terça-feira, 10 de novembro de 2009

O papel que ninguém quer

Para muitos, o melhor Adestrador do mundo é aquele que não chateia, que sempre atribui a culpa aos cães e que enaltece os donos, isentando-os de qualquer reparo e vendendo-lhes cabazes de esperança. São gente adulta que gosta de ser tratada como criança, na exaltação do particular em prejuízo do binómio, na permuta entre o serviço e o narcisismo, como se a mestria não resultasse do exercício e a parceria da comunhão. Educar cães, quer queiramos ou não, é educar homens, porque os cães não aprendem sozinhos e carecem de adaptação. E no mundo do inevitável, farto em prioridades, o cão pode esperar e ser relegado para depois, como se tivesse a nossa longevidade e compreendesse a natureza dos nossos tormentos. Infelizmente para ele, o cão não é um produto de 1ª necessidade e não se auto-sustenta, porque é dependente e sobrevive pela sujeição. Se a rudez de um cão sempre espelha um dono rudimentar, sobre quem incidiremos a nossa acção, quem necessitará de mudar?
Ainda que o não queira e faça tudo para o evitar, um Adestrador digno desse nome, sempre será um indivíduo incómodo, porque procura o bem-estar canino e nisso assenta o seu ofício. Cativo a essa missão, sujeita-se muitas vezes à incompreensão, personificando diferentes papéis segundo a perspectiva dos importunados, porque os conhece e sabe do que são capazes, porque os cães não mentem e o seu jugo tudo esclarece. A sua acção não se remete apenas ao exercício escolar, entra lar adentro, invade a privacidade, porque reclama por uma instalação doméstica capaz, pela excursão diária, por um tratamento condigno e tudo isto em prol do cão! A ausência de secretismo incomoda e o comodismo é abalado, os donos sentem-se vulneráveis e alguns mandam-no bugiar para outro lado. Não é fácil ser advogado do pobre diabo! É este o papel que cabe ao adestrador, num julgamento viciado e perante uma sentença adivinhada. Contudo, ele jamais irá desistir, a isso obriga a militância que o transporta ao cumprimento do serviço: o amor pelos cães!

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