segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

MÃOS PARA QUE VOS QUERO

Quem anda na cinotecnia multidisciplinar há algum tempo sabe que, exceptuando os cães de caça à toca, nenhum dos outros dispensa membros anteriores bem aprumados e robustos, apesar do seu “motor” se encontrar atrás – na garupa, e quanto mais sólida ela é, mais vai exigir da espádua e das mãos dos animais, porque doutro modo evoluiriam em ziguezague, desengonçados e ao tropeção, modo de locomoção que afecta hoje grande número de Pastores Alemães descendentes de progenitores advindos dos shows de conformação, ditos de beleza, que apesar dos títulos de campeão, transmitem penosas artroses e condenam a sua prole ao desprendimento de líquido sinovial nas articulações, mormente nas mãos, cotovelos e curvilhões, mercê de um dorso demasiado convexo sustentado por membros irremediavelmente côncavos (peito estreito, metacarpos abatidos, mãos divergentes e jarrete de vaca), o que compromete de sobremaneira a sua biomecânica, dificultando-lhes a transição dos andamentos naturais e sujeitando-os a lesões por menor que seja o esforço.
A generalidade dos cães, em abono da sua saúde, bem-estar, longevidade e serviço, carece de ser portadora de bons membros (robustos, aprumados e funcionais), independentemente do seu uso ser ou não específico. Aqueles que se apresentam anatomicamente fragilizados de membros anteriores exigem especial cuidado no concurso aos obstáculos e diante doutros exercícios físicos, considerando a transferência do seu peso corporal para as mãos nos impactos ao solo. Há ocasiões, designadamente no treino de cachorros com este problema, em que mais vale esperar que cresçam do que sujeitá-los a exercícios que os incapacitem definitivamente. Na presença de um cão jovem com esta incapacidade, o que desafortunadamente amiúde se verifica, convém treiná-lo defensivamente para que atinja o índice médio de destreza, tanto para o seu quotidiano como para a sua função, convidando-o a transpor pequenos obstáculos livremente, nunca sem prévio aquecimento, para que aprenda por si mesmo a adiantar o membro anterior que lhe é mais cómodo e seguro, já que privá-lo da ginástica mais agravaria o seu problema, encurtaria os seus dias e comprometeria obviamente o seu desempenho.
E se todos os cães carecem de bons membros anteriores, o que dizer daqueles que são convidados para abocanhar e transportar espécies cinegéticas, vários objectos ou que necessitam deles para atacar, contra-atacar, pôr-se em fuga ou resgatar? Recentemente a “Veterinärmedizinische Universität Wien” (Universidade de Medicina-Veterinária de Viena/Áustria) divulgou os resultados de um estudo realizado no seu laboratório de movimento com Retrievers, publicado na revista científica “BMC Veterinary Research”, onde concluiu que os cães convidados para o transporte, ao carregarem as suas presas ou objectos na boca, inclinam-se para a frente, transferindo 60% do seu peso corporal para os membros anteriores, esforçando em simultâneo as suas articulações e tendões, podendo lesionar-se seriamente quando o peso a transportar for demasiado para a sua estrutura. Aconselham aqueles cientistas, tanto para os cães jovens como para os adultos ordinariamente convidados para o transporte, que sejam objecto de verificações regulares por parte dos veterinários para se aquilatar do bom estado das suas articulações, tendões e músculos. Havendo este cuidado e não se abusando no peso a transportar, o transporte é uma actividade salutar que muito agrada aos cães.
Na Acendura Brava, por prevenção e norma, não consentimos que nenhum cão transporte um objecto com um peso superior a 7.5% do seu peso corporal. Muito excepcionalmente, perante cães particularmente sólidos, dotados e habilitados, bem aprumados e musculados, para quem o transporte é imprescindível para o seu serviço ou que o subsidie, o peso a transportar poderá ser maior, excepções que aconteceram um par de vezes ao longo da nossa história diante de cães extraordinários, mormente entre Rottweilers e Pastores Alemães.
Por tudo o que dissemos e com base no conhecimento científico que o comprova, entendemos que todos os cães carecem de bons membros anteriores para o seu dia-a-dia e desempenho, que o transporte só deverá ser solicitado aos cães bem aprumados de frente, que o peso a transportar deverá considerar sempre o peso corporal dos animais, que os animais fragilizados de mãos deverão ser arredados da prática do transporte e dos derrotes violentos a que se sujeitam quando lutam pela posse de nós de corda, brinquedos ou churros, já que tais práticas atentam contra a sua saúde e bem-estar. É obrigação dos criadores, sobretudo dos que se dedicam à criação de cães de trabalho, produzir cães bem aprumados para os objectivos a que se propuseram, porque doutro modo estarão a vender gato por lebre e a defraudar a raça ou raças que abraçaram, abusando em simultâneo da boa-fé dos seus clientes. Para se ser um criador com letra grande, não basta ter uma cadela e comprar um afixo, é necessário um maior conhecimento histórico, genético, morfológico, psicológico e biomecânico da raça escolhida, assim como dos defeitos e impropriedades que ainda a assolam e que carecem de eliminação, predicados em falta nos criadores por vaidade, oportunidade ou “desenrascanço”.  

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