domingo, 14 de novembro de 2010

A trela é uma arma

Não queremos aqui plagiar os ditos cantores de intervenção e um tema que lhes foi querido: “A canção é uma arma”, mas promover a defesa daqueles que rotineiramente saiem à rua com o seu cão e que temem pela sua segurança, despreparados, distantes das câmaras, de um policiamento eficaz e em horas passíveis de maus encontros, face ao aumento da criminalidade urbana e à inevitável instabilidade social que se agiganta. Os jovens de hoje já não tiveram a felicidade de brincar na rua, as nossas crianças idem, o que lhes dificulta a sua segurança, a defesa sua da integridade e a dos seus pertences, nem que seja a de um simples par de ténis. Diante de tal cenário e contrariando os mais optimistas, a ideia geral é: levem tudo mas não nos façam mal! Atendendo à situação ainda bem que assim é! Até à década de 70 do século passado (parece que foi ontem para os mais maduros e uma eternidade para os mais jovens), era comum ver-se pelas ruas e em todos os bairros bandos de crianças à solta: “índios e cow-boys”, “polícias e ladrões”, “portugueses e espanhóis”, heróis bravamente empenhados na liça e sempre atrasados para o jantar. No olho da rua todos aprendiam a defender-se, a juntar-se ao seu grupo e a ripostar as incursões dos bandos rivais. Qualquer jogo podia acabar “à pêra” ou à pedrada e raros eram aqueles que se iam queixar para casa, porque ainda apanhavam mais. As medalhas eram ganhas com nódoas negras e ocasionalmente alguém partia a cabeça. Coisas de miúdos! - Diziam os mais velhos. Hoje as ruas são doutros índios, de ladrões autênticos e doutros que nem espanhóis são! Dos cow-boys não há memória, ser polícia é ingrato e os portugueses passaram à história (acoitam--se em casa).

Quem passeia ao romper da aurora e ao lusco-fusco quando os polícias de turno são recolhidos e quando todos vão prà cama? Quem vagueia por locais ermos e por vielas ignotas? Certamente os proprietários caninos, gente que trabalha durante o dia e que se vê a braços com o repúdio geral, plebe segregada e sujeita a uma catrefa de proibições, cidadãos indefesos por força das circunstâncias, o que tem levado muitos ao abandono da excursão diária e ao borrar consentido dos animais dentro de casa, pois se para certa casta de marginais o cão é um entrave, para outros ele será o melhor dos pretextos, considerando o seu à vontade e a tradicional inoperância defensiva dos cães familiares, mais carentes de protecção e menos dados a desafios.

Quem já combateu na rua sabe da importância do elemento surpresa e da vantagem de quem dá primeiro, que o perigo sempre espreita e da necessidade das costas também verem. Passear na selva urbana é uma opção arriscada e obriga a todos os cuidados, porque os meliantes aguardam ocasião e têm grande predilecção por gente distraída, não são exigentes no furto e qualquer coisa lhes serve de ganho, apesar de violentos e isentos de maiores escrúpulos. Quando passear ao romper da aurora procure circular junto das áreas mais movimentadas (estações de comboios, paragens de autocarro, postos de combustíveis, livrarias, quiosques, cafés, etc.), evite as estradas desertas, os locais de difícil acesso e as azinhagas mal iluminadas. À noite respeite as mesmas condições e evite as zonas densamente arborizadas, porque são excelentes locais de ocultação para quem se serve das embocadas. É de todo recomendável que saia de casa acompanhado por algum familiar ou por outros condutores de cães. Evite o cruzamento próximo com vielas escuras, porque não sabe o que o espera pra lá da esquina, abandone o passeio e passe para o lado contrário, o que lhe dará mais tempo para agir e obrigará o embuçado a mostrar-se, manobra de que não se agradará. Também nos cruzamentos evite circular com o seu cão “à frente”, para que o criminoso não se entreponha entre si e o seu companheiro, dificultando desse modo a defesa de ambos. Saia com o seu cão à rua debaixo do comando de “atenção” e varie sistematicamente os passeios. Se algum desconhecido lhe perguntar se o cão morde, não se faça rogado, peça-lhe que se afaste e diga-lhe que o danado até morde nas estrelas, mesmo que isso não corresponda à verdade, porque tal poderá evitar o assalto imediato ou à posteriori. Ensine o seu cão a ladrar e peça-lhe que o faça diante de indivíduos suspeitos ou de intenções duvidosas, porque o ladrar é um aviso e ninguém sabe quando passará à ameaça. Não estoire o animal e deixe-o recuperar em zonas seguras, pois poderá vir a precisar da sua ajuda para o socorro de ambos. Acostume o animal a refrescar-se somente em casa e não consinta que ele se afaste da sua vista quando intentar defecar, pois pode acabar ludibriado e facilitar o seu assalto. Estas são algumas medidas preventivas para evitar confrontações indesejáveis, lamentáveis escaramuças onde só perde quem tem e quando menos se espera.

Acautelando a possível confrontação, infortúnio que abominamos e queremos evitar a todo o custo, é desejável que o binómio se encontre em maioria e que você se sirva do cão como escudo e da trela como lança, desde que o assaltante não venha munido de arma de fogo. O cão já deverá saber defender-se e contra-atacar, para poder ser solto e evitar assim o manietar do dono. A trela possibilita diferentes movimentos e acções, evoluções circulares de diversas combinações que projectam golpes bastante contundentes, quando usada como funda e dardo constantes ou como matraca, o que dificultará a abordagem do assaltante, a braços com o cão e sujeito e sujeito a contra golpes. O conjunto do fecho com o remate da trela, e estamos a referir-nos aquela que usamos, pesa sensivelmente 300 g, podendo atingir velocidades entre os 90 e os 135 km/h e alcançar forças de impacto entre os 27 e os 40.5 kg, dependendo isso da aceleração imprimida (se 2 ou 3 voltas por segundo), o que poderá ser letal ou colocar o agressor KO diante da certeza de algum golpe. A trela deverá trabalhar como reforço das acções caninas atingindo o assaltante noutras zonas do seu corpo, o que dificultará deveras a sua defesa, porque se agarrar a trela não se poderá defender das arremetidas do nosso companheiro. Nunca se deverá perder a trela para o assaltante, porque ao munir-se dela poderá neutralizar os ataques do cão e causar-nos igual dolo. Neste caso, de imediato e para além do incentivo a dar ao animal, seremos obrigados ao confronto físico e à luta corpo-a-corpo, usando para isso os pés e as mãos, estímulos que o cão bem aproveita e que reforçam o seu instinto de presa.

Qualquer confronto exige uma predisposição inata, uma preparação prévia e sangue frio, condições para muitos inalcançáveis ainda que em sonhos as desejassem. Diz-se que a necessidade aguça o engenho, que determinada cultura banaliza acções que outras culturas não alcançam e que a experiência tende a vencer os obstáculos seus conhecidos. Já vimos casos em que isso aconteceu e lamentavelmente muitos mais onde tal não se verificou. No entanto, considerando os possíveis ataques à sobrevivência dos proprietários caninos, aconselhamos que adquiram técnicas de defesa pessoal, subsídios que lhes garantam a defesa da sua integridade, muito embora a sabedoria possa desarmar os intentos de uns tantos, sendo por isso mesmo a melhor arma, porque trabalha por antecipação e produz o desconserto alheio, apesar da absorção do conceito não se propagar à prática na cabeça de muitos, fenómeno justificado pela sua individualidade. E porque não podemos ficar de braços cruzados e entregar ao fado todos os infortúnios, treinamos a defesa com a trela nas diferentes induções que praticamos, tendo o cuidado de proteger as cobaias. A trela é e pode ser uma arma, tal qual uma moeda ou um simples pente, o que a torna eficaz é o seu uso acertado, o que nos remeterá para a mecanicidade das acções, sem contudo desaconselharmos a procura de qualquer confronto, até porque qualquer ataque é inválido se desconsiderar o contra-ataque e qualquer arma levará ao surgimento de uma contra-arma. Diante disto, a prevenção será sempre a escolha mais acertada.

O cão ioiô

Chama-se “cão ioiô” ao guardião que produz ataques de surtida e que de pronto, sem ordem de cessação, os abandona e regressa ao seu território. O fenómeno é típico dos cães defensivos e é mais comum entre as cadelas, mas também pode resultar da impropriedade da liderança, já que o cão se refugia por não encontrar apoio e desconsiderar ou temer a liderança. Todos os donos que apenas felicitam os seus cães pela aceitação da repressão não podem esperar deles grandes momentos de explosão, porque os animais partem inseguros e aguardam a repreensão. O travamento exagerado produz destas coisas e a inibição é o melhor dos antídotos contra os poucos instintos visíveis nos cães. Que cão chegará aos ataques superiores se desde cedo se viu privado de saltar para o dono, por lhe sujar a roupa ou ser inconveniente?

