As
actuais sociedades europeias estão a enfrentar uma crise de valores que há
muito não experimentavam, bombardeadas que andam com toda a sorte de informação/desinformação,
novidade que lança muitos em confusão e desprepara para o alcance os ideais que
lhes são inculcados, princípios que adoptam para além da sua história, cultura
e bom senso. Este rompimento com o passado, quando somado às inverdades que
hoje aceitam como artigos de fé à revelia da ciência, acaba por causar grande
número de vítimas, sucedendo aos desastres os alertas e desmentidos sem nenhum préstimo
para os que se finaram ou que foram barbaramente agredidos, sendo a cautela
substituída pela corrida atrás do prejuízo. E se não é bom que os adultos
procedam assim, pior é que sujeitem gratuitamente as suas crianças a riscos
desnecessários, forçando as de tenra idade e sem senso de responsabilidade à
coabitação com cães que tratam igual e arbitrariamente como filhos, disparate
que tem resultado num exagerado número de crianças agredidas, traumatizadas,
mutiladas e mortas.
Importa
dizer de imediato que os cães não são todos iguais, que dentro de cada raça há
indivíduos diferentes, que o dimorfismo sexual nelas presente pode operar
comportamentos diversos, que há algumas que naturalmente não se prestam para “baby-sitters”
e que os diferentes estágios etários caninos podem alterar comportamentos,
verdades que atingem todos os grupos somáticos e que não se circunscrevem somente
a um tamanho específico de cão, o que não isenta a interacção entre crianças e
cães de sérios riscos, mormente quando se trata de bebés ou de infantes com
menos de quatro anos de idade, que não se apercebendo dos seus limites, acabam ingénua
e ordinariamente por desrespeitar o que aos cães é devido, resultando essa
interacção aparentemente amigável numa sangria desatada. Conscientes desta
nefasta possibilidade e conhecedores do crescente número de vítimas, somente
aconselhamos a coabitação e a interacção com um cão a crianças de idade igual
ou superior aos seis anos, sem dispensar os seus pais da supervisão e do estabelecimento
de regras a uns e a outros.
Ao
falarmos deste assunto e da incúria dos pais, sempre nos lembramos da história
do “caderninho”, hipotético livro de dúvidas que um teólogo agraciado pela Fé
mantinha para esclarecê-las aquando do seu encontro com Deus. Caso fôssemos
como ele, também levaríamos para a cova a seguinte questão: porque consentem os
pais que os filhos morram à boca dos cães, quando não é difícil ensinar e
regrar ambos? Visando a salvaguarda das crianças, todo e qualquer cão deverá
ser ensinado a respeitá-las e a ser submisso aos seus pais, porque doutro modo
os ataques caninos poderão suceder mesmo debaixo dos narizes dos seus
progenitores, “surpresa” que jamais deixarão de lamentar e cujo coro aumenta
anualmente nas sociedades mais evoluídas. Assim como subsistem cães
naturalmente dóceis, cuidadosos e protectores das crianças (todos já vimos ou
tivemos conhecimento de algum), eles são a excepção que confirma a regra e aqui
a regra é de ouro porque importa prevenir.
Normalmente
os ataques caninos sobre crianças de tenra idade obedecem às seguintes
condições: sobre bebés confiados a outrem com cães residentes e pouco ou nada
controlados; quando os animais são mais antigos no lar (situação que se repete
amiúde), alcançaram um estatuto abusivo e dele não abdicam, considerando a casa
como sua exclusiva pertença; quando cães e crianças são deixados sós; quando as
crianças avançam para os pais com objectos que os cães entendem próprios para a
agressão; quando os pais ralham com os filhos; quando os bebés pegam nos
brinquedos, outros pertences ou se aproximam da comida e espaço dos cães;
quando os agridem ou molestam; quando ingenuamente se interpõem entre eles e os
pais e em todas as situações em que se constituem ameaça sem o saberem (há
crianças que interpretam o rosnar dos cães como sorrisos).
Sabemos
que melhor seria ter um filho primeiro, deixá-lo crescer e só depois um cão,
apesar de hoje suceder maioritariamente o contrário (razões não faltam). Diante
dos factos importa escolher o cão certo, educá-lo primeiro e só depois pensar no
bebé vindouro, o que nunca dispensará a supervisão dos pais, a quem cabe a salvaguarda
dos filhos e a decisão de os afastar dos cães quando a situação assim o exigir.
Diz-se que o seguro morreu de velho e todos desejamos que os nossos filhos
tenham vida em abundância, o que equivale a dizer nesta matéria que não podemos
colocar a confiança à frente dos cuidados e protecção que não dispensam. Certamente
voltaremos a este assunto, deixámos o aviso, estenderemos maiores
esclarecimentos a quem nos pedir, podemos ajudá-lo na escolha do cão certo e auxiliá-lo
no seu ensino. Fernando Pessoa dizia que o melhor do mundo são as crianças,
muito embora nunca tivesse filhos, mas se você os tem não os perca, porque será aqui substancialmente mais feliz se souber amá-los e educá-los.
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