a partir do
momento em que passamos a conduzir um cão em liberdade, transitamos o objecto
da educação do animal para o dono, porque o cão já sabe andar alinhado e o seu
líder tem que aprender a segurá-lo sem o auxílio da trela, trabalho que não
dispensa a acuidade técnica inerente e obriga a especial atenção, porque raro é
o cão que, ao sentir-se em liberdade, não intentará pôr-se em fuga, mesmo que
nunca tenha dado mostras disso e os vínculos afectivos binomiais rasem o
excelente. Como nestas circunstâncias dificilmente um cão se atravessará à
frente do seu condutor, as fugas irão acontecer por adiantamento, atraso ou
lateralização (pelo lado esquerdo). Os cães ensinados e condicionados ao engodo
para o alcance da figura, ao invés de fugirem, tendem a alguns desalinhamentos
transitórios, porque sempre será mais fácil ensinar os donos a dar-lhes de
comer do que a estender-lhes a linguagem do amor, manifesta numa mímica própria,
na aquisição da técnica individual, no conhecimento objectivo do indivíduo
(cão), na adequação conjunta e num ritual de cumplicidade, predicados bem
diversos do elementar suborno.
As fugas
por adiantamento encontram as suas causas nos seguintes factores: liderança
ineficaz para operar o travamento, cadência de marcha lenta ou irregular,
desmarcação do “junto”, afastamento do cão, atraso e distracção dos condutores.
Relembramos mais uma vez que o “junto” obriga ao encosto do ombro direito do
cão ao joelho esquerdo dono e que as patas dianteiras do animal deverão ir
alinhadas pelo pé de projecção do condutor. Mal se verifique o adiantamento do
cão, presságio que antecede o disparate, o condutor deverá adverti-lo com o
“não”, reagrupando-o posteriormente pelo comando de “junto”. As fugas por
adiantamento são mais comuns nos binómios constituídos por líderes fora de
forma e por cães atléticos, não sendo de estranhar que os cães excessivamente
mimados ajam também assim e os dominantes espreitem oportunidade para se pôr em
fuga.
As fugas por atraso do cão, típicas dos animais
mais submissos ou manhosos, que normalmente tiram partido das mudanças de
direcção, mostram no primeiro caso o desencanto, o desconforto, a insegurança e o
temor pela liderança, sendo mais comuns entre os cães mais jovens, mais
descuidados e menos amparados, insuficiências que obrigarão ao reforço da
memória afectiva canina e que poderão não dispensar qualquer tipo de
recompensa. Aqui o “não” de nada vale e tende agravar a situação, podendo
inclusive vir a inviabilizar a desejada condução em liberdade. Como as
fugas por atraso são também artimanhas vulgares nos cães manhosos, que
normalmente tiram partido das diferentes posturas dos condutores ou da repartição
da liderança, importa induzir os condutores a maior carga horária nos trabalhos
e à recapitulação doméstica dos exercícios escolares, para que o
condicionamento surta efeito. Independentemente dos casos, há que alertar os
condutores para o cuidado nas mudanças de direcção, para que nunca consintam no
atraso dos seus cães, usando sempre os comandos direccionais próprios que
antecedem e garantem o comando de “junto”.
Se as fugas por adiantamento ou atraso resultam de
desaguisados binomiais, as fugas por lateralização são por norma de natureza
social, ainda que nalguns casos resultem do mau hábito de soltar os cães por
toda a parte, mesmo antes de responderem peremptoriamente ao comando de “aqui”,
o que nos parece irrazoável (passará a criminoso se o cão, ao ensurdecer-se,
vier a morrer atropelado ou de outra forma). As fugas laterais acontecessem com
frequência quando há um ou mais cães por perto e o nosso intenta
familiarizar-se com eles, mercê de hábitos enraizados que desconsideraram a
familiarização para o alcance da sociabilização, levando o animal a considerar
todos como membros do seu grupo, o que lhe poderá causar alguns amargos de boca
(ser atacado por alguns cães ou vir a morder nalgum deles). Para a resolução do
problema, há que circular com o nosso cão atrelado no meio dos alheios e
deixá-lo brincar com os cães da sua classe, para que despreze os eventuais e
siga os escolares, que ao servirem de seus companheiros e mestres, o farão
membro do seu grupo, suprimindo assim as suas carências sociais. Aqui, como na
maioria dos casos, nenhuma culpa poderá ser atribuída aos cães. Entretanto, que
ninguém se assuste com as fugas iniciais dos animais, porque são parte do
processo pedagógico e o treino serve para as levar de vencida.
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