sábado, 2 de maio de 2015

SERÁ O BOERBOEL UMA BESTA APOCALÍPTICA?

À imitação do que temos feito com outras raças, explicando-as por comparação a outras mais conhecidas, iremos servir-nos do Rottweiler para melhor compreendermos o Boerboel, oriundo da África do Sul, seleccionado pelos fazendeiros “boers” (população colonizadora branca de origem holandesa e huguenote) e chegado aqui com credenciais de matador. Nos últimos 25 anos treinámos meia-dúzia deles e o último foi mandado castrar pela dona antes dos 6 meses de idade, porque desejava ter filhos e temia que o animal lhes viesse a fazer mal, por via do estigma ao redor da raça e também alarmada pelo seu tamanho, transformando-o num bonacheirão que abominava o trabalho e tremia diante de qualquer cachorro insignificante, pelo que não será considerado nas conclusões deste artigo. Diante do pequeno número de exemplares desta raça que treinámos, vimo-nos obrigados a consultar o parecer de outros mais versados nestes molossos, criadores e treinadores que viveram e vivem lado a lado com maior número deles, subtraindo desses relatos considerações subjectivas, descontextualizadas e apaixonadas por lhes faltar rigor e carácter científico.
O Boerboel não se pode dissociar dos boers (fazendeiros holandeses que rumaram à África do Sul), que pretendiam acima de tudo um guarda para as suas propriedades. Não se sabe ao certo quantas raças contribuíram para a sua formação, mas ninguém parece duvidar da contribuição do Mastiff e de alguns cães africanos. Para todos os efeitos trata-se de um molosso grande, poderoso e intimidador, de mordedura potente, fortemente territorial, aparentemente pachorrento e dócil, com forte ossatura, de andamento fácil, silencioso e pouco pronunciado, com raro sentido de atenção e que faz da fixação a primeira das suas armas (a raça ainda não foi reconhecida pela FCI), estruturalmente um Rottweiler maior, de cor uniforme, de pelo mais raso, com maior ossatura, mais pregas e com o dorso mais selado, mais disperso, menos propenso à mecanicidade das acções, com menor resistência quando esforçado e carenciado de maior sociabilização entre iguais, que tende a desafiar a autoridade, a resistir à liderança e que obriga a um acompanhamento suave a partir dos momentos lúdicos, do apelo à sua vocação e de acordo com as suas necessidades básicas, um cão para ser trabalhado pelo reforço positivo, porque age de acordo com o recebe.
Apesar de não ser muito veloz (o seu peso não lho permite) é extraordinariamente elástico e desassombrado, mais ligado a acidentes naturais do que a obstáculos artificiais, que aborda à vista, evidenciando uma cadência de marcha lenta e atirada para cima das mãos (os posteriores abrem mais que os anteriores), transitando automaticamente do passo para o galope, preferindo empolar-se do que pular, não hesitando em rebentar obstáculos na sua frente ao invés de os transpor. Feito para andar em liberdade, quando demasiado confinado tende à destruição ou à letargia, dependendo isso do seu perfil psicológico. Nada sofrivelmente (resiste em usar os membros posteriores), não se intimida com o fogo e é tolerante aos disparos, não apresenta sintomas de acrofobia, mantém a coordenação na subida de escadas e tem o mesmo desempenho em diversos tipo de terreno, sendo mais fácil travá-lo do que incentivá-lo, sendo melhor na obediência do que no desempenho atlético.
O Boerboel, também entendido como “o touro dos boers”, é um caçador nato que se presta ao rastreamento, podendo ser usado como cão de resgate, de fila, vaqueiro e como caçador de caça grossa, porque é calmo e não se intima com animais de porte superior ao seu. Apesar de farejar muito bem, o seu sentido principal é a audição, que é excelente, por norma auxiliada pela extraordinária visão periférica que patenteia. Apresenta uma boa tolerância à dor e mesmo ferido não desiste dos seus intentos.
Como cão de guarda é mais defensivo do que ofensivo, tende a atacar de surpresa, muito embora avise e ameace (quando estimulado para isso) antes de atacar. Costuma identificar os diferentes ataques dos seus inimigos e fazer gorar as suas defesas, aprende com facilidade ataques cirúrgicos, mantem-se alerta de dia e de noite, presta-se à “revista e ao policiamento, abocanha e sacode bem, puxando os seu inimigos para si ao ponto dos desequilibrar. Sentindo os seus donos em risco, quando irritado, demasiado provocado ou sujeito a contra-ataque, tende a empoleirar-se sobre o seu opositor, operando-lhe ataques à jugular ou mesmo à cara, apesar de preferir a perseguição ao enfrentamento, apresentando alguma dificuldade nos ataques a alvos imóveis. Detesta que os estranhos o fixem, resiste naturalmente ao aliciamento, é cioso do seu território, detesta invasores e não permite manifestações excessivas de intimidade sobre os seus donos. Com forte impulso ao poder, em muito superior ao da luta, pode constituir-se em cão de matilha quer ela seja caçadora ou funcional (própria para guarda). Tende a defender os mais fracos e a socorrer os agredidos, mostra-se cuidadoso e protector  com as crianças, protege os donos dos ataques de outros animais e mantem debaixo de olho aqueles que lhes pertencem.
O melhor do Mastiff pode ser encontrado no Boerboel e quando comparado com o Rottweiler apresenta uma capacidade de aprendizagem menor, porque persiste na sua vontade e é mais independente. Em relação ao Mastiff é mais rústico e resistente, diferindo ainda do Rottweiler nos índices de prontidão. No resto é um molosso igual a tantos outros, não diferindo deles quer física quer psicologicamente. Alguns criadores da raça alvitram uma série de cuidados a ter com ela, fazendo do Boerboel “um bicho-de-sete-cabeças”, o que é falso mas serve os seus intentos, estratégia que visa a valorização desta raça como guardiã, ao rotulá-la de implacável, única e extraordinária, o que a ser verdade tornaria obsoletas as raças suas concorrentes. A relação do Boerboel com lupinos e vulpinos não é das melhores, o que exigirá a sua pronta sociabilização. Estamos diante de “um bom gigante” com uma presença ostensiva assaz notável, que tanto pode ser solícito como dorminhoco, muito embora não permita qualquer abuso, que ao ser fácil de treinar desmente o que dele se diz, verdade que experimentámos e que vimos confirmada. O Boerboel tem tudo para ser um excelente cão de família, muito embora exija espaço, longas caminhadas diárias e saia dispendioso pelo que come. A raça é propensa às displasias do cotovelo e tende à obesidade quando afastada do exercício físico, apresentando as mesmas maleitas e menos valias presentes nos molossos de igual tamanho e características. Quando trabalhada de modo apropriado, apresenta uma definição muscular deveras impressionante e intimidatória, o que destaca a razão que presidiu à sua necessidade e selecção. 

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