Nenhuma criação de cães é por si mesma rentável, porque os lucros dificilmente igualarão o investimento feito, considerando os cuidados inerentes ao bem-estar da ninhada e dos seus progenitores, já que o investimento sobre os últimos rondará os 10.000 € aos 2 anos de idade. e as ninhadas aumentaraão substancial as despesas, por força do acompanhamento materno, da alteração das dietas e do desmame. Na melhor das hipóteses a ninhada cobriraá os seus gastos e garantirá a alimentação dos progenitores por 1 ano, não amortecendo ou repondo o investimento feito até então. Se ainda levarmos em conta o intervalo de segurança entre os partos, as oscilações do mercado, a excessiva oferta, o número inusitado de cachorras e as épocas menos apelativas, facilmente compreendemos que a criação é mera carolice, que para subsistir necessita de ser subsidiada ou complementada por outros lucros, quer eles provenham de actividades paralelas ou alheias. Assim, quem intentar viver à custa da criação de cães, se for sério, dificilmente sobreviverá. Ao invés, considerando aquilo que é um verdadeiro beneficiamento, a criação de cães deverá ser entregue a quem não necessita do seu contributo para viver ou aumentar os seus proventos, porque liberto da austeridade facilmente adquirirá e manterá a qualidade procurada. A criação de cães é como a das galinhas: somente rentável para os intermediários (parece que nos cavalos algo de semelhante se está a passar, porque existe por aí un indivíduo, tratado por "passa fome", que todos arrebanha). E por falar em cavalos, seria bom que os cães pastassem como eles, sairiam mais baratos, muito embora ficasse por resolver o problema dos anos secos.
Actualmente proliferam por cá uns intermediários espanhóis, também os há portugueses, que colocam em entidades de segurança públicas e privadas cães com 1 ano de idade, oriundos de Leste, à razão de 1.500 € cada um. As contas são fáceis de fazer: considerando o transporte como encargo do intermediário, ele terá que ganhar no mínimo 60%. Se subtrairmos esta quantia do valor transacionado, o criador receberá apenas 600 €. Se dividirmos esse valor por 12 meses, chegamos à quantia mensal de 50 €. Como um cão come em média 1 saco de ração por mês e as rações de qualidade rondam ou ultrapassam esse preço, que cães terá essa gente para entrega? Será normal vender qualidade a magote? E o acerto de contas, não resultará do balanceamento entre os melhores e os piores? Ainda há quem confie na sorte e acredite que a genética se sobrepõe a tudo, ignorando as mazelas provocadas por uma cadeia alimentar imprópria. E nem foram aqui equacionados os gastos com veterinários e o custo de qualquer tipo de treino. Existe neste negócio outra variante: a entrega via países da CEE de cães com 2 anos de idade (alguns desses animais chegam a vir dos Cárpatos, vindo a ser posteriormente adestrados no Ocidente). O seu preço ronda os 4.000 €, já chegam a morder e apenas há que adequar os futuros condutores. Se a este valor subtrairmos o cachet do intermediário e um ano de treino, o criador receberá hipoteticamente os mesmos 600 € (muitos receberão cerca de metade disso). E se ele tiver algum lucro, só o alcançará pela diminuição das despesas, sujeitando os animais ao "apertar do cinto". Cães girafas e incaracterísticos superabundam por aí, tal qual lobos esfomeados em condomínios, unidades fabris e parques automóveis. Face à concorrência, o criador europeu vê-se obrigado a baixar os preços e a criação torna-se insustentável. Estamos na era da globalização, muito do que consumimos não provém do Oriente? E a propósito: os espanhóis continuam a sua epopeia dos Sec. XV e XVI e vemo-los a negociar tudo por toda a parte, em qualquer lugar há um espanhol desconhecido que espera por si. E os portugueses onde estão, agora que a Ordem de Cristo já não tem mais proventos e os banqueiros judeus já cá não moram? O "el dorado" mora agora naquela que se dizia nossa e apela-se ao investimento em Angola.
