Nas andanças do adestramento há sempre um cão que nos espera, um medroso a necessitar de recuperação porque nasceu inibido ou muito-submisso, contrariamente aos da sua raça e da sua prestação, um anátema para muitos e um problema acrescido para o dono. Ao contrário dos cães que foram amedrontados, geralmente vítimas de um imprinting atabalhoado, duma má instalação doméstica ou duma liderança abusiva, cuja recuperação acontecerá sem grandes percalços pela alteração da liderança, pela promoção social e pela novidade de desafios, a recuperação dos cães geneticamente medrosos não irá ser fácil e necessitará do acerto de todos os agentes de ensino envolvidos, tanto no aconchego doméstico quando dentro do perímetro escolar.
Estes cães têm um comportamento marginal e irão obrigar a uma terapia própria e a medidas excepcionais, porque desde cedo se isolam e sujeitam-se às investidas dos seus pares. A sua extrema dependência quando associada a uma inusitada carga instintiva levá-los-á a alimentar-se debaixo de suspeita, a carreiras evasivas, à troca da defesa pelo esconderijo, ao evitar de confrontos, ao temor face à autoridade e à resistência diante da novidade. O problema é anterior à transição do canis lupus para o lupus familiaris e ao eugenismo operado pelo homem, muito embora o último tenha contribuído para a sua proliferação, porque doutro modo dificilmente estes animais sobreviveriam nas alcateias, particularmente durante estações ou ecossistemas parcos em alimentos. Apesar de definhar dentro de uma matilha, o cão medroso sentir-se-á ali mais protegido do que perante a irrecusável constituição binomial, mercê do seu particular biológico, das suas características inatas e histórico social, condições que irão dificultar excessivamente a sua futura integração.
Apesar de subsistirem casos ligados à sagacidade de quem os vende e à ignorância de quem os adquire, a maioria dos cães medrosos chegará às nossas casas por comiseração, sentimento que mais tarde poderá transformar-se numa temível decepção e perpetuar pródigos desalentos na pessoa dos seus benfeitores, porque contrariamente ao amor, as paixões são volúveis e o desânimo enfraquece. A recuperação de um cão com estas características aponta para um processo inequívoco de reeducação, só possível pela dependência canina e pela alteração do seu viver social, esforço conjunto direccionado ao despoletar condicionado dos seus impulsos herdados indispensáveis e que induzirá a um renascimento por parto ambiental. Ainda que o sucesso seja possível, sempre será mais fácil regrar um valente do que suscitar valentia a um medricas. A haver alteração, ela resultará em primeira instância do super empenho do agregado humano, esperançado e apostado na sua recuperação. Dono e demais família do lar adoptivo, adestradores, condutores e cães escolares, todos estarão implicados neste projecto colectivo que visa esta emancipação individual, enquanto arautos da esperança e artífices da mudança.
Para além do combate ao logro e porque entendemos a venda de cães como uma prestação de serviço, quando detectamos um cão medroso aconselhamos de imediato a sua aquisição pelo criador, desde que na progenitora ou nos seus progenitores tal fenómeno não seja por demais evidente, o que comprometeria seriamente o desenvolvimento salutar do cachorro, atendendo a precariedade dos seus mestres. A excessiva agressividade dos progenitores, particularmente quando descontrolada e fortemente empenhada na defesa hierárquica, também não servirá os nossos propósitos, o que nos levará a aconselhar a doação do cachorro, conselho que manteremos diante da impossibilidade, impotência ou impropriedade do seu criador. Exceptuando estes casos, é de todo desejável que a recuperação do cachorro aconteça no lar que o viu nasceu e junto daquilo e daqueles que sempre conheceu. Por outro lado, a procura conhecedora e exigente obrigará os criadores ao mesmo encargo diante de igual problema, também porque vender um cão de fraca qualidade implicará em prejuízos imediatos e duradouros, mesmo que se abandone a criação, o que não virá a impedir o emporcalhar do bom-nome desses criadores eventuais.