O cão que corre sem lebre à frente

Todo e qualquer condicionamento canino não dispensam um dono incondicional e será a disponibilidade humana que definirá a qualidade do adestramento a acontecer. Quando um cão evolui para além da qualidade do seu instrutor, isso deve-se ao acerto eugénico do seu criador, aos pressupostos selectivos e à carga genética do cão. Ao invés, a acontecer a supremacia do peso ambiental sobre o pendor genético, isso ficar-se-á a dever ao conserto emocional fornecido pela afectividade enquanto terapia. A haver incompatibilidade binomial nos processos educativos, quando se assiste a um desgastante duelo de vontades, para além das insuficiências, incapacidades ou dificuldades a atribuir aos cães, fala mais alto o despropósito da liderança, por desacerto nos estímulos, despreparo emocional, desacompanhamento objectivo, ignorância e desconsideração do particular do indivíduo canino. Os métodos a utilizar podem suavizar o relacionamento, mas jamais poderão substituir a afectividade que estabelece a genuína unidade de propósitos. Nenhum cão corre sem lebre à frente e todos procuram um prémio, a parte que lhes toca e o agrado do dono, o espólio e a aceitação social. Sabedores que a afectividade vem pelo trato e pelos momentos divididos, debaixo da nossa supervisão, prolongamos as lições e as actividades escolares, para que os cães passem mais tempo acompanhados e menos sujeitos ao isolamento, mais tempo na escola e menos tempo no canil.

O que é um bom aluno da escola?

Esta é uma pergunta que poucos alunos equacionam, mas que nenhum adestrador poderá desconsiderar diante da continuidade da sua escola. Um bom aluno será certamente um bom praticante, alguém com um bom índice de progresso e um colaborador solícito, um elemento pronto a ajudar que zela pelo bom andamento das classes. Até aqui toda a gente chega, mas será que não deverá ir para além disso? De que valerá esse diamante se não for visto e apreciado por outros, se não suscitar deles o desejo da mesma prática, o ensejo da mesma mestria e ser um recrutador? Fazer dos desaparecidos santos e dos mortos percas irreparáveis é fácil, veja-se o exemplo do “homem do adeus” que hoje faleceu, um cidadão que acenava aos automobilistas durante a noite entre as Picoas e o Saldanha. Um bom aluno escolar é aquele que projecta o bom-nome da escola e que tudo faz para que outros lá cheguem, muitas vezes a despeito das suas mais-valias técnicas. Quando tal não acontece e os alunos procedem de modo diverso, muitas vezes por causa de entraves sociais que lhe são próprios, só resta à escola sair para o exterior, carregar os alunos consigo e transformá-los em produto apetecível.

Novo binómio

Deu entrada nas nossas fileiras no dia 7 do corrente mês um novo binómio, o constituído pela Leonor Machado e pelo Blitz. Segundo o que nos fizeram saber, o Blitz é criação da Quinta de Salomão em Águeda e é filho do CPA Timmy von Burbacher-Bruch, um cão oriundo de Espanha, isento de displasia e averbado com B.H. e RCI III. À parte disso, pouco mais tem do que um ano de idade, é um cão simpático, afectuoso e alegre, portador de uma cabeça negra e de pêlo comprido. Desejamos para o binómio um excelente aproveitamento e manifestamos aqui o nosso bem-vindo.

Caderno de ensino: XXXVII. O ladra

Condicionar um cão a ladrar é tão-somente aproveitar uma das suas vozes naturais, muito embora existam raças que ladrem mais do que outras. Podemos fazê-lo por aproveitamento, instigação ou persuasão de acordo com as características individuais de cada cão. O que se procura é o ladrar ordenado e não o instintivo, considerando a sobrevivência dos cães, o uso a dar-lhes e a salvaguarda binomial. Convém que o comando transite para a linguagem gestual e seja accionado por ela, o que impedirá a denúncia do binómio e possibilitará o uso do cão à distância. O ladrar é naturalmente uma voz de aviso que antecede o rosnar, que tanto o pode substituir como eliminar. Ensinar os cães mais submissos a ladrar é um requisito indispensável e um subsídio para a vida, considerando a sua ajuda ou socorro, porque o ladrar soa mais alto que o vulgar gemido. E neste sentido, fomentar o ladrar irá implicar num melhor equilíbrio dos indivíduos. Por outro lado e servindo o mesmo propósito, também os donos dos cães agressivos saiem a ganhar, porque vêem aumentado o seu controlo sobre eles, evitando assim a transição automática do rosnar para o ataque. Para além do aviso, o ladrar pode ser usado como intimidação tanto dentro do lar quanto nas saídas ao exterior. Diante das actuais especificações caninas o ladrar tem vindo a ser usado como sinal de identificação ou detecção.

Mais do mesmo e menos do mais

Trabalhámos estes fim-de-semana as diferentes disciplinas cinotécnicas que ensinamos. Alguns alunos continuam com dificuldades na obtenção do “quieto”, mais por culpa própria do que pelas dificuldades apresentadas pelos seus cães, já que alguns só se lembram dos animais na hora do treino, o que não deixa de ser uma atroz violência., porque nenhuma desculpa invalida o compromisso voluntário assumido com os cães. A postura que aqui condenamos acaba por condenar o rendimento das classes e saturar os alunos mais aplicados, o que é compreensível atendendo a justeza dos seus propósitos. Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: António/Shadow, Carla Ferreira/Dirka, Célia/Igor, Francisco/Nick, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Leonor/Blitz, Luis Leal/Rocky e Teka I, Megan/Champ, Patrícia/Boneca, Rodrigo/Tarkan, Teresa/Buster, Tiago/Sane e Vitor Hugo/Yoshi. Os NE’s Fátima Figueiredo, Olga Oliveira e Rui Coito participaram também nos trabalhos.

sábado, 6 de novembro de 2010

E já agora, porque não construir o 1º lupino português?

Agora que a hibridação parece ter vindo para ficar, muito se tem falado sobre uma nova tendência, a do cruzamento do Pastor Alemão com o Malinois, bastardia que muitos julgam excelente e outros miraculosa, a despeito das raças e em prol de pretensos benefícios, como se o alemão precisasse de maior inquietude e o belga de mais juízo, o primeiro de maior instinto e o segundo de melhor personalidade. Ainda não sabemos se a ideia terá muitos adeptos ou se fica pelo desejo, porque o mundo é feito de mudança e altera-se a olhos vistos. A incontestada supremacia laboral dos lupinos dentro da canicultura levou muitos países à formação de um cão nacional com essas características. Assim nasceram os Pastores Holandeses, o Lobo Checo, o Lobo Italiano, O Pastor de Shiloh, entre tantos outros. Agora que em Portugal a investigação científica começa a dar mostras da sua credibilidade, havendo por cá excelentes genetistas ou geneticistas, etólogos desempregados e treinadores credíveis, porque não construir o 1º lupino português? A raça nacional mais próxima deste grupo somático é o Cão de Castro Laboreiro, um lupóide amastinado, mais mastim e menos lupóide à medida que o tempo passa. No passado recente alguém tentou fazê-lo, lançando mão do Pastor Alemão e do Podengo Gigante, o projecto não passou da fase embrionária, foi inconclusivo e bem depressa foi abandonado, porque foi feito às expensas de um canil e sem qualquer subsídio. Sabemos como fazer e temos gente para isso, não nos falta mercado interno e podemos chegar à exportação, O que será melhor para todos: andar constantemente a comprar ou ter algo valioso para vender? Este é um desafio para os novos canicultores, a canicultura nacional agradece e o País só tem a ganhar com isso. Continuaremos eternamente a andar com cães alheios?

A queda da liderança e a ascensão do condicionamento

Desde o último quarto do Sec. XX até aos nossos dias a canicultura e a cinotecnia sofreram profundas alterações tanto nos pressupostos selectivos quanto nos métodos de treino, mudanças que resultaram do avanço científico, do questionamento social, de uma menor exigência, de uma maior sensibilidade e também da banalização dos cães. O passar dos anos levou à inevitável troca de gerações e nalguns casos ao rompimento entre a ancestral cinecultura e a actual, criando vazios pela reinvenção e atrasos pela ignorância, tendência comum entre nós na procura do último grito, num calcorrear de atalhos que nos leva à cópia, não fossemos um estado periférico, desnorteado e dependente de outros. A maior benfeitoria que os novos adestradores nos legaram, no meio de tantas outras, foi o condicionamento alegre e descontraído, um conjunto de regras que tenta substituir a indispensável liderança humana, tornando o uso dos cães ao alcance de todos, bem hajam!