Ao falar sobre cadelas, lembramos aqui o nosso amigo Sarmento Lopes, um cabo-verdiano que quando não gostava de alguém, fazendo suas as palavras de um conhecido seu, dizia: " se eu encontrar tal fulano e uma cobra no caminho, por mais venenosa que ela seja, não estando ninguém a ver, esborracho a cabeça ao homem e deixo o animal ir em paz, porque daí virá mal menor ao mundo". Optar pela compra de uma cadela pode ser um tremendo disparate, a menos que optemos pela sua castração, porque sempre acabaremos por fazer uma ninhada ou duas, ainda que esse não fosse o nosso propósito original. O problema agrava-se se não tivermos um macho, porque o dono do reprodutor fará imperar os seus direitos, cobrará de imediato a cópula ou escolherá o melhor exemplar para si, deixando todos os encargos para o proprietário da cadela, inclusive o da penosa venda da sua prole. E agora imaginem se o pobre homem não tem alma pró negócio! Aquilo que se fez por graça, pode revestir-se numa desgraça, num quebra-cabeças desgraçado. Negócios deste tipo só são vantajosos para o dono do cão e há quem ganhe muito dinheiro assim. Se não quer ou não tem como ser criador, terá que entrar pela política do "venha o diabo e escolha": ou sujeita-se a uma ninhada ou opta pela castração da cadela. A opção pela castração, apesar de muito em voga, não é inócua, porque induz à perca da qualidade de vida pela oferta do envelhecimento precoce. Contudo, não existe qualquer diferença prestativa em termos de guarda entre machos e fémeas, muito menos noutras disciplinas cinotécnicas, porque estamos fartos de ver cadelas excelentes e cães medíocres. A excelência não reside no sexo, mas nos impulsos herdados quando convenientemente aproveitados.
Para além da inviabilidade económica das ninhadas (e ainda há quem seja contra a venda dos cães), o criador ainda irá ser confrontado com a sua qualidade, sabendo-se de antemão que a maioria das ninhadas apresenta uma qualidade sofrível e que são poucas as que poderão ser consideradas excelentes, onde a homogeneidade se faça presente e os indivíduos saiam robustos física e psicologicamente. A procura desta garantia tem levado muitos aos beneficiamentos endogâmicos, com menor ou maior consanguinidade. O método tem-se revelado desastroso quando comparado com o seu aproveitamento, porque os cachorros apresentam menos vigor, maior fragilidade física e vêem reduzido o seu quadro de aptidões, porque ainda que salvaguardadas as características morfológicas, o seu carácter sofre alteração por defeito ou excesso, obstando à divisão de tarefas e à autonomia pretendida. Não havendo o know-how inerente à tarefa, deve o proprietário da cadela procurar conselho junto de quem o tenha, escutando os seus conselhos e diminuindo assim os riscos, o que não invalida que continue um ilustre desconhecido no mercado, apesar do seu produto poder ser recomendado por quem o auxiliou. É de todo desejável, se houver essa oportunidade, que se filie num núcleo de criadores, aumentando dessa maneira as hipóteses de escoamento dos cachorros, porque importa não estar só.
Lamentavelmente, cada vez menos se seleccionam cães com base no impulso ao conhecimento, porque a uns importa maioritariamente a estética, a outras a tenacidade na mordida, a alguns o impulso ao movimento e a uns poucos a extraordinária máquina sensorial. E dizemos lamentavelmente, porque a adaptação de um cão sempre dependerá do seu coeficiente de aprendizagem e ele sempre decorrerá desse impulso herdado, muito embora possa ser melhorado na infância pelo enriquecimento da experiência directa, coisa pouco vista face à ignorância generalizada dos proprietários de cães em tal matéria. De qualquer modo, a plasticidade que possibilitou essa capacitação poderá não ser geneticamente transmissível. O mundo da canicultura é constantemente fustigado por modas e nessa procura temos visto demasiadas aberrações, verdadeiros atentados contra o bem-estar canino que a breve trecho condenarão várias raças. Entendemos nós e nisto sempre nos demos bem, que o primeiro impulso a considerar na selecção deve ser o ligado ao conhecimento, uma vez salvaguardado o equilíbrio dos outros cinco mais importantes (ao alimento, ao movimento, à luta, à defesa e ao poder), porque um cão de forte impulso ao poder com baixa capacidade de aprendizagem tenderá a sujeitar tudo e todos, um cão corredor sem a necessária componente cognitiva transforma-se num louco, um cão de forte impulso à luta alienado da parceria morderá em quem não deve e aquele que é excessivamente territorial tendencialmente confundirá os inimigos. Infelizmente estes desequilíbrios não são só acidentais, há quem os procure e se dê bem com isso, mercê dos idiotas de igual patologia.
Muito mais haveria a dizer sobre este assunto, porque é deveras extenso e intimamente ligado à canicultura e à cinotecnia, circunscrito à genética e à etologia, profundamente ligado à antrozoologia e dependente da liberdade de cada um, segundo as suas expectativa e viver social. Breve retomaremos o tema.