A doação do cachorro problemático deverá considerar a sua recuperação e bem-estar, atentar para o perfil psicológico do obsequiado (que deverá ser experiente, disponível, empenhado, tolerante e compassivo), para as condições que oferece e para a existência ou não doutros cães de que poderá ser proprietário. Como o problema tem reflexos sociais e apostamos na transcendência operativa ambiental, não descuidando o possível contributo positivo de outros cães (biológico), é desejável que o cachorro venha a conviver um cão adulto do sexo oposto, equilibrado e razoavelmente controlado, porque a recuperação de um cachorro macho acontece naturalmente pela generosidade de uma cadela adulta e uma fêmea jovem sentir-se-á segura junto de um macho decidido, imitando-o e seguindo-o por toda a parte (vai com as costas quentes). O convívio entre cadelas deverá ser evitado, particularmente após a maturidade sexual, momento em que a mais velha procurará o agrado da liderança e escorraçará a mais nova da sua presença, fortalecendo-se de sobremaneira e enfraquecendo a outra sobejamente mais carenciada de ajuda. Do mesmo modo, a amizade entre um cachorro medroso e um cão adulto será comprometida durante o cio duma cadela residente, quando o instinto sexual despoletar sem rodeios o impulso ao poder do mais velho. A coabitação do cachorro problemático com cães castrados, considerando a sua recuperação, tanto poderá ser benéfica como catastrófica, ficando isso a dever-se ao carácter desses eunucos, à ocasião da mutilação e aos seus reflexos (taras e singularidades).
Assim, coabitação no lar adoptivo com outro cão garante a celeridade do processo reeducador, particularmente no convívio canino sem o espectro da exiguidade territorial e na permanência do espaço que lhes é comum. Este entendimento biológico, quando reforçado pela cumplicidade entre o líder e cão adulto, suscitará do cachorro a competitividade que gera a brincadeira, levá-lo-á a aceitar a hierarquia de modo natural e a assimilar a liderança como uma experiência feliz., porque só o equilíbrio doméstico poderá garantir as saídas ao exterior sem maiores atropelos. Os membros do agregado familiar, enquanto elementos neutros, deverão coibir-se de dar ordens ao cachorro ou proceder-lhe a reparos, forçar a sua presença ou contribuir para o seu afastamento, o que implicaria numa despromoção social facilmente absorvida pelo infante e que comprometeria a sua desejável ascensão. A brincadeira e a distribuição de brinquedos propicia a obtenção dum espólio próprio e as crianças responsáveis podem contribuir para a eliminação do espectro da autoridade, graças à parceria, à relação de proximidade, particularidade vocal e de interesses, à menor rigidez de postura e ao reduzido volume da sua silhueta, subsídios pedagógicos de valor inestimável para a recuperação do cachorro. A constituição binomial resultará das brincadeiras divididas com o cão adulto, da contribuição do agregado familiar e da propriedade da liderança, legitimada pelo exemplo e fundamentada na cumplicidade.
Se houver necessidade de atrasar o treino escolar, coisa difícil de acontecer diante do cenário acima descrito, espera-se o tempo necessário e o surgimento da autonomia que o suporta, porque o tempo não é um obstáculo mas um amigo que corre em nosso auxílio. No treino e porque queremos aproveitar a plasticidade física e cognitiva presente nos cachorros entre os 4 e os 6 meses de idade, abraçaremos a mobilidade em desfavor do travamento, os subsídios direccionais em prejuízo dos de imobilização, insistiremos na ginástica e no “junto”, porque sabemos que o desenvolvimento físico providencia o aumento cognitivo e que a experiência variada e rica opera por equilíbrio o seu desenvolvimento. A troca gradual de condutores, as distintas manobras de sociabilização, a disciplina das classes e o exemplo dos cães mais velhos tornarão viável a recuperação quase absoluta do cachorro, sintonizando-se com a sua espécie e preparando-o para a vida entre os homens, solicitando-lhe serviços que naturalmente e por si mesmo jamais alcançaria. Nisto reside a força do amor, dínamo do adestramento, força que massifica e quantifica os sentimentos nesta exigente arte de ensinar cães.
