Toda
a gente sabe que a obediência tem uma condição exclusiva: o seu cumprimento
pronto e imediato, que um cão não tem mais ou menos obediência, ou tem ou não
tem, porque iremos necessitar dela para além das situações ideais, residindo aí
a causa de tanto treinarmos. Mas até lá, como deveremos proceder perante a
ineficácia das ordens e a inércia dos cães? Pelo suborno, pela coerção ou pela
violência? Por princípios éticos e por razões ligadas à salvaguarda dos animais
abominamos o suborno, pois queremos um cão impoluto e incorruptível.
Dispensamos a coerção porque entendemos que a indução por pressão, a
intimidação e a ameaça desgastam e vulnerabilizam os animais, o que não interessará
a donos e cães, já que procuramos um cão equilibrado e queremos que confie em nós. Muito menos nos
interessa a violência para o alcance de um ou mais objectivos, mesmo que o
procurado seja atingido, porque rebentamos com o cão de uma vez por todas,
procedimento criminoso que pode ainda ter como consequência a sua desvalia, o
que normalmente acontece por perca de confiança, insegurança e medo do castigo,
prática infelizmente recorrente até no aconchego do lar (toda a vida ouvi dizer
que se um cão urinasse ou defecasse em casa, a melhor maneira de o ensinar a
ser limpo seria a de lhe esfregar o focinho na trampa ou dar-lhe com um jornal
na cabeça).
A
solução resultará uso dos comandos que o cão já assimilou e que imediatamente
antecedem ou precedem aquele a que teimosamente resiste, despoletando nele a
sua memória mecânica sem contudo prejudicar a afectiva. É sabido que a
repetição das ordens não contribui para a celeridade das acções caninas, antes
as atrasa e tende a invalidar os comandos proferidos. Para melhor se
compreender o que acabámos de dizer, vamos a um exemplo concreto. Determinado
cão, deixado previamente debaixo do comando de “quieto”, distante do dono e
imobilizado na posição de “deita”, não responde ao comando de “aqui”, apesar do
seu líder repetir amiúde esse comando. Como deverá proceder o proprietário canino,
já que o cão se ensurdeceu, permanece imóvel e não responde a qualquer
estímulo? Ao invés de gritar o comando, que transformaria o desinteresse em medo,
o dono deverá dar-lhe a voz de “de pé” ou a de “senta” se cão souber fazer e
estiver mecanizado no tri-comando básico de modo ascendente (deita, senta e
alto).
O que é válido para os comandos ou figuras de imobilização é-o também
para os comandos direccionais (troca, roda, à frente, atrás, para trás, abaixo,
up, etc.), porque também eles obedecem a uma sequência operacional previamente
alcançada e memorizada pelo animal, de acordo com a natureza dos percursos e a
sua solução. Imagine-se um cão que demora a recuar à medida que se vai
afastando da presença do dono, desrespeitando a cadência ordenada. O
procedimento correcto será chamá-lo através do “aqui” e ordenar-lhe outra vez o
comando de “para trás”, repetindo o mesmo procedimento até ao alcance do
resultado esperado. Há quem chame a isto “contra-procedimento”, apesar deste
ser o procedimento correcto, já que é uma medida contra a desobediência canina
nos processos de aprendizagem. Espera-se na cinotecnia o domínio do inteligente
sobre o irracional, já que a lei do mais forte é típica dos animais que não alcançam
os recursos lógico-racionais e desconhecem que a comunicação pode ser usada
como estratégia.
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