Porém, como não há bela sem senão, a mecanicidade afectiva acabou por encobrir cães impróprios e desprezar outros de excelente qualidade, porque são mais difíceis, um pouco menos eufóricos e por vezes demasiado sérios, criando graves problemas ao facilitismo que por aqui faz escola. Por todo o lado e por onde menos se espera, existem cães à espera que os vão buscar, esquecidos em canis onde poucos ousam entrar, como se fossem feras ou monstros apocalípticos, papões de quatro patas ou habitantes do quinto dos infernos. Grande número dos actuais condutores cinotécnicos (podíamos usar outra designação), à imitação dos automobilistas, opta pelo “test drive” e procura um cão à medida das suas conveniências. Longe vão os tempos em que a escolha não era possível e o domínio do inteligente se sobrepunha às arremetidas do irracional. Hoje a palavra de ordem é incompatibilidade e partir dela se esconde o comodismo. Temos como experiência que os cães mais difíceis são invariavelmente os melhores, os menos sujeitos a subornos, os que mais se empenham e os que maior aptidão manifestam, companheiros em quem vale a pena apostar. Falta trabalho, porque os cães depois de atrelados rapidamente se submetem.

A recuperação dos medrosos

Nas andanças do adestramento há sempre um cão que nos espera, um medroso a necessitar de recuperação porque nasceu inibido ou muito-submisso, contrariamente aos da sua raça e da sua prestação, um anátema para muitos e um problema acrescido para o dono. Ao contrário dos cães que foram amedrontados, geralmente vítimas de um imprinting atabalhoado, duma má instalação doméstica ou duma liderança abusiva, cuja recuperação acontecerá sem grandes percalços pela alteração da liderança, pela promoção social e pela novidade de desafios, a recuperação dos cães geneticamente medrosos não irá ser fácil e necessitará do acerto de todos os agentes de ensino envolvidos, tanto no aconchego doméstico quando dentro do perímetro escolar.

Estes cães têm um comportamento marginal e irão obrigar a uma terapia própria e a medidas excepcionais, porque desde cedo se isolam e sujeitam-se às investidas dos seus pares. A sua extrema dependência quando associada a uma inusitada carga instintiva levá-los-á a alimentar-se debaixo de suspeita, a carreiras evasivas, à troca da defesa pelo esconderijo, ao evitar de confrontos, ao temor face à autoridade e à resistência diante da novidade. O problema é anterior à transição do canis lupus para o lupus familiaris e ao eugenismo operado pelo homem, muito embora o último tenha contribuído para a sua proliferação, porque doutro modo dificilmente estes animais sobreviveriam nas alcateias, particularmente durante estações ou ecossistemas parcos em alimentos. Apesar de definhar dentro de uma matilha, o cão medroso sentir-se-á ali mais protegido do que perante a irrecusável constituição binomial, mercê do seu particular biológico, das suas características inatas e histórico social, condições que irão dificultar excessivamente a sua futura integração.

Apesar de subsistirem casos ligados à sagacidade de quem os vende e à ignorância de quem os adquire, a maioria dos cães medrosos chegará às nossas casas por comiseração, sentimento que mais tarde poderá transformar-se numa temível decepção e perpetuar pródigos desalentos na pessoa dos seus benfeitores, porque contrariamente ao amor, as paixões são volúveis e o desânimo enfraquece. A recuperação de um cão com estas características aponta para um processo inequívoco de reeducação, só possível pela dependência canina e pela alteração do seu viver social, esforço conjunto direccionado ao despoletar condicionado dos seus impulsos herdados indispensáveis e que induzirá a um renascimento por parto ambiental. Ainda que o sucesso seja possível, sempre será mais fácil regrar um valente do que suscitar valentia a um medricas. A haver alteração, ela resultará em primeira instância do super empenho do agregado humano, esperançado e apostado na sua recuperação. Dono e demais família do lar adoptivo, adestradores, condutores e cães escolares, todos estarão implicados neste projecto colectivo que visa esta emancipação individual, enquanto arautos da esperança e artífices da mudança.

Para além do combate ao logro e porque entendemos a venda de cães como uma prestação de serviço, quando detectamos um cão medroso aconselhamos de imediato a sua aquisição pelo criador, desde que na progenitora ou nos seus progenitores tal fenómeno não seja por demais evidente, o que comprometeria seriamente o desenvolvimento salutar do cachorro, atendendo a precariedade dos seus mestres. A excessiva agressividade dos progenitores, particularmente quando descontrolada e fortemente empenhada na defesa hierárquica, também não servirá os nossos propósitos, o que nos levará a aconselhar a doação do cachorro, conselho que manteremos diante da impossibilidade, impotência ou impropriedade do seu criador. Exceptuando estes casos, é de todo desejável que a recuperação do cachorro aconteça no lar que o viu nasceu e junto daquilo e daqueles que sempre conheceu. Por outro lado, a procura conhecedora e exigente obrigará os criadores ao mesmo encargo diante de igual problema, também porque vender um cão de fraca qualidade implicará em prejuízos imediatos e duradouros, mesmo que se abandone a criação, o que não virá a impedir o emporcalhar do bom-nome desses criadores eventuais.

A doação do cachorro problemático deverá considerar a sua recuperação e bem-estar, atentar para o perfil psicológico do obsequiado (que deverá ser experiente, disponível, empenhado, tolerante e compassivo), para as condições que oferece e para a existência ou não doutros cães de que poderá ser proprietário. Como o problema tem reflexos sociais e apostamos na transcendência operativa ambiental, não descuidando o possível contributo positivo de outros cães (biológico), é desejável que o cachorro venha a conviver um cão adulto do sexo oposto, equilibrado e razoavelmente controlado, porque a recuperação de um cachorro macho acontece naturalmente pela generosidade de uma cadela adulta e uma fêmea jovem sentir-se-á segura junto de um macho decidido, imitando-o e seguindo-o por toda a parte (vai com as costas quentes). O convívio entre cadelas deverá ser evitado, particularmente após a maturidade sexual, momento em que a mais velha procurará o agrado da liderança e escorraçará a mais nova da sua presença, fortalecendo-se de sobremaneira e enfraquecendo a outra sobejamente mais carenciada de ajuda. Do mesmo modo, a amizade entre um cachorro medroso e um cão adulto será comprometida durante o cio duma cadela residente, quando o instinto sexual despoletar sem rodeios o impulso ao poder do mais velho. A coabitação do cachorro problemático com cães castrados, considerando a sua recuperação, tanto poderá ser benéfica como catastrófica, ficando isso a dever-se ao carácter desses eunucos, à ocasião da mutilação e aos seus reflexos (taras e singularidades).

Assim, coabitação no lar adoptivo com outro cão garante a celeridade do processo reeducador, particularmente no convívio canino sem o espectro da exiguidade territorial e na permanência do espaço que lhes é comum. Este entendimento biológico, quando reforçado pela cumplicidade entre o líder e cão adulto, suscitará do cachorro a competitividade que gera a brincadeira, levá-lo-á a aceitar a hierarquia de modo natural e a assimilar a liderança como uma experiência feliz., porque só o equilíbrio doméstico poderá garantir as saídas ao exterior sem maiores atropelos. Os membros do agregado familiar, enquanto elementos neutros, deverão coibir-se de dar ordens ao cachorro ou proceder-lhe a reparos, forçar a sua presença ou contribuir para o seu afastamento, o que implicaria numa despromoção social facilmente absorvida pelo infante e que comprometeria a sua desejável ascensão. A brincadeira e a distribuição de brinquedos propicia a obtenção dum espólio próprio e as crianças responsáveis podem contribuir para a eliminação do espectro da autoridade, graças à parceria, à relação de proximidade, particularidade vocal e de interesses, à menor rigidez de postura e ao reduzido volume da sua silhueta, subsídios pedagógicos de valor inestimável para a recuperação do cachorro. A constituição binomial resultará das brincadeiras divididas com o cão adulto, da contribuição do agregado familiar e da propriedade da liderança, legitimada pelo exemplo e fundamentada na cumplicidade.

Se houver necessidade de atrasar o treino escolar, coisa difícil de acontecer diante do cenário acima descrito, espera-se o tempo necessário e o surgimento da autonomia que o suporta, porque o tempo não é um obstáculo mas um amigo que corre em nosso auxílio. No treino e porque queremos aproveitar a plasticidade física e cognitiva presente nos cachorros entre os 4 e os 6 meses de idade, abraçaremos a mobilidade em desfavor do travamento, os subsídios direccionais em prejuízo dos de imobilização, insistiremos na ginástica e no “junto”, porque sabemos que o desenvolvimento físico providencia o aumento cognitivo e que a experiência variada e rica opera por equilíbrio o seu desenvolvimento. A troca gradual de condutores, as distintas manobras de sociabilização, a disciplina das classes e o exemplo dos cães mais velhos tornarão viável a recuperação quase absoluta do cachorro, sintonizando-se com a sua espécie e preparando-o para a vida entre os homens, solicitando-lhe serviços que naturalmente e por si mesmo jamais alcançaria. Nisto reside a força do amor, dínamo do adestramento, força que massifica e quantifica os sentimentos nesta exigente arte de ensinar cães.

