PREÂMBULO: Este
é um assunto que requer mais estudo, comprovação e reflexão, que supera em
muito os objectivos e competência deste blogue, que se prendem maioritariamente
com o relacionamento homem-cão, com o adestramento e o bem-estar animal, pelo
que abordaremos o tema de forma sucinta pelas evidências que temos observado e de
acordo com os estudos até hoje publicados. Não há nenhum cão, com pedigree ou
não, seja de que cor for, que tenha tudo de bom e nada de mal e, caso houvesse,
não seria certamente um cão, mas o conjunto do melhor de vários. Para facilitar
o entendimento do que vamos dizer a seguir, iremos basear-nos maioritariamente
no Cão de Pastor Alemão.
Comecemos pelos cães
selvagens. A cor nos cães selvagens possibilita a sua camuflagem para caçar e
não serem caçados, denunciando assim as características dos ecossistemas onde
se encontram inseridos e os seus hábitos de caça, assim como a sua taxa de
sucesso, inteiramente ligada à melhor ou pior adaptação. Ainda que todos os
lobos cacem em matilha, todos diferem no modo e circunstâncias de fazê-lo,
havendo uns que são diurnos e outros nocturnos, sendo esse comportamento denunciado
em parte pela cor, que acaba por marcar também a sua procedência geográfica.
Quando em determinada raça
canina subsistem cães de diversas variedades cromáticas, isso fica a dever-se aos
diferentes cães que entraram na génese da sua construção para a caracterizar
segundo as expectativas e propósito dos seus criadores, animais com algo em
comum e ao mesmo tempo com algumas características e comportamentos únicos.
A cor vermelha nos lobos,
uniforme ou combinada com outras, encontra-se presente em todos os continentes,
tornando-se inclusive dominante entre os Dingos na Austrália, que sobreviveram naquela
longínqua terra por conta própria e que se viram obrigados a alterar a sua
dieta. Também nas distintas raças de cães domésticos (lupus familiaris), o
factor vermelho está associado à agressividade, conforme pudemos testemunhar
num sem número de molossos e em particular em Cockers vermelhos e Bouviers da
Flandres entre outros, para já não falarmos no Pastor Belga Malinois.
Na origem comum de
Pastores Alemães, Belgas e Holandeses vários cães vermelhos estiveram presentes,
sendo a cor aceite pelos belgas, menos desejada pelos holandeses (hoje passa-se
exactamente o contrário pelo contributo “oculto” do Malinois) e desprezada
pelos alemães. Porém, ainda que em pequeno número, americanos, canadianos e
alguns nichos de criação no Leste Europeu, preservaram-nos até à presente data,
sendo Pastores Alemães iguais aos demais, que de “Ovcharkas”(1) nada
têm.
Esta variedade cromática
tornada recessiva pela acção sistemática dos criadores que a rejeitaram, que é
precoce, quando imaculada, têm muito para dar ao Pastor Alemão, exactamente o
mesmo que o Malinois lhe roubou em matéria laboral, na transição/evolução do
pesado e serôdio bicolor para o rápido, rústico e decidido vermelho. Sim, só a
reunião das variedades dispersas do Pastor Alemão poderão devolver-lhe a saúde
e aptidão que outrora o caracterizaram.
Voltemo-nos agora para os
cães negros. Antes desta análise somos obrigados a confessar a nossa admiração
e preferência por Pastores Alemães negros, predilecção que não irá impedir a denúncia
das menos valias desta variedade cromática, cujo montante se agrava quando criada
isoladamente, como todas as que pecam por ausência de biodiversidade. Devido à extraordinária
absorção dos raios solares, os cães negros são por norma precoces e com uma
linha de crescimento mais curta, o que lhes permite assumir as suas tarefas
mais cedo do que as comuns variedades cromáticas. Contudo, sofrem demasiado
quando expostos ao sol e tendem a fugir dele sempre que possível, cansando-se
facilmente nos dias de maior calor, o que os torna impróprios como guardiões
quando as temperaturas diurnas sobem, condições que não afectam brancos e
lobeiros, os primeiros porque reflectem os raios solares e os últimos porque
regulam a cor do seu manto de acordo com o relógio biológico.
Em contrapartida, os cães
negros toleram bem o frio, adoram não ser vistos e são próprios para trabalhar
à noite, secam-se mais depressa, avisam menos e são mais cautelosos nas
abordagens, ainda que o condicionamento possa mudar isso tudo por desrespeito
ou necessidade (deverão os cães avisar antes de capturar?). Para além deste
comportamento tipo, os cães negros, quando criados isoladamente, tendem cada
vez mais a ser de menor tamanho, pelo que esta variedade cromática insiste em
retornar ao atavismo e aos cães mais pequenos que estiveram na sua origem,
conforme têm vindo a experimentar os criadores desta variedade cromática.
Os Pastores Alemães
brancos, quando comparados com os demais e dispensados de maiores cuidados,
tendem a ser simultaneamente mais independentes e dependentes, independentes porque
exigem maior autonomia e dependentes por necessitarem de maiores cuidados, uma
vez que acusam a humidade em demasia, tendem a tremer e procuram abrigar-se,
para além de demorarem a secar, o que compromete o seu desempenho anfíbio, isto
se o seu manto for pouco denso. Não obstante, suportam os dias mais quentes e
respeitam os horários de vigilância em qualquer parte onde estiverem.
Nas ninhadas cujos
progenitores sejam de diferentes variedades cromáticas, a cor dos cachorros
pode não espelhar as características a ela associadas e adoptar outras
maioritárias na sua construção. A estes cães, geralmente bem equipados para os
serviços deles esperados, dá-se-lhes o nome de “falsos cães” (compreende-se
porquê). Torna-se evidente que são os cães das variedades cromáticas dominantes
que melhor escondem e transportam estas inesperadas mais-valias.
Os cães lobeiros e azuis
têm uma curva de crescimento mais longa e equilibram-se mais tarde, tendem a
ser mais dissimulados nos seus ataques e são eles que dotam os restantes de não
permitir a saída de invasores. Sobre o comportamento dos lobeiros e para quem
desejar uma análise mais detalhada, aconselhamos a leitura dos textos: “PASTORES ALEMÃES LOBEIROS: O QUE OS
TORNA ESPECIAIS”, editado em 02/11/2015 e “O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS”,
editado em 26/10/2009, que é o 8º texto mais lido deste blogue.
Resta dizer que o
enfraquecimento generalizado das variedades recessivas, que tem vindo a pôr em
causa a saúde e a longevidade de muitos cães, cite-se o exemplo dos Labradores
chocolate, deve-se à eugenia negativa que continua inusitadamente a promover a
endogamia e a consanguinidade nos cães com pedigree, por via do reduzido número
de parceiros que lhe são dados para copular. Quando largará a eugenia negativa
a canicultura? Não seremos capazes de fazer melhor?
Pelo
que ouvimos, experimentámos e dissemos aqui, pêlos não são cabelos e a cor dos
cães acaba também por desnudá-los, por ligá-los à sua proveniência e a hábitos
atávicos, comportamentos ligados ao passado recente e longínquo, como a acção
instintiva que leva alguns a enterrar o alimento.
(1)Melhoramento do Pastor Alemão a partir de
outras raças locais, conservando-lhe uma morfologia próxima da original.
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