À imitação do que temos feito com outras raças, explicando-as por
comparação a outras mais conhecidas, iremos servir-nos do Rottweiler para
melhor compreendermos o Boerboel, oriundo da África do Sul, seleccionado pelos
fazendeiros “boers” (população colonizadora branca de origem holandesa e
huguenote) e chegado aqui com credenciais de matador. Nos últimos 25 anos
treinámos meia-dúzia deles e o último foi mandado castrar pela dona antes dos 6
meses de idade, porque desejava ter filhos e temia que o animal lhes viesse a
fazer mal, por via do estigma ao redor da raça e também alarmada pelo seu
tamanho, transformando-o num bonacheirão que abominava o trabalho e tremia
diante de qualquer cachorro insignificante, pelo que não será considerado nas
conclusões deste artigo. Diante do pequeno número de exemplares desta raça que
treinámos, vimo-nos obrigados a consultar o parecer de outros mais versados
nestes molossos, criadores e treinadores que viveram e vivem lado a lado com maior
número deles, subtraindo desses relatos considerações subjectivas,
descontextualizadas e apaixonadas por lhes faltar rigor e carácter científico.
O Boerboel não se pode dissociar dos boers (fazendeiros holandeses que
rumaram à África do Sul), que pretendiam acima de tudo um guarda para as suas
propriedades. Não se sabe ao certo quantas raças contribuíram para a sua
formação, mas ninguém parece duvidar da contribuição do Mastiff e de alguns
cães africanos. Para todos os efeitos trata-se de um molosso grande, poderoso e
intimidador, de mordedura potente, fortemente territorial, aparentemente
pachorrento e dócil, com forte ossatura, de andamento fácil, silencioso e pouco
pronunciado, com raro sentido de atenção e que faz da fixação a primeira das
suas armas (a raça ainda não foi reconhecida pela FCI), estruturalmente um Rottweiler
maior, de cor uniforme, de pelo mais raso, com maior ossatura, mais pregas e
com o dorso mais selado, mais disperso, menos propenso à mecanicidade das
acções, com menor resistência quando esforçado e carenciado de maior
sociabilização entre iguais, que tende a desafiar a autoridade, a resistir à
liderança e que obriga a um acompanhamento suave a partir dos momentos lúdicos,
do apelo à sua vocação e de acordo com as suas necessidades básicas, um cão
para ser trabalhado pelo reforço positivo, porque age de acordo com o recebe.
Apesar de não ser muito veloz (o seu peso não lho permite) é extraordinariamente
elástico e desassombrado, mais ligado a acidentes naturais do que a obstáculos
artificiais, que aborda à vista, evidenciando uma cadência de marcha lenta e
atirada para cima das mãos (os posteriores abrem mais que os anteriores),
transitando automaticamente do passo para o galope, preferindo empolar-se do
que pular, não hesitando em rebentar obstáculos na sua frente ao invés de os
transpor. Feito para andar em liberdade, quando demasiado confinado tende à
destruição ou à letargia, dependendo isso do seu perfil psicológico. Nada
sofrivelmente (resiste em usar os membros posteriores), não se intimida com o
fogo e é tolerante aos disparos, não apresenta sintomas de acrofobia, mantém a
coordenação na subida de escadas e tem o mesmo desempenho em diversos tipo de
terreno, sendo mais fácil travá-lo do que incentivá-lo, sendo melhor na
obediência do que no desempenho atlético.
O Boerboel, também entendido como “o touro dos boers”, é um caçador nato
que se presta ao rastreamento, podendo ser usado como cão de resgate, de fila,
vaqueiro e como caçador de caça grossa, porque é calmo e não se intima com
animais de porte superior ao seu. Apesar de farejar muito bem, o seu sentido
principal é a audição, que é excelente, por norma auxiliada pela extraordinária
visão periférica que patenteia. Apresenta uma boa tolerância à dor e mesmo
ferido não desiste dos seus intentos.
Como cão de guarda é mais
defensivo do que ofensivo, tende a atacar de surpresa, muito embora avise e
ameace (quando estimulado para isso) antes de atacar. Costuma identificar os
diferentes ataques dos seus inimigos e fazer gorar as suas defesas, aprende com
facilidade ataques cirúrgicos, mantem-se alerta de dia e de noite, presta-se à
“revista e ao policiamento, abocanha e sacode bem, puxando os seu inimigos para
si ao ponto dos desequilibrar. Sentindo os seus donos em risco, quando
irritado, demasiado provocado ou sujeito a contra-ataque, tende a empoleirar-se
sobre o seu opositor, operando-lhe ataques à jugular ou mesmo à cara, apesar de
preferir a perseguição ao enfrentamento, apresentando alguma dificuldade nos
ataques a alvos imóveis. Detesta que os estranhos o fixem, resiste naturalmente
ao aliciamento, é cioso do seu território, detesta invasores e não permite
manifestações excessivas de intimidade sobre os seus donos. Com forte impulso
ao poder, em muito superior ao da luta, pode constituir-se em cão de matilha
quer ela seja caçadora ou funcional (própria para guarda). Tende a defender os
mais fracos e a socorrer os agredidos, mostra-se cuidadoso e protector com as crianças, protege os donos dos ataques
de outros animais e mantem debaixo de olho aqueles que lhes pertencem.
O melhor do Mastiff pode
ser encontrado no Boerboel e quando comparado com o Rottweiler apresenta uma
capacidade de aprendizagem menor, porque persiste na sua vontade e é mais
independente. Em relação ao Mastiff é mais rústico e resistente, diferindo
ainda do Rottweiler nos índices de prontidão. No resto é um molosso igual a
tantos outros, não diferindo deles quer física quer psicologicamente. Alguns
criadores da raça alvitram uma série de cuidados a ter com ela, fazendo do
Boerboel “um bicho-de-sete-cabeças”, o que é falso mas serve os seus intentos,
estratégia que visa a valorização desta raça como guardiã, ao rotulá-la de
implacável, única e extraordinária, o que a ser verdade tornaria obsoletas as
raças suas concorrentes. A relação do Boerboel com lupinos e vulpinos não é das
melhores, o que exigirá a sua pronta sociabilização. Estamos diante de “um bom
gigante” com uma presença ostensiva assaz notável, que tanto pode ser solícito
como dorminhoco, muito embora não permita qualquer abuso, que ao ser fácil de
treinar desmente o que dele se diz, verdade que experimentámos e que vimos
confirmada. O Boerboel tem tudo para ser um excelente cão de família, muito
embora exija espaço, longas caminhadas diárias e saia dispendioso pelo que
come. A raça é propensa às displasias do cotovelo e tende à obesidade quando
afastada do exercício físico, apresentando as mesmas maleitas e menos valias
presentes nos molossos de igual tamanho e características. Quando trabalhada de
modo apropriado, apresenta uma definição muscular deveras impressionante e
intimidatória, o que destaca a razão que presidiu à sua necessidade e selecção.
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