Poderá um cachorro medroso transformar-se num autêntico cão guardião? Sim e não, se entendermos a disciplina de guarda sem subtilezas e como modo de confrontação. Sim - se os simulacros produzirem alteração, preparação e capacitação; não - diante da novidade, da surpresa e na ausência de reciclagem, porque o condicionamento não ultrapassa a experiência animal e não consegue esconder os seus entraves individuais, apesar de muitos cães com estas características poderem vir a alcançar excelentes resultados em provas, por força da ficção que se transforma em realidade. O cão genuinamente guardião nasce assim e o devidamente estimulado adquire um comportamento quase idêntico, facto que toda a gente reconhece e que recentemente vimos denunciado, mais uma vez, no opúsculo “The Downfall of the German Shepherd” da autoria de Koos Hassing, cinotécnico holandês de reconhecidos méritos desportivos, um contestador de fórmulas sem questionar a sua essência ou denunciar a sua filosofia. Aqui como noutras disciplinas e para além das características individuais de cada cão, só a experiência sustenta a soberania do condicionamento.

Para transformar um medroso num guardião é necessário revitalizar-lhe os impulsos herdados inerentes a essa prestação, activando cada um deles pelo reforço positivo e dando tempo ao progresso. A primeira meta a atingir será a do bem-estar entre iguais, depois seguir-se-á a aceitação da liderança, logo a seguir a sociabilização e finalmente as induções. Provavelmente teremos de alterar as dietas, insistir na ginástica e não desprezar a recompensa. As induções começarão por ser domésticas, evoluirão para a Escola, acontecerão noutros terrenos e revitalizar-se-ão de novo em casa, considerando a fragilidade do seu particular gregário e a resistência que oferece perante a novidade de territórios e circunstâncias. As induções recairão inicialmente sobre o objecto e nunca sobre a pessoa do agressor, por convite e não por desafio, devendo ser projectadas debaixo do mesmo estímulo e acontecer sob condições óptimas, aquelas que o cão conhece e que lhe darão a certeza da vitória. Para que o cão vá adiante é necessário que perca o medo das pessoas, que as considere ao seu alcance e sujeitas ao seu domínio, benefício que geralmente alcançamos pelo exercício do APC e pelo convite à transposição de obstáculos humanos, debaixo de subsídios direccionais amplamente repetidos até se constituírem em rotinas, porque a familiarização é um trunfo que não podemos dispensar. Os indivíduos convidados para este trabalho não deverão temer por si , tudo fazendo para que a normalidade se mantenha e o imprevisto não gere confusão ou provoque retrocesso.

Sem o contributo dos obstáculos humanos, sucessores da sociabilização e pilares da familiarização, mesmo que o cão invista tenazmente contra a manga e proceda a vários derrotes, jamais se sentirá à vontade nas arremetidas superiores, porque a proximidade da presa e a ocultação do acessório provocar-lhe-ão estranheza, não rara suspeição e a suspensão antecipada das ordens. De início, todo e qualquer estratagema empregue ou manobra escolhida deverão privilegiar a acção em detrimento do travamento, que deverá acontecer pela rendição forçada dos figurantes (por suspensão da provocação, imobilidade, queda ou rendição). A indiferença aos tiros deverá ser alcançada (já explicámos como no nº XXIX do Caderno de Ensino) e os contra-golpes a aplicar deverão sempre considerar a indiferença ou resistência do cão, porque precisa de se sentir e sair vencedor, como um predador sobre a presa e nunca o contrário. Apesar do tipo, amplitude e constância no ladrar serem de origem genética, eles irão necessitar de treino específico e de potenciação, face ao desuso costumeiro do cão e perante a premente necessidade do aviso, já que a intimidação funciona e raramente causa vítimas, o que neste caso melhor serve ao cão. Preparar um cão para provas é como adiantar a solução de um teste, porque o bicho sabe ao que vai e dificilmente será surpreendido. Prepará-lo para os desafios do quotidiano será mais árduo, porque a cada minuto emerge uma novidade e contra nós se aguça o engenho.

Sol na eira e chuva no nabal

Usámos este fim-de-semana para a aplicação prática dos conteúdos constantes no Caderno de Ensino. A chuva assustou alguns alunos e deixou outros sem telefone, incomunicáveis e sem hipótese de receberem ou devolver chamadas. A instrução decorreu em 3 locais diferentes e a chuva poupou-nos. Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Bruno/Iris, Célia/Igor, Francisco/Iris, Francisco/Nick, João/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Luis Leal/ Rocky & Teka I, Megan/Champ, Miriam/Índigo, Nuno SP/Nicky, PSPedro/Tag, Rodrigo/Tarkan, Tatiana/Teka, Tiago/Sane, Teresa/Buster e Vitor Hugo/Yoshi. Colaboram nos trabalhos os seguintes NE’s: Fátima Figueiredo, Pedro Figueiredo e Rui Coito.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O peso dos 4 meses no cão do amanhã

As considerações aqui adiantadas reportam-se ao desenvolvimento do CPA, muito embora possam ser válidas para cães com curvas de crescimento idênticas, igualmente rectangulares e com o mesmo coeficiente de envergadura (CAP). Tanto o peso quanto a altura aos 4 meses de idade são indícios claros do que virá a ser o futuro cão, já que nessa ocasião atingirá de 71 a 73% da sua altura e à volta de 54% do peso indicado pelo estalão. Nunca nos conformámos com exemplares pequenos, pernaltos ou débeis, atendendo à presença ostensiva, à robustez pró serviço, à força de impacto, ao instinto de presa e ao ajuste binomial. Por causa disso pesamos os cachorros à nascença, depois semanalmente e após o desmame mensalmente, porque sabemos que os exemplares mais fracos, os que não recuperarem até à 9ª semana de vida, dificilmente o farão depois disso, crescendo deficitários tanto na ossatura quanto na envergadura, por razões genéticas ou ambientais, isoladas ou combinadas, intrinsecamente ligadas à ignorância e ao factor económico. Não havendo desaproveitamento do património genético, um cachorro CPA saudável deverá pesar aos 4 meses 40 vezes mais do que pesou à nascença, sem agravo nos aprumos, aceleração dos ritmos vitais ou dificuldades locomotoras. A proliferação de CPA’s anões ou ratões resulta da matreirice de alguns e da austeridade de outros, podendo encontrar razões em desmames precários, em beneficiamentos sem sentido, na consanguinidade, num património genético deplorável e numa dieta inadequada ou forçada. Sempre será melhor comprar cachorros a quem não necessita deles para sobreviver, porque a relação preço-qualidade nas ninhadas sempre será suportada pela escassez de alimento adequado no bucho de quem não fala.

Tomando como exemplo o caso dos cachorros machos aos 4 meses de idade, vemos com alguma apreensão os exemplares com menos de 18 kg quando desejamos para eles 21.750 kg, porque geralmente serão frágeis e pequenos ou pernaltos se a altura estiver de acordo com a tabela de crescimento. Estes animais, naturalmente ou condicionados à força, revelam um fraco impulso ao alimento o que irá condicionar o seu instinto de presa, porque mal usando os dentes para comer, dificilmente os usarão com afinco para outro préstimo. Isso irá implicar num equilíbrio binomial baseado na desconfiança, no desinteresse ou menor força de transporte, numa prestação precária na pistagem e em ataques incertos e de surtida, tornando-se irremediavelmente em animais defensivos e por demais dependentes dos donos e das circunstâncias, indiferentes à recompensa e altamente propensos à recusa de engodos. As fêmeas com a mesma idade e abaixo dos 14 kg incorrem nas mesmas dificuldades e patenteiam as mesmas tendências, não devendo procriar se a sua recuperação não acontecer, porque o seu leite será de pouca qualidade e escasso, atrasando dessa forma o crescimento da sua prole e legando-lhe as mesmas menos valias comportamentais. Quem começa mal na criação e daí espera alcançar sucesso, desperdiça tempo e dinheiro, presta um mau serviço e sempre se vê rodeado de gulosos, gente que espreita oportunidade e que não se compadece de paixões.

Nunca é demais relembrar que aos 4 meses, quando em contacto com outros cães adultos, os cachorros são impelidos a segui-los, dando início à excursão que os levará ao entendimento do seu viver social. Com eles aprenderão a juntar-se ao seu bando, a achar pistas, a caçar, a identificar perigos, presas e inimigos. É nesta ocasião que começam a absorver a hierarquia, viver social que se firmará por volta dos seis meses de idade. Como diz o povo: “quem vai para o mar avia-se em terra” e o cachorro aos quatro meses já deve partir ataviado da robustez para essa aventura, rica em experiências que se tornarão para ele em lições de vida. É nesta fase da vida dos cachorros que iniciamos o seu treino, valendo-nos dos cães adultos escolares que se transformarão em seus guias, segundo o Método de Trumler e por aproveitamento da precocidade, no acompanhamento dos seus ciclos infantis a partir da experiência variada e rica. Metaforicamente falando, como podemos aceitar um aluno que mal tem força para pegar na caneta ou que não se aguenta nas “canetas”? É de há muito conhecida a guerra entre criadores e adestradores, uma escaramuça onde cada um dia tira a água de cima do capote, inútil e inconclusiva que a nenhuma das partes serve, porque a dissidência obsta ao propósito que lhes é ou deveria ser comum. De acordo com a nossa tosca sensibilidade, isenta de erudição, mal chegada a guerras e afastada de tutelas, entendemos que criadores e adestradores deveriam complementar-se, constituir-se numa sólida equipa em torno da qualidade, porque ambos prestam serviço e aos dois se exige responsabilidade.

