sábado, 19 de julho de 2014

DO ASSIMILADO PARA O PRETENDIDO

Toda a gente sabe que a obediência tem uma condição exclusiva: o seu cumprimento pronto e imediato, que um cão não tem mais ou menos obediência, ou tem ou não tem, porque iremos necessitar dela para além das situações ideais, residindo aí a causa de tanto treinarmos. Mas até lá, como deveremos proceder perante a ineficácia das ordens e a inércia dos cães? Pelo suborno, pela coerção ou pela violência? Por princípios éticos e por razões ligadas à salvaguarda dos animais abominamos o suborno, pois queremos um cão impoluto e incorruptível. Dispensamos a coerção porque entendemos que a indução por pressão, a intimidação e a ameaça desgastam e vulnerabilizam os animais, o que não interessará a donos e cães, já que procuramos um cão equilibrado e queremos que confie em nós. Muito menos nos interessa a violência para o alcance de um ou mais objectivos, mesmo que o procurado seja atingido, porque rebentamos com o cão de uma vez por todas, procedimento criminoso que pode ainda ter como consequência a sua desvalia, o que normalmente acontece por perca de confiança, insegurança e medo do castigo, prática infelizmente recorrente até no aconchego do lar (toda a vida ouvi dizer que se um cão urinasse ou defecasse em casa, a melhor maneira de o ensinar a ser limpo seria a de lhe esfregar o focinho na trampa ou dar-lhe com um jornal na cabeça).
A solução resultará uso dos comandos que o cão já assimilou e que imediatamente antecedem ou precedem aquele a que teimosamente resiste, despoletando nele a sua memória mecânica sem contudo prejudicar a afectiva. É sabido que a repetição das ordens não contribui para a celeridade das acções caninas, antes as atrasa e tende a invalidar os comandos proferidos. Para melhor se compreender o que acabámos de dizer, vamos a um exemplo concreto. Determinado cão, deixado previamente debaixo do comando de “quieto”, distante do dono e imobilizado na posição de “deita”, não responde ao comando de “aqui”, apesar do seu líder repetir amiúde esse comando. Como deverá proceder o proprietário canino, já que o cão se ensurdeceu, permanece imóvel e não responde a qualquer estímulo? Ao invés de gritar o comando, que transformaria o desinteresse em medo, o dono deverá dar-lhe a voz de “de pé” ou a de “senta” se cão souber fazer e estiver mecanizado no tri-comando básico de modo ascendente (deita, senta e alto).
O que é válido para os comandos ou figuras de imobilização é-o também para os comandos direccionais (troca, roda, à frente, atrás, para trás, abaixo, up, etc.), porque também eles obedecem a uma sequência operacional previamente alcançada e memorizada pelo animal, de acordo com a natureza dos percursos e a sua solução. Imagine-se um cão que demora a recuar à medida que se vai afastando da presença do dono, desrespeitando a cadência ordenada. O procedimento correcto será chamá-lo através do “aqui” e ordenar-lhe outra vez o comando de “para trás”, repetindo o mesmo procedimento até ao alcance do resultado esperado. Há quem chame a isto “contra-procedimento”, apesar deste ser o procedimento correcto, já que é uma medida contra a desobediência canina nos processos de aprendizagem. Espera-se na cinotecnia o domínio do inteligente sobre o irracional, já que a lei do mais forte é típica dos animais que não alcançam os recursos lógico-racionais e desconhecem que a comunicação pode ser usada como estratégia. 

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