Quem
anda na cinotecnia multidisciplinar há algum tempo sabe que, exceptuando os
cães de caça à toca, nenhum dos outros dispensa membros anteriores bem
aprumados e robustos, apesar do seu “motor” se encontrar atrás – na garupa, e
quanto mais sólida ela é, mais vai exigir da espádua e das mãos dos animais,
porque doutro modo evoluiriam em ziguezague, desengonçados e ao tropeção, modo
de locomoção que afecta hoje grande número de Pastores Alemães descendentes de
progenitores advindos dos shows de conformação, ditos de beleza, que apesar dos
títulos de campeão, transmitem penosas artroses e condenam a sua prole ao
desprendimento de líquido sinovial nas articulações, mormente nas mãos,
cotovelos e curvilhões, mercê de um dorso demasiado convexo sustentado por
membros irremediavelmente côncavos (peito estreito, metacarpos abatidos, mãos
divergentes e jarrete de vaca), o que compromete de sobremaneira a sua
biomecânica, dificultando-lhes a transição dos andamentos naturais e sujeitando-os
a lesões por menor que seja o esforço.
A
generalidade dos cães, em abono da sua saúde, bem-estar, longevidade e serviço,
carece de ser