Aos 4 meses de idade, a extraordinária plasticidade cognitiva é acompanhada de igual plasticidade física e ambas podem contribuir, quando há acerto no treino, para a supressão de menos valias de diversa índole (cognitivas, sociais e físicas). Incapacidades como o exagerado abatimento dos metacarpos, o jarrete de vaca, a divergência de mãos, o peito estreito e o dorso selado, carecem de correcção e ela só é possível no período que decorre entre os 4 e os 6 meses de idade, através de exercícios e obstáculos correctores, porque depois da maturidade sexual a recuperação dos cachorros é menor e mais incerta. Se entendemos adestrar no seu verdadeiro sentido, então nenhuma escola poderá desprezar este ciclo infantil, a menos que exista somente para seleccionar e despreze a obra maior do seu ofício. Sim, a escola canina é uma oficina e os seus consertos podem valer ao cão para toda a vida. Levantámos o véu e não desejamos ocultar o que sabemos e praticamos. Se quiser saber mais contacte-nos, estamos ao seu dispor e desejamos que todos os cães cresçam felizes, fortes e saudáveis.

Caderno de ensino: XXXIV. Os brinquedos

Tal como os próprios para as crianças, os brinquedos destinados aos cães são subsídios pedagógicos de valor reconhecido, porque preparam, elucidam, exercitam, condicionam, simulam, capacitam e potenciam os animais para os futuros desafios, os relativos ao seu quotidiano, formação, recapitulação, desempenho e sobrevivência. Contrariamente ao que se julga, não superabundam por aí brinquedos caninos, as lojas estão cheias deles porque têm pouca procura e a maioria dos donos nem imagina para que servem (muitos retalhistas também não). E para que não restem dúvidas acerca disto, basta dizer que na maioria das vezes, quando procuramos algum em particular, vemo-nos obrigados a esperar por ele e ficamos a aguardar por uma nova remessa ou encomenda. A sua escolha não deverá ser indiscriminada ou arbitrária e deverá considerar a idade do cão, a sua morfologia, peso, grau de desenvolvimento, o grupo somático a que pertence, as suas dificuldades e o serviço dele esperado, apesar de alguns brinquedos serem universais e do agrado de todos os cães. Adestrar sem brinquedos é enveredar pelo improviso, porque se despreza o material didáctico que melhor serve os seus intentos, é como dar aulas sem quadro, mesas e cadeiras e esperar que o desconforto não entrave a concentração. Para além da qualidade dos seus mestres, da riqueza dos obstáculos e do empenho dos binómios, qualquer escola canina é também avaliada pelos brinquedos que usa e recomenda, enquanto subsídios de ensino que aceleram e enriquecem o processo de aprendizagem. Cada disciplina cinotécnica exige brinquedos próprios e nenhuma delas os dispensa, porque a experiência é para os cães a madre de todas as virtudes.

Caderno de ensino: XXXV. O transporte

Como preâmbulo à temática, para melhor entendermos o nosso trabalho, importa desnudar o cão, os seus objectivos e processos utilizados. Os cães nascem para sobreviver, a sobrevivência é o seu objectivo principal e a procura do alimento é a sua tarefa prioritária. Por causa disto, com a domesticação, o homem, ao tornar-se no dono da comida, transformou-se no patrão do cão. Daqui se antevê, que a amizade canina não é desinteressada, porque se encontra alicerçada nesta relação de dependência. Que outra razão haverá, para o apego automático dos cães vadios àqueles que os socorrem? Porque não consentimos que outros alimentem os nossos cães? O que torna a recusa de engodos imperiosa, para além da sobrevivência canina? Onde estiver a comida, aí estará a afeição do cão, e graças à recompensa permanecerá ao nosso lado pronto para nos agradar. Existe uma relação entre a predação canina e as disciplinas cinotécnicas, um aproveitamento objectivo dos cinco momentos que constituem o seu modo de caçar, a saber: a procura, a detecção, a perseguição, a captura e o transporte. Os criadores das actuais raças caninas potenciaram algumas destas acções em prejuízo de outras, criando desse modo incapacidades e desequilíbrios. Cabe ao adestramento reequilibrar, caso o consiga, os cães que lhe são entregues, devolvendo-lhes o seu modo original de actuação. Para cada momento se criou um cão, para cada raça uma atribuição e nisto o cão ficou mais pobre. Com a contribuição da evolução das espécies, o homem conseguiu, nestes últimos 130 anos, transformar um lobo num passarinho de 4 patas (cães-toy). À excepção dos retrievers e de alguns bracóides, a maioria dos cães perdeu a capacidade de transportar, necessitando do amparo que só a gula pode oferecer. Não será o cão moderno um bucho anafado de biscoitos? Do instinto de caça só sobrou a recompensa e a presa adquiriu outras formas. Agora a história deverá ser contada ao contrário, do fim para o princípio, tirando-se partido experiência directa, da memória afectiva e do reforço positivo. Só a recompensa pode valer ao transporte.

Entendemos por transporte a recolha e entrega de um ou mais objectos, por parte do cão, debaixo de ordem e com destino definido, visando acções binomiais prà prestação de socorro. Este trabalho resulta do aproveitamento dos instintos de caça e presa, e procura transformar a predação em acções de salvamento e resgate. Existe uma clara distinção entre cães transportadores e carregadores, os primeiros transportam os utensílios na boca, os outros carregam-nos mediante atavios próprios par o efeito. Apesar da diferença operativa, as duas especialidades são parte integrante do mesmo objectivo: o salvamento. Mas se ambas contribuem para o mesmo fim, também a sua finalidade pode ser alterada, estender-se a usos distantes do seu propósito original.

Qual a importância do transporte? Não existe cão de trabalho sem transporte, porque o fim útil do treino é a divisão de tarefas – a complementaridade. Não espelhará o transporte a cumplicidade exigível a um binómio? Um carpinteiro ensinará o seu cão a buscar as ferramentas, um pastor, a tocar as suas vacas ou ovelhas, o cão doméstico entregará os chinelos ao dono, carregará o seu jornal e transportará o saco do lixo para o contentor. Quando começa o seu treino? O transporte começa no consentimento do espólio canino, transita para o churro e culmina nos brinquedos, sendo próprio do ciclo infantil que decorre dos 45 aos 120 dias. A acção começa por ser doméstica, potencia-se na escola e desfruta-se no lar. Os seus benefícios podem ser restritos ou abrangentes, dependendo do uso que lhe queiramos dar. Quando deixaremos de exigir essa tarefa a um cão? Quando tal lhe for penoso e ponha em risco o seu bem-estar físico e psicológico. Normalmente os cães são dispensados da tarefa quando atingem os 8 anos de idade. Os mais fracos deverão terminá-la atempadamente. De qualquer modo, quando os cães chegam aos 6 anos, diminuímos a frequência e o peso da carga, particularmente entre aqueles, com uma esperança média de vida de 10 anos. Como treinaremos? O transporte acontece da perseguição para os objectos estáticos, das formas anatómicas para as mais complexas, das pegas mais macias para as mais duras, dos objectos equilibrados para os desequilibrados, dos mais leves para os mais pesados com diferentes diâmetros.

Qual a força de transporte de um cão médio? Um cão médio aumenta a sua força de transporte dos 2 para os 36 meses quarenta vezes, não devendo abocanhar e transportar objectos com peso superior a 30% do seu peso corporal. Quanto deverão pesar os objectos destinados aos cachorros? Dos 45 aos 120 dias – 2% do seu peso corporal (300gr), dos120 aos 180 dias – 3% do seu peso corporal (600gr), dos 180 aos 240 dias – 5% do seu peso corporal (1 kg). Os valores dos pesos consideraram o crescimento médio de um exemplar CPA. Contudo, o percentual indicado é válido para todos os cachorros. E os destinados aos cães adultos? Depois da maturidade sexual, os cães jovens serão convidados para um esforço maior. Dos 8 meses aos 12 meses – até 10% do seu peso corporal (3Kg), dos 12 aos 18 meses – até 15% do seu peso corporal (5.25 kg), dos 18 aos 24 meses – até 25% do seu peso corporal (9.5 kg), dos 24 aos 36 meses – até 30% do seu peso corporal (12 kg). Os valores referenciados em Kgs consideraram um cão de 40 Kgs de peso. No entanto, o percentual indicado é válido para todos os cães. Não poderão carregar mais peso? Não devem, devido ao esforço articular, às mudanças de velocidade e ao aumento da frequência dos seus ritmos vitais. É importante não esquecer, que a prestação de socorro não acontece somente em pisos planos, pode passar pelo subir de uma rampa ou escada, pelo saltar de uma vala ou barreira. O peso a transportar deverá considerar as dificuldades próprias de cada percurso, tendo em conta a salvaguarda do animal, e só depois, a sua capacidade de resolução. Rotineiramente, o trabalho laboratorial é desenvolvido sobre os obstáculos do perímetro exterior da pista. Os cães mais robustos, com pesos superiores a 35 Kgs, conseguem arrastar cargas até 70% do seu peso corporal. Os grandes molossos e os portadores de mandíbulas fortes, podem tornar-se bons transportadores? Podem e geralmente fazem-no sem grandes dificuldades. Eles não são transportadores inatos, mas genuínos cães de captura. Há que ensiná-los de imediato a não retraçar os objectos, coisa que naturalmente fazem para enterrar os dentes no intuito de os estilhaçar. Apesar de conseguirem levantar mais peso que os demais, cansam-se mais rápido e interrompem as acções. Na prática, não devem transportar objectos com mais de 15% do seu peso corporal.