Poderá um cachorro medroso transformar-se num autêntico cão guardião? Sim e não, se entendermos a disciplina de guarda sem subtilezas e como modo de confrontação. Sim - se os simulacros produzirem alteração, preparação e capacitação; não - diante da novidade, da surpresa e na ausência de reciclagem, porque o condicionamento não ultrapassa a experiência animal e não consegue esconder os seus entraves individuais, apesar de muitos cães com estas características poderem vir a alcançar excelentes resultados em provas, por força da ficção que se transforma em realidade. O cão genuinamente guardião nasce assim e o devidamente estimulado adquire um comportamento quase idêntico, facto que toda a gente reconhece e que recentemente vimos denunciado, mais uma vez, no opúsculo “The Downfall of the German Shepherd” da autoria de Koos Hassing, cinotécnico holandês de reconhecidos méritos desportivos, um contestador de fórmulas sem questionar a sua essência ou denunciar a sua filosofia. Aqui como noutras disciplinas e para além das características individuais de cada cão, só a experiência sustenta a soberania do condicionamento.
Para transformar um medroso num guardião é necessário revitalizar-lhe os impulsos herdados inerentes a essa prestação, activando cada um deles pelo reforço positivo e dando tempo ao progresso. A primeira meta a atingir será a do bem-estar entre iguais, depois seguir-se-á a aceitação da liderança, logo a seguir a sociabilização e finalmente as induções. Provavelmente teremos de alterar as dietas, insistir na ginástica e não desprezar a recompensa. As induções começarão por ser domésticas, evoluirão para a Escola, acontecerão noutros terrenos e revitalizar-se-ão de novo em casa, considerando a fragilidade do seu particular gregário e a resistência que oferece perante a novidade de territórios e circunstâncias. As induções recairão inicialmente sobre o objecto e nunca sobre a pessoa do agressor, por convite e não por desafio, devendo ser projectadas debaixo do mesmo estímulo e acontecer sob condições óptimas, aquelas que o cão conhece e que lhe darão a certeza da vitória. Para que o cão vá adiante é necessário que perca o medo das pessoas, que as considere ao seu alcance e sujeitas ao seu domínio, benefício que geralmente alcançamos pelo exercício do APC e pelo convite à transposição de obstáculos humanos, debaixo de subsídios direccionais amplamente repetidos até se constituírem em rotinas, porque a familiarização é um trunfo que não podemos dispensar. Os indivíduos convidados para este trabalho não deverão temer por si , tudo fazendo para que a normalidade se mantenha e o imprevisto não gere confusão ou provoque retrocesso.
Sem o contributo dos obstáculos humanos, sucessores da sociabilização e pilares da familiarização, mesmo que o cão invista tenazmente contra a manga e proceda a vários derrotes, jamais se sentirá à vontade nas arremetidas superiores, porque a proximidade da presa e a ocultação do acessório provocar-lhe-ão estranheza, não rara suspeição e a suspensão antecipada das ordens. De início, todo e qualquer estratagema empregue ou manobra escolhida deverão privilegiar a acção em detrimento do travamento, que deverá acontecer pela rendição forçada dos figurantes (por suspensão da provocação, imobilidade, queda ou rendição). A indiferença aos tiros deverá ser alcançada (já explicámos como no nº XXIX do Caderno de Ensino) e os contra-golpes a aplicar deverão sempre considerar a indiferença ou resistência do cão, porque precisa de se sentir e sair vencedor, como um predador sobre a presa e nunca o contrário. Apesar do tipo, amplitude e constância no ladrar serem de origem genética, eles irão necessitar de treino específico e de potenciação, face ao desuso costumeiro do cão e perante a premente necessidade do aviso, já que a intimidação funciona e raramente causa vítimas, o que neste caso melhor serve ao cão. Preparar um cão para provas é como adiantar a solução de um teste, porque o bicho sabe ao que vai e dificilmente será surpreendido. Prepará-lo para os desafios do quotidiano será mais árduo, porque a cada minuto emerge uma novidade e contra nós se aguça o engenho.
