domingo, 31 de maio de 2015

CÃES DO OLX E EM 2ª MÃO

Já vimos comprar bons cachorros que se encontravam alojados em grades, a par com pombos, coelhos e galinhas; já adoptámos cães que se revelaram surpreendentes; já comprámos alguns baratos que não venderíamos por nenhum preço e já vimos alguns péssimos a gerarem filhos excelentes. Porém, estamos a falar de excepções, duma lotaria que apenas permeia os sortudos, da rara sorte que por vezes bafeja os principiantes, quando se procuram cães de trabalho ou com um fim específico. Por via da contenção económica a que nos vimos forçados e que cada vez mais diferenciará os países da Comunidade Europeia entre si (porque uns pagam juros e outros recebem-nos), o panorama da canicultura portuguesa mudou drasticamente, porque a classe média está depauperada (depenada) e não lhe sobra dinheiro para extravagâncias. O filão dos cães importados, que tanto dinheiro deu a ganhar, secou; os grandes canicultores reduziram os efectivos e despesas; o preço dos cães baixou para valores impensáveis; as rações mais baratas viram aumentada a sua procura; os veterinários passaram a ser evitados e a presença de binómios nas escolas dificilmente ultrapassa o 1º mês, mesmo com a redução do valor das mensalidades que hoje se pratica. E se a nossa canicultura ainda não foi a pique, é porque as paixões são difíceis de controlar, sempre saltam à flor da pele e fomos nós que criámos o ditado: “quem não tem cão, caça com gato”. Fomos nós ou seriam os ingleses?
Nunca foi tão fácil comprar um cão bom por pouco dinheiro e não é difícil adquirir um ruim pelo mesmo preço (ambos podem ser comprados a prestações), porque há muita gente a desfazer-se de cães e parece que a campanha “não compre, adopte um cão” está finalmente a surtir efeito, apesar da opção se afigurar mais forçada do que livre. Nunca o preço mandou mais do que a qualidade como agora, andando de boca em boca a relação preço-qualidade, política tantas vezes desprezada nos auspiciosos tempos das vacas gordas. Longe vai o tempo das visitas aos canicultores, que recebiam sobranceiros os seus clientes com um semblante ao mesmo tempo asceta e erudito, emanando conhecimento e não escondendo a riqueza. Agora pouco se ouve falar deles, alguns parecem ter desaparecido e a OLX usurpou o seu lugar, porque os anúncios são gratuitos, a oferta é grande e o preço aparece escarrapachado, o que facilita a compra de um cão sem sair de casa ou a saída pela certa. Graças aos bons ofícios da Internet, a maioria dos cães que nos chegam foi adquirida através da OLX, sendo a sua qualidade bem diversa, sobrando bons cães em más mãos e ruins a quem desejava mais, como sempre aconteceu. Por norma, estes cães têm pior apresentação que os do passado recente, sobressai a ausência de cuidado e o pouco investimento a que se viram votados, porque a palavra despesa é hoje proscrita, podendo ainda acontecer a venda de “gato por lebre”.
Sempre aconteceu e hoje prolifera, a prática dos cães em 2ª mão, lembrando um sector do comércio automóvel, agora muito em voga e não tão lucrativo como antes, já que os clientes ou não pagam as mensalidades ou acabam por estampar os carros antes da sua satisfação, abandonando-os, tornando-se incontactáveis ou desaparecendo de circulação, dizendo-se muito ocupados, desempregados e desculpando-se até onde a imaginação lhes permitir. Considera-se cão em 2ª mão (alguns já vão na 3ª ou 4ª), aquele que foi comprado por alguém e que acaba vendido a uma segunda pessoa, por desencanto ou dificuldades várias do seu anterior proprietário. Quanto mais tarde estes cães forem adquiridos, mais mazelas carregarão da casa que os desprezou a troco de quase nada, apresentando muitos deles sinais de desnutrição, forte carga instintiva e também algumas taras de difícil solução, reflexos do seu viver social até então, pautado por experiências negativas que “teimarão” em não esquecer, para além de outras maleitas resultantes do excessivo confinamento, do stress, da ausência de acompanhamento médico-veterinário e da falta de higiene.
Estas novidades relativas à aquisição de cães têm enfraquecido ainda mais a já pobre canicultura portuguesa, que nunca atingiu um lugar de destaque entre as suas congéneres europeias, servindo-lhes ao longo de décadas para o escoamento de exemplares de 2ª linha. Contudo, houve um punhado de homens que inverteu essa tendência, importando animais de primeira grandeza e de quem hoje não se houve falar. Com o Estado em austeridade, as forças policiais também andam mal aviadas de cães, apresentando alguns que nem lembram ao Príncipe das Trevas. Nas classes de trabalho e nas Forças da Ordem não nos faltam Malinois, cada um diferente do outro, estamos bem aviados de Border Collies, não nos faltam Weimaraners e o Buldogue Francês parece ser autóctone. Os Rottweilers levaram sumiço, há um Jack Russel a cada esquina, o Bull Terrier virou mascote, as raças portuguesas parecem ter passado à clandestinidade e os Pastores Alemães nunca foram tão maus como agora: pequenos, feios, carentes de envergadura, desaprumados e de costelas à vista, o que a ninguém espanta atendendo ao descalabro económico que nos atingiu e do qual tardamos em recuperar. Mas se mal vão os cães, os portugueses não vão melhor, excepção feita aos jovens licenciados, a quem são ainda apresentadas três saídas válidas: por mar, por terra e pelo ar! 

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