terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

A INFLUÊNCIA DA COR NO COMPORTAMENTO CANINO

PREÂMBULO: Este é um assunto que requer mais estudo, comprovação e reflexão, que supera em muito os objectivos e competência deste blogue, que se prendem maioritariamente com o relacionamento homem-cão, com o adestramento e o bem-estar animal, pelo que abordaremos o tema de forma sucinta pelas evidências que temos observado e de acordo com os estudos até hoje publicados. Não há nenhum cão, com pedigree ou não, seja de que cor for, que tenha tudo de bom e nada de mal e, caso houvesse, não seria certamente um cão, mas o conjunto do melhor de vários. Para facilitar o entendimento do que vamos dizer a seguir, iremos basear-nos maioritariamente no Cão de Pastor Alemão.
Comecemos pelos cães selvagens. A cor nos cães selvagens possibilita a sua camuflagem para caçar e não serem caçados, denunciando assim as características dos ecossistemas onde se encontram inseridos e os seus hábitos de caça, assim como a sua taxa de sucesso, inteiramente ligada à melhor ou pior adaptação. Ainda que todos os lobos cacem em matilha, todos diferem no modo e circunstâncias de fazê-lo, havendo uns que são diurnos e outros nocturnos, sendo esse comportamento denunciado em parte pela cor, que acaba por marcar também a sua procedência geográfica.
Quando em determinada raça canina subsistem cães de diversas variedades cromáticas, isso fica a dever-se aos diferentes cães que entraram na génese da sua construção para a caracterizar segundo as expectativas e propósito dos seus criadores, animais com algo em comum e ao mesmo tempo com algumas características e comportamentos únicos.
A cor vermelha nos lobos, uniforme ou combinada com outras, encontra-se presente em todos os continentes, tornando-se inclusive dominante entre os Dingos na Austrália, que sobreviveram naquela longínqua terra por conta própria e que se viram obrigados a alterar a sua dieta. Também nas distintas raças de cães domésticos (lupus familiaris), o factor vermelho está associado à agressividade, conforme pudemos testemunhar num sem número de molossos e em particular em Cockers vermelhos e Bouviers da Flandres entre outros, para já não falarmos no Pastor Belga Malinois.
Na origem comum de Pastores Alemães, Belgas e Holandeses vários cães vermelhos estiveram presentes, sendo a cor aceite pelos belgas, menos desejada pelos holandeses (hoje passa-se exactamente o contrário pelo contributo “oculto” do Malinois) e desprezada pelos alemães. Porém, ainda que em pequeno número, americanos, canadianos e alguns nichos de criação no Leste Europeu, preservaram-nos até à presente data, sendo Pastores Alemães iguais aos demais, que de “Ovcharkas”(1) nada têm.
Esta variedade cromática tornada recessiva pela acção sistemática dos criadores que a rejeitaram, que é precoce, quando imaculada, têm muito para dar ao Pastor Alemão, exactamente o mesmo que o Malinois lhe roubou em matéria laboral, na transição/evolução do pesado e serôdio bicolor para o rápido, rústico e decidido vermelho. Sim, só a reunião das variedades dispersas do Pastor Alemão poderão devolver-lhe a saúde e aptidão que outrora o caracterizaram.
Voltemo-nos agora para os cães negros. Antes desta análise somos obrigados a confessar a nossa admiração e preferência por Pastores Alemães negros, predilecção que não irá impedir a denúncia das menos valias desta variedade cromática, cujo montante se agrava quando criada isoladamente, como todas as que pecam por ausência de biodiversidade. Devido à extraordinária absorção dos raios solares, os cães negros são por norma precoces e com uma linha de crescimento mais curta, o que lhes permite assumir as suas tarefas mais cedo do que as comuns variedades cromáticas. Contudo, sofrem demasiado quando expostos ao sol e tendem a fugir dele sempre que possível, cansando-se facilmente nos dias de maior calor, o que os torna impróprios como guardiões quando as temperaturas diurnas sobem, condições que não afectam brancos e lobeiros, os primeiros porque reflectem os raios solares e os últimos porque regulam a cor do seu manto de acordo com o relógio biológico.
Em contrapartida, os cães negros toleram bem o frio, adoram não ser vistos e são próprios para trabalhar à noite, secam-se mais depressa, avisam menos e são mais cautelosos nas abordagens, ainda que o condicionamento possa mudar isso tudo por desrespeito ou necessidade (deverão os cães avisar antes de capturar?). Para além deste comportamento tipo, os cães negros, quando criados isoladamente, tendem cada vez mais a ser de menor tamanho, pelo que esta variedade cromática insiste em retornar ao atavismo e aos cães mais pequenos que estiveram na sua origem, conforme têm vindo a experimentar os criadores desta variedade cromática.
Os Pastores Alemães brancos, quando comparados com os demais e dispensados de maiores cuidados, tendem a ser simultaneamente mais independentes e dependentes, independentes porque exigem maior autonomia e dependentes por necessitarem de maiores cuidados, uma vez que acusam a humidade em demasia, tendem a tremer e procuram abrigar-se, para além de demorarem a secar, o que compromete o seu desempenho anfíbio, isto se o seu manto for pouco denso. Não obstante, suportam os dias mais quentes e respeitam os horários de vigilância em qualquer parte onde estiverem.
Nas ninhadas cujos progenitores sejam de diferentes variedades cromáticas, a cor dos cachorros pode não espelhar as características a ela associadas e adoptar outras maioritárias na sua construção. A estes cães, geralmente bem equipados para os serviços deles esperados, dá-se-lhes o nome de “falsos cães” (compreende-se porquê). Torna-se evidente que são os cães das variedades cromáticas dominantes que melhor escondem e transportam estas inesperadas mais-valias.
Os cães lobeiros e azuis têm uma curva de crescimento mais longa e equilibram-se mais tarde, tendem a ser mais dissimulados nos seus ataques e são eles que dotam os restantes de não permitir a saída de invasores. Sobre o comportamento dos lobeiros e para quem desejar uma análise mais detalhada, aconselhamos a leitura dos textos: “PASTORES ALEMÃES LOBEIROS: O QUE OS TORNA ESPECIAIS”, editado em 02/11/2015 e “O CÃO LOBEIRO: UM SILVESTRE ENTRE NÓS”, editado em 26/10/2009, que é o 8º texto mais lido deste blogue.
Resta dizer que o enfraquecimento generalizado das variedades recessivas, que tem vindo a pôr em causa a saúde e a longevidade de muitos cães, cite-se o exemplo dos Labradores chocolate, deve-se à eugenia negativa que continua inusitadamente a promover a endogamia e a consanguinidade nos cães com pedigree, por via do reduzido número de parceiros que lhe são dados para copular. Quando largará a eugenia negativa a canicultura? Não seremos capazes de fazer melhor?
Pelo que ouvimos, experimentámos e dissemos aqui, pêlos não são cabelos e a cor dos cães acaba também por desnudá-los, por ligá-los à sua proveniência e a hábitos atávicos, comportamentos ligados ao passado recente e longínquo, como a acção instintiva que leva alguns a enterrar o alimento.
(1)Melhoramento do Pastor Alemão a partir de outras raças locais, conservando-lhe uma morfologia próxima da original. 

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