Estes cães têm um comportamento marginal e irão obrigar a uma terapia própria e a medidas excepcionais, porque desde cedo se isolam e sujeitam-se às investidas dos seus pares. A sua extrema dependência quando associada a uma inusitada carga instintiva levá-los-á a alimentar-se debaixo de suspeita, a carreiras evasivas, à troca da defesa pelo esconderijo, ao evitar de confrontos, ao temor face à autoridade e à resistência diante da novidade. O problema é anterior à transição do canis lupus para o lupus familiaris e ao eugenismo operado pelo homem, muito embora o último tenha contribuído para a sua proliferação, porque doutro modo dificilmente estes animais sobreviveriam nas alcateias, particularmente durante estações ou ecossistemas parcos em alimentos. Apesar de definhar dentro de uma matilha, o cão medroso sentir-se-á ali mais protegido do que perante a irrecusável constituição binomial, mercê do seu particular biológico, das suas características inatas e histórico social, condições que irão dificultar excessivamente a sua futura integração.
Apesar de subsistirem casos ligados à sagacidade de quem os vende e à ignorância de quem os adquire, a maioria dos cães medrosos chegará às nossas casas por comiseração, sentimento que mais tarde poderá transformar-se numa temível decepção e perpetuar pródigos desalentos na pessoa dos seus benfeitores, porque contrariamente ao amor, as paixões são volúveis e o desânimo enfraquece. A recuperação de um cão com estas características aponta para um processo inequívoco de reeducação, só possível pela dependência canina e pela alteração do seu viver social, esforço conjunto direccionado ao despoletar condicionado dos seus impulsos herdados indispensáveis e que induzirá a um renascimento por parto ambiental. Ainda que o sucesso seja possível, sempre será mais fácil regrar um valente do que suscitar valentia a um medricas. A haver alteração, ela resultará em primeira instância do super empenho do agregado humano, esperançado e apostado na sua recuperação. Dono e demais família do lar adoptivo, adestradores, condutores e cães escolares, todos estarão implicados neste projecto colectivo que visa esta emancipação individual, enquanto arautos da esperança e artífices da mudança.
Para além do combate ao logro e porque entendemos a venda de cães como uma prestação de serviço, quando detectamos um cão medroso aconselhamos de imediato a sua aquisição pelo criador, desde que na progenitora ou nos seus progenitores tal fenómeno não seja por demais evidente, o que comprometeria seriamente o desenvolvimento salutar do cachorro, atendendo a precariedade dos seus mestres. A excessiva agressividade dos progenitores, particularmente quando descontrolada e fortemente empenhada na defesa hierárquica, também não servirá os nossos propósitos, o que nos levará a aconselhar a doação do cachorro, conselho que manteremos diante da impossibilidade, impotência ou impropriedade do seu criador. Exceptuando estes casos, é de todo desejável que a recuperação do cachorro aconteça no lar que o viu nasceu e junto daquilo e daqueles que sempre conheceu. Por outro lado, a procura conhecedora e exigente obrigará os criadores ao mesmo encargo diante de igual problema, também porque vender um cão de fraca qualidade implicará em prejuízos imediatos e duradouros, mesmo que se abandone a criação, o que não virá a impedir o emporcalhar do bom-nome desses criadores eventuais.