Que cães não deverão ser convidados para o transporte? Os cães estruturalmente côncavos, os portadores de assimetrias articulares, os de ritmos vitais elevados, os fustigados pela epilepsia e pela displasia, os convalescentes e idosos. Também os obesos e os pernaltos. Como proceder com um cão que nunca transportou? Como se tivesse 45 dias de idade, desenvolvendo a cumplicidade e suscitando o interesse, recompensando sempre que necessário e premiando todo e qualquer progresso. Os brinquedos não são do cão, são do dono e devem suscitar a cobiça do animal. Eles não devem ser entregues ao cão, mas anunciar a chegada do seu líder, ter o seu odor e ser objecto da sua estima. Devem constituir-se em fruto proibido e apetecível, algo que divide com o dono. Existe algum tipo de cão mais vocacionado para o transporte? Todos os cães podem ser transportadores e devem fazê-lo de acordo com o seu peso, tipo de mordedura e morfologia. O cão típico de transporte oscila entre os 27 e os 40 Kgs de peso, é normalmente rectangular, com pouco elevado de cabeça, de dorso paralelo ao solo e de média angulação. Apresenta eixos locomotores paralelos e geralmente tem pé de lebre. O seu focinho é forte e de extensão igual à do crânio. Os cães que tendencialmente incorrem no efeito campainha, com a cabeça nivelada pela linha do dorso, apresentam uma predisposição natural para este trabalho. O cão destinado ao transporte necessita de ter o peito forte e desenvolvido, um perímetro torácico acima dos 85 cm e ser convergente de mãos.

Depois de alcançado o transporte, qual é a meta seguinte? Abocanhar e transportar objectos estáticos distantes, debaixo de ordem expressa, segundo indicação do dono, a quem prontamente os entregará. A capacidade de diferenciar os objectos, fica a dever-se mais ao dono do que ao impulso ao conhecimento canino, por força da sua paciência, insistência e generosidade na recompensa. Como sabemos que a selecção canina raramente atenta para a importância do impulso ao conhecimento, ignorando-o muitas vezes, caberá aos proprietários dos cachorros operar o seu desenvolvimento, acção possível pela experiência variada e rica, no acompanhamento objectivo dos seus ciclos infantis. O cão deverá conhecer os objectos pelo nome. Como operaremos essa “ experiência variada e rica”? Se um cão é rico em espólio a tarefa encontra-se facilitada, basta sugerir a sua identificação. Quando tal não acontece, o espólio deverá ser enriquecido por brinquedos apelativos, de diferentes formas, texturas e pegas, com sons diferenciados e distintas progressões. Felizmente existe no mercado um grande número de brinquedos pedagógicos. Se o desprezo pela identificação se verificar, a recompensa tende a vencê-lo. Mas se a dificuldade de mantiver, urge relacionar cada objecto com uma acção do agrado do cão. Os cães não agarram a trela quando desejam ir à rua? Como se classificam os transportadores? Os cães são classificados pela capacidade de diferenciar os objectos que transportam. A classificação encontra-se assim distribuída: até 3 objectos o rendimento do cão é considerado medíocre, de 4 a 5 médio, de 6 a 7 médio alto, de 8 a 10 superior. Para além disso, o cão é considerado extraordinário e o dono não deixará de o ser. Há notícia de cães que conseguiram identificar várias dezenas de objectos ou diferenciar igual número de ovelhas. Existem algumas provas para transportadores? Actualmente não existem provas específicas de transporte. Apesar disso, ele está presente em diversas provas de obediência e pistagem, ainda que de modo suave. Exemplo disso é o transporte do haltere no Schutzhund e a procura do brinquedo nalgumas provas de obediência básica. Tal qual a técnica de condução, o transporte não é uma disciplina mas sim um complemento curricular, uma ferramenta indispensável aos cães de resgate e salvamento (no nosso modesto entender).

Caderno de ensino: XXXVI. O nó de corda

Existe à venda no mercado uma corda com sensivelmente 1m de comprido e 2.5 cm de espessura, de material natural e não abrasivo, rematada por 2 nós e subdividida por outros 2 que a demarcam em 3 partes iguais. Este acessório tem um tríplice objectivo: preparar os cães para o derrote, aumentar a capacidade de captura e potenciar a sua força de mordedura. Os nós intermédios servem para proteger as mãos dos preparadores, possibilitando-lhes diferentes movimentos e acções de acordo com as incumbências do trabalho a realizar pelos cães. Como a corda por si mesmo pouco préstimo tem, importa saber trabalhar com ela para alcançarmos os resultados esperados, transformando-a na presa que ela substitui. Devemos imprimir-lhe vários movimentos, os típicos duma presa amordaçada que intenta escapar-se, estrebuchando desesperada pela sua vida. A corda deve ser puxada sempre na nossa direcção e nunca pressionada contra o cão, porque a presa verdadeira jamais agiria assim e estamos a atentar contra os objectivos do acessório, obrigando o cão a largar a corda e a reiniciar a captura, induzindo-o dessa forma a dentadas de surtida e a ataques evasivos pouco potentes e ineficazes. O modo de actuar carece de ensino e prática, obedece a diferentes combinações de golpes e sempre pressupõe a vitória do cão. Como diria o nosso amigo Carlos Veríssimo, “Obviamente que não o vamos explicar aqui”.

Mensagem para os atrasados e carta a Rui Meneses

Estes fim-de-semana (23 e 24 de Outubro) obrigou à divisão das classes no período destinado ao trabalho específico, já que alguns cães se distanciaram dos demais e carecem agora de maior aproveitamento. As ênfases recaíram sobre a obediência, a condução em liberdade, a sociabilização, a guarda do automóvel e outras induções. Tirámos partido de 3 ecossistemas diferentes e ainda houve tempo para uma aula teórica na casa que abriga o Igor e o Tarkan. Tratou-se de dar resposta a uma carta endereçada pelo Sr. Rui Meneses que recentemente adquiriu um cachorro CPA negro. Depois da exposição, cada um deu a sua resposta e o acerto foi geral, inclusive da Megan Lavelle, que apesar de recém-chegada e mal compreender o português, não se equivocou e respondeu correctamente.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: António Almeida/Shadow, Carla Abreu/Becky, Célia/Igor, Francisco/Iris, Hugo/Lobi, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Luis Leal/Teka I & Rocky, Maria luís/Tyson, Megan/Champ, Patrícia/Boneca, Roberto/Turco, Rodrigo/Tarkan, Teresa/Buster, Tiago/Sane e Vitor Hugo/Yoshi. Colaboraram nos trabalhos os seguintes NE’s: Américo Abreu, Fátima Figueiredo, Isabel Silva, Olga Oliveira, Pedro Figueiredo e Rui Coito.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Muda do pêlo e higiene

Quando os cães se encontram regulados pelo relógio natural, acerto facilitado pelo viver ao ar livre e pela alteração das dietas, a chegada do Outono traz consigo a muda generalizada do pêlo, novidade que se repetirá na Primavera. Como nestas ocasiões a queda do pêlo é por demais evidente, poluindo carros, habitações e jardins, torna-se imperativo não descorar a higiene diária do cão e escová-lo a preceito, porque ela não acontece de um dia para o outro e evolui de acordo com o aumento ou diminuição da temperatura. Os donos mais zelosos e asseados, os que escovam os seus cães diariamente, dificilmente serão surpreendidos e verão a sua tarefa facilitada, benefício que os menos aplicados e inimigos da higiene não terão. Há quem pense que um cão de pêlo curto não precisa de ser escovado ou que larga menos pêlo, o que não é verdade e pode atentar contra a saúde de todos lá em casa. Os cães encrespados também fazem a muda, ainda que não soltem pêlos, porque naturalmente o pêlo velho entrança-se no novo, formando novelos ou tortulhos que mais tarde obrigarão à tosquia forçada do animal. Os cães que não são escovados empestam os seus locais de passagem e pernoita, coçam-se mais, tornam-se sensíveis a várias doenças de pele, parasitam-se com mais facilidade, ganham caspa e o seu manto perde brilho. Grande número de proprietários caninos, porque é mais fácil e menos trabalhoso, tentará resolver o problema pelo banho sistemático dos cães, opção que a breve trecho poderá agredir a pele dos animais, sujeitando-os a peladas de difícil recuperação. Daqui apelamos à escovagem diária do cão, à aquisição de um trem de limpeza próprio para cada cão, que pode ir até aos 6 utensílios, se o cão for de pêlo duplo. Já adiantámos quais são e prontificamo-nos para novos esclarecimentos. A higiene não é uma opção mas uma obrigação, enquanto a saúde for um bem e o quisto hidático um problema. O calendário de desparasitação deve ser zelosamente cumprido e as crianças deverão ser sujeitas ao mesmo tipo de cuidado, em particular as mais pequenas em convívio directo com os cães. Já lá vai o tempo, no período áureo da Mala Posta, em que nalgumas hospedarias, pernoitavam nas camas pulgas e percevejos, baratas, piolhos e carraças. Como pode um cão ter um dono, se a sua apresentação lembra um vadio e o seu odor empesta à distância? Os cães em grupo catam-se uns aos outros, quem os tornou imundos? Quem será porco? O cão não o será certamente!

Os 12 de Inglaterra e as 24 da Acendura

Não vamos aqui contar a história dos 12 de Inglaterra, exaltar as novelas cavaleirescas, os Lusíadas ou a narrativa de Fernão Veloso, tão-somente enaltecer a prestação das nossas alunas e elementos neutros do sexo feminino, participantes e auxiliares das nossas actividades escolares. São ao todo 24 e nada ficam a dever aos seus camaradas do sexo oposto, porque lado a lado buscam os mesmos objectivos e evoluem na senda do progresso, mostrando a mesma determinação, valentia e querer. Esta é já uma tradição muito antiga entre nós, porque sempre tivemos alunas extraordinárias e nunca descriminámos ninguém pelo sexo. Com o andar dos anos, o número de senhoras nas nossas fileiras tem vindo a aumentar, sem haver quebra de rendimento, alteração de métodos ou procedimentos. A prestação feminina tem-se revelado imprescindível para o rendimento global e alguns cavalheiros vêem-se ultrapassados. O toque feminino na escola é um bálsamo para as dificuldades, um perfume que contagia, dá lições e descarrega ânimo. A foto acima testemunha a participação de algumas delas neste fim-de-semana, gente de várias idades que comunga a mesma paixão e objectivo.

U.S. Team: Megan Lavelle / Champ

No dia 14 do corrente mês deu entrada nas nossas fileiras um novo binómio, o constituído pela Megan Lavelle e pelo Champ, um Labrador dourado que recebeu o nome de registo “Neutrão”. A Megan é uma jovem norte-americana natural de St.Louis que se casará na próxima Quarta-Feira, dia 20, com o Cap. Infª Bruno Oliveira. Desejamos aos noivos as maiores felicidades, a perpetuação dos seus votos e uma prole saudável como é seu desejo. O binómio foi apadrinhado na Escola pelo Bruno Carreiro e já participou em 3 sessões de treino, sendo nisso auxiliado pelo Tiago Soares. Ao binómio, cuja adaptação aconteceu sem percalços, desejamos também o maior sucesso, augúrio que nos parece alcançável pela determinação da condutora e pela qualidade do cachorro, ambos simpáticos e que mereceram dos restantes alunos igual simpatia, na tradicional hospitalidade que nos caracteriza e que é própria dos portugueses. Sejam bem vindos!

O Carlos e o Tote


O Carlos chegou-nos primeiro com o Toureiro, depois com a Luna e finalmente com o Tote. Assim tem sido o seu caminhar entre os CPA’s. Com o Toureiro pouco trabalhou, porque o animal apresentava algumas insuficiências que lhe dificultavam o treino, com a Luna labutou afincadamente e excedeu as expectativas, com o Tote encontrou um companheiro, uma alma gémea como hoje se diz. A união e a cumplicidade entre ambos são tão grandes que é impossível pensar num sem imaginar o outro. O Carlos tem a sobranceria típica dos ribatejanos (garbo), um fervor nas veias que o torna excêntrico, vibra com pequenos nadas e espraia-se pela emoção. O Tote dá menos nas vistas e segue o dono por toda a parte, silencioso e quase ausente, como quem se esconde e foge à vista. Há seis anos que fazem equipa e têm andado por todo o lado, suscitando admiração e apreço, enaltecendo o nome da Escola e alegrando as crianças. A relação binomial excede a encontrada entre o apoderado e artista, lembra a união entre o cavalo e o cavaleiro numa tarde de “ sol e sombra”, porque não se sabe onde acaba um e começa o outro. Ambos têm servido de inspiração e sempre se fazem presentes quando são chamados. Olha o diabo, Passo Doble e Olé!

O outono das otites

A propensão pràs otites é maior nas Estações intermédias e no Outono acontecem com frequência. Otite é um termo técnico que designa as inflamações do ouvido e elas são mais frequentes nos cães de orelhas grandes e tombadas (peludas ou não). O facto dos CPA’s terem orelhas erectas não os isenta do problema e alguns acabam assolados por ele, não havendo cuidado na prevenção, alguns poderão acabar com elas irremediavelmente tombadas. São várias as causas que contribuem para a otite e as mais comuns são: entrada de água no ouvido, infecções bacterianas ou por levedura, alergias, doenças de pele, stress, queda de imunidade, presença de corpos estranhos, infestação parasitária ou tumores. Os principais sintomas são: sensibilidade, secreção com cheiro desagradável, canal auditivo avermelhado, inclinação e meneio da cabeça e ao desconforto que leva ao coçar com a pata. E porque é mais sábio prevenir do que remediar, aconselhamos o tratamento preventivo contra as otites, a conselho e parecer do veterinário assistente.

Caderno de ensino: XXXIII. O "atenção"

O “atenção” é um comando de alerta com distintas aplicações, usado como percursor ou catalizador das acções e pode ser aplicado em qualquer das disciplinas técnicas, porque resulta da memória afectiva canina, evolui pela mecânica e rapidamente alcança a associativa. O “atenção” está para a guarda como o “em frente” está para o agility, porque prepara os cães para acções que já são do seu conhecimento. Usa-se o “atenção” na suspeita de engodos, no início do policiamento e nos momentos que antecedem a captura propriamente dita, como despertar para o instinto de presa. Como o comando pode ser usado para outros fins e até contrários, dependendo isso da mecanização e da recompensa, ele poderá servir para travar investidas ou para sugerir um comportamento mais amistoso, porque todo o comando é em si mesmo estéril e só o uso o identificará, já que os cães agem por aprovação e podem ser ensinados para aquilo que quisermos.

Comandos em liberdado e detecção de intrusos

Este fim-de-semana (16 e 17 de Outubro) foi usado na procura de dois objectivos: a condução em liberdade irrepreensível e a melhor detecção de intrusos. Valemo-nos de diferentes locais e horários para cada um deles e a afluência de alunos foi regular. A Princesa encontra-se em digressão pela Europa (provavelmente sem cães) e não contámos com a presença do Hugo da Lobi. A Alexandra Ferreira não compareceu e Rui Ribeiro não deu notícia. O Índigo recebeu o seu 1º estrangulador e os cães do Luis Leal estão quase aptos a guardar a carrinha do tabaco. O Yoshi continua rijo e o Tote recomenda-se. O Shadow está despertar, o Rodrigo deu um pulo e a Patrícia amadurece a olhos vistos.

Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: António Almeida/Shadow, Bruno/Iris, Carla Abreu/Becky, Carla Ferreira/Dirka, Carlos Veríssimo/Tote, Célia Coito/Igor, Francisco/Nick, Francisco Silva/Íris, Francisco Soares/Lady, Joana/Flikke, João Moura/Bonnie, Joaquim/Maggie, Liliana/Bolt, Luis Leal/Rocky & Teka I, Marta/Maggy, Megan/Champ, Miriam/Índigo, Paulinha/Teka II, Roberto/Turco, Rodrigo/Tarkan, Tiago/Sane, Teresa Buster e Vitor Hugo/Yoshi. Para além do Rui Coito (que aguarda cachorro), participaram nas actividades os seguintes NE’s: Fátima Figueiredo, Marta, Olga Oliveira e Pedro Figueiredo.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

A folgança dos zés-pereiras e a infelicidade dos seus cães

No Sul do País confunde-se frequentemente os “Zé Pereiras” com os “Cabeçudos” nos desfiles carnavalescos, ainda que ambos sejam parte integrante dessas folias e possam complementar-se. Os “Zé-Pereiras” são grupos de foliões que tocam instrumentos de precursão (tambores, bombos, pífaros, gaitas de foles e concertinas) que geralmente antecedem ou anunciam o início dessas festividades. “Cabeçudos”, como o próprio nome sugere, são carantonhas satíricas e não raramente são caricaturas fiéis de pessoas a ridicularizar. Entre nós, na Acendura Brava, o termo “Zé-Pereira” destina-se àqueles que apenas desfilam com os seus cães ao fim-de-semana, quando vêm à escola e que nos restantes dias os mantêm arredados da sua presença, como se eles não existissem ou fossem pesado fardo. Quando um “Zé Pereira” dos nossos tem muitos cães é alcunhado de “Cabeçudo”, porque tem mais olhos que barriga, não vê a infelicidade que causa e dorme satisfeito sobre o assunto, ainda que viva no limiar da pobreza e possa prejudicar com isso a sua pessoa ou o seu agregado familiar.

Quando um “Cabeçudo” se transforma em criador a situação agrava-se, porque as despesas não dão para os gastos, os cachorros são vendidos abaixo do preço de mercado e a sua sorte poderá não ser a melhor, já que os oportunistas, sabendo que os bons negócios acontecem na compra, irão vendê-los a outrem ou descartá-los-ão, quando desinteressados e considerando o baixo prejuízo. O “Cabeçudo” raramente paga a pronto, vai pagando aos soluços e sempre tem débitos a vencer, corta na barriga das gestantes e pode abusar delas, procura desparasitantes e vacinas mais baratas e tenta despachar os cachorros o mais cedo possível, porque não lhe sobra outro remédio e a situação agrava-se dia após dia. Debaixo deste cenário decrépito e ruinoso, não irá ser capaz de operar melhoramentos nas suas instalações, de dar melhores condições aos cães, de adquirir melhores reprodutores e publicitar eficazmente o seu produto, porque cada ninhada agrava a sua já insustentável economia. Diga-se em abono da verdade, que a existência de intermediários, acima tratados como oportunistas, é benéfica neste caso, porque vendendo os cachorros ao preço de mercado, impedirão o “Cabeçudo” de prejudicar outros criadores, gente apostada na qualidade dos seus cachorros e que tenta ver rentabilizado o seu trabalho, muito embora saiba de antemão que a criação de cães não lhes irá aumentar a riqueza. Nasce-se “Cabeçudo” e dificilmente se morre doutra forma, é isso que a experiência nos tem ensinado, a menos que alguém tome as rédeas do seu destino e movido pelo amor contrarie a sua inclinação suicida.

Mas voltemos aos “Zé-Pereiras”, àqueles que ignoram os seus cães ao longo das semanas e cujo rendimento escolar isso reflecte, condutores de desfile e objecto de zombaria, anunciantes da paródia que os expõe ao ridículo e não poupa os seus cães. Alguma desta gente lembra os macacos que saltam de galho em galho, porque pulam de escola em escola na procura de sucesso, como se a ausência do seu gozo não resultasse da sua exclusiva irresponsabilidade. Mais cedo ou mais tarde, porque o progresso não é visível, o “Zé Pereira” dir-nos-á adeus, rumará para outras paragens (as do seu contentamento) e o cão retornará ao seu chiqueiro, tal qual porco que aguarda alimento e que fica entregue aos seus desígnios, gordo e reluzente (se for esse o caso e nem sempre é). Com o passar dos anos iremos esquecer-nos dele (do condutor), a menos que tenha sido por demais bronco, doutra forma, lembrar-nos-emos somente do infeliz do cão, um companheiro subaproveitado a quem por má sorte não pudemos valer. Temos por hábito e nisto nos conserve a Divina Providência, porque buscamos alteração e apostamos no bem-estar dos cães, denunciar estes comediantes e alertá-los para a precariedade do seu desempenho, que sendo impróprio e insuficiente, relegará os seus fiéis companheiros para indíces de aproveitamento contrários à sua natureza e mais-valias, comprometendo dessa forma a cumplicidade possível e desejável. Os “Zés” serão sempre Zés, independentemente de se chamarem Antónios, Marias, Manueis ou Joaquins.

Depois de muitos anos a trabalhar cães, a ouvir e observar milhares de donos (cerca de 4.000 nos últimos 20 anos), atendendo ao sucesso no adestramento, descobrimos que por detrás do êxito persiste o amor que o sustenta, um sentimento filial e fraternal que não se envergonha, que produz alteração e vai adiante, que depura a ambição, desperta a tolerância e constrói a inevitável relação de paridade. Descobrimos também que o empenho e à habilidade dos condutores se encontram ligados ao seu modo de ser e à sua prestação noutras áreas, resultando como complemento ao seu quadro de afeições, viver social e atributos, porque o estar nos cães acaba por desnudar o equilíbrio, as aspirações e o trajecto dos indivíduos devido ao dualismo das vontades (as dos donos e as dos cães). Um condutor desleixado e mandrião, vulgo calinas e para nós “Zé-Pereira”, terá alguma dificuldade em comportar-se em casa e no emprego de outro modo, já que o cão é doméstico e exige serviço. Infelizmente, ninguém será melhor por ser condutor de cães, mas os mais aptos sem dificuldade abraçarão o adestramento. Havendo excepções, porque o concurso ao adestramento pode ser um escape, resultar de uma veleidade ou de um comportamento marginal, o tratamento dado aos cães não diferirá em muito do dispensado ao agregado familiar (conjugues, pais e filhos), que não sendo de imediato manifesto, não demorará a revelar-se, porque as dificuldades apressam tanto as qualidades quanto as incapacidades. E nisto, os cães levam-nos à leitura correcta dos seus condutores, pelo teor da resistência que oferecem e pelas atitudes tomadas como resposta.

A recuperação de um “Zé-Pereira” é uma tarefa muitas vezes inglória e votada ao fracasso, porque resulta de uma personalidade que adoptou um tipo de carácter que não a contrapõe, o que nos remete para problemas pedagógicos alheios e anteriores ao treino propriamente dito. O facto do adestramento ser uma actividade lúdica e encarado como tal, também não ajuda, porque ele é sustentado por adultos pouco dados a mudanças, cuja plasticidade é menor e a quem as alterações provocam algum desconforto. O mesmo não se passa com os pseudo “Zé-Pereiras”, os jovens que nos são confiados e nos quais alcançamos alteração, mercê da regra que estabelece o método e dos procedimentos que garantem o êxito. Porém, considerando o seu número em relação aos demais, cada vez mais temos menos jovens, fenómeno ligado à novidade de interesses e à actualidade social das famílias, onde cada membro se ocupa super ocupado e distante das actividades dos outros, muitas vezes entregue a si próprio e desterrado para o virtual. Assim como nenhuma escola será digna desse nome se não produzir alteração, também nenhuma subsistirá sem o contributo dos jovens. Conhecedores dos benefícios prestados pelo adestramento, intimamente ligados ao exercício da liderança, à formação de um carácter forte e ao equilíbrio entre a emoção e razão, alguns pais (também eles verdadeiros “Zé-Pereiras”), inscrevem os seus filhos nas escolas caninas, esperando delas aquilo que naturalmente é sua incumbência, porque não tiveram tempo ou “a vida não lhes permitiu”, o que transformará a escola canina num verdadeiro ATL (Actividades de Tempos Livres), sobrecarregará os instrutores e levará ao desinteresse dos instruendos. Apesar de tudo, meia dúzia deles permanecerá entre nós, manterá amizade connosco e ficar-nos-á grata. O nosso êxito junto dos jovens tem sido possível pela participação conjunta dos pais nas actividades que levamos a cabo, acção que incentivamos e que muito nos apraz.

Falta falar da infelicidade dos cães, animais emocionais que por desalento alcançam várias doenças (físicas psicológicas) por força da sua dependência social. Os “Zé-Pereiras”, quiçá por hedonismo e por terem uma cabeça desproporcionada, ainda que possa ter uma aparência normal, tratam os seus cães como lobos, como se eles não precisassem da intervenção humana e não lhes solicitassem ajuda. Estes cães passam a semana praticamente isolados, confinados em pequenas divisões ou varandas, em quintais exíguos ou à molhada com outros cães, viver social impróprio que entrava o seu desenvolvimento físico e cognitivo, que apela aos seus instintos e obsta à parceria. Alguns deles irão desenvolver diferentes taras e a maioria manifestará um profundo desencanto pelo treino, estranhará a liderança e desencantar-se-á pelos exercícios. Contra natura irão envelhecer mais rapidamente, engordarão com mais facilidade, perderão mobilidade, tornar-se-ão silvestres e serão precocemente atingidos por várias doenças. O cativeiro forçado dos animais tem sido responsável pelo surgimento de doenças típicas que atentam contra o seu bem-estar e qualidade de vida. Ainda que algumas raças caninas possam ter doenças típicas da sua raça, todos os cães sofrem misérias quando sujeitos ao isolamento. O que dá gozo ao “Zé-Pereira” é ter um cão e o que mais o maça é ter de cuidar dele! Ele não escova o cão diariamente, raramente o tira do cárcere, atrasa o calendário de vacinação, esquece-se de o desparasitar, dá-lhe rações baratas, deixa-o apanhar otites e, como está sempre com pressa, deixa de olhar para ele, não vá o bicho importuná-lo ou causar-lhe problemas de “consciência”. Libertar os cães do corso carnavalesco é um imperativo e para que isso aconteça é necessário dar combate aos “Zé-Pereiras” que nos aparecem. Eis aqui um dos nossos propósitos.