A doação do cachorro problemático deverá considerar a sua recuperação e bem-estar, atentar para o perfil psicológico do obsequiado (que deverá ser experiente, disponível, empenhado, tolerante e compassivo), para as condições que oferece e para a existência ou não doutros cães de que poderá ser proprietário. Como o problema tem reflexos sociais e apostamos na transcendência operativa ambiental, não descuidando o possível contributo positivo de outros cães (biológico), é desejável que o cachorro venha a conviver um cão adulto do sexo oposto, equilibrado e razoavelmente controlado, porque a recuperação de um cachorro macho acontece naturalmente pela generosidade de uma cadela adulta e uma fêmea jovem sentir-se-á segura junto de um macho decidido, imitando-o e seguindo-o por toda a parte (vai com as costas quentes). O convívio entre cadelas deverá ser evitado, particularmente após a maturidade sexual, momento em que a mais velha procurará o agrado da liderança e escorraçará a mais nova da sua presença, fortalecendo-se de sobremaneira e enfraquecendo a outra sobejamente mais carenciada de ajuda. Do mesmo modo, a amizade entre um cachorro medroso e um cão adulto será comprometida durante o cio duma cadela residente, quando o instinto sexual despoletar sem rodeios o impulso ao poder do mais velho. A coabitação do cachorro problemático com cães castrados, considerando a sua recuperação, tanto poderá ser benéfica como catastrófica, ficando isso a dever-se ao carácter desses eunucos, à ocasião da mutilação e aos seus reflexos (taras e singularidades).
Assim, coabitação no lar adoptivo com outro cão garante a celeridade do processo reeducador, particularmente no convívio canino sem o espectro da exiguidade territorial e na permanência do espaço que lhes é comum. Este entendimento biológico, quando reforçado pela cumplicidade entre o líder e cão adulto, suscitará do cachorro a competitividade que gera a brincadeira, levá-lo-á a aceitar a hierarquia de modo natural e a assimilar a liderança como uma experiência feliz., porque só o equilíbrio doméstico poderá garantir as saídas ao exterior sem maiores atropelos. Os membros do agregado familiar, enquanto elementos neutros, deverão coibir-se de dar ordens ao cachorro ou proceder-lhe a reparos, forçar a sua presença ou contribuir para o seu afastamento, o que implicaria numa despromoção social facilmente absorvida pelo infante e que comprometeria a sua desejável ascensão. A brincadeira e a distribuição de brinquedos propicia a obtenção dum espólio próprio e as crianças responsáveis podem contribuir para a eliminação do espectro da autoridade, graças à parceria, à relação de proximidade, particularidade vocal e de interesses, à menor rigidez de postura e ao reduzido volume da sua silhueta, subsídios pedagógicos de valor inestimável para a recuperação do cachorro. A constituição binomial resultará das brincadeiras divididas com o cão adulto, da contribuição do agregado familiar e da propriedade da liderança, legitimada pelo exemplo e fundamentada na cumplicidade.
Se houver necessidade de atrasar o treino escolar, coisa difícil de acontecer diante do cenário acima descrito, espera-se o tempo necessário e o surgimento da autonomia que o suporta, porque o tempo não é um obstáculo mas um amigo que corre em nosso auxílio. No treino e porque queremos aproveitar a plasticidade física e cognitiva presente nos cachorros entre os 4 e os 6 meses de idade, abraçaremos a mobilidade em desfavor do travamento, os subsídios direccionais em prejuízo dos de imobilização, insistiremos na ginástica e no “junto”, porque sabemos que o desenvolvimento físico providencia o aumento cognitivo e que a experiência variada e rica opera por equilíbrio o seu desenvolvimento. A troca gradual de condutores, as distintas manobras de sociabilização, a disciplina das classes e o exemplo dos cães mais velhos tornarão viável a recuperação quase absoluta do cachorro, sintonizando-se com a sua espécie e preparando-o para a vida entre os homens, solicitando-lhe serviços que naturalmente e por si mesmo jamais alcançaria. Nisto reside a força do amor, dínamo do adestramento, força que massifica e quantifica os sentimentos nesta exigente arte de ensinar cães.
Poderá um cachorro medroso transformar-se num autêntico cão guardião? Sim e não, se entendermos a disciplina de guarda sem subtilezas e como modo de confrontação. Sim - se os simulacros produzirem alteração, preparação e capacitação; não - diante da novidade, da surpresa e na ausência de reciclagem, porque o condicionamento não ultrapassa a experiência animal e não consegue esconder os seus entraves individuais, apesar de muitos cães com estas características poderem vir a alcançar excelentes resultados em provas, por força da ficção que se transforma em realidade. O cão genuinamente guardião nasce assim e o devidamente estimulado adquire um comportamento quase idêntico, facto que toda a gente reconhece e que recentemente vimos denunciado, mais uma vez, no opúsculo “The Downfall of the German Shepherd” da autoria de Koos Hassing, cinotécnico holandês de reconhecidos méritos desportivos, um contestador de fórmulas sem questionar a sua essência ou denunciar a sua filosofia. Aqui como noutras disciplinas e para além das características individuais de cada cão, só a experiência sustenta a soberania do condicionamento.
Para transformar um medroso num guardião é necessário revitalizar-lhe os impulsos herdados inerentes a essa prestação, activando cada um deles pelo reforço positivo e dando tempo ao progresso. A primeira meta a atingir será a do bem-estar entre iguais, depois seguir-se-á a aceitação da liderança, logo a seguir a sociabilização e finalmente as induções. Provavelmente teremos de alterar as dietas, insistir na ginástica e não desprezar a recompensa. As induções começarão por ser domésticas, evoluirão para a Escola, acontecerão noutros terrenos e revitalizar-se-ão de novo em casa, considerando a fragilidade do seu particular gregário e a resistência que oferece perante a novidade de territórios e circunstâncias. As induções recairão inicialmente sobre o objecto e nunca sobre a pessoa do agressor, por convite e não por desafio, devendo ser projectadas debaixo do mesmo estímulo e acontecer sob condições óptimas, aquelas que o cão conhece e que lhe darão a certeza da vitória. Para que o cão vá adiante é necessário que perca o medo das pessoas, que as considere ao seu alcance e sujeitas ao seu domínio, benefício que geralmente alcançamos pelo exercício do APC e pelo convite à transposição de obstáculos humanos, debaixo de subsídios direccionais amplamente repetidos até se constituírem em rotinas, porque a familiarização é um trunfo que não podemos dispensar. Os indivíduos convidados para este trabalho não deverão temer por si , tudo fazendo para que a normalidade se mantenha e o imprevisto não gere confusão ou provoque retrocesso.
Sem o contributo dos obstáculos humanos, sucessores da sociabilização e pilares da familiarização, mesmo que o cão invista tenazmente contra a manga e proceda a vários derrotes, jamais se sentirá à vontade nas arremetidas superiores, porque a proximidade da presa e a ocultação do acessório provocar-lhe-ão estranheza, não rara suspeição e a suspensão antecipada das ordens. De início, todo e qualquer estratagema empregue ou manobra escolhida deverão privilegiar a acção em detrimento do travamento, que deverá acontecer pela rendição forçada dos figurantes (por suspensão da provocação, imobilidade, queda ou rendição). A indiferença aos tiros deverá ser alcançada (já explicámos como no nº XXIX do Caderno de Ensino) e os contra-golpes a aplicar deverão sempre considerar a indiferença ou resistência do cão, porque precisa de se sentir e sair vencedor, como um predador sobre a presa e nunca o contrário. Apesar do tipo, amplitude e constância no ladrar serem de origem genética, eles irão necessitar de treino específico e de potenciação, face ao desuso costumeiro do cão e perante a premente necessidade do aviso, já que a intimidação funciona e raramente causa vítimas, o que neste caso melhor serve ao cão. Preparar um cão para provas é como adiantar a solução de um teste, porque o bicho sabe ao que vai e dificilmente será surpreendido. Prepará-lo para os desafios do quotidiano será mais árduo, porque a cada minuto emerge uma novidade e contra nós se aguça o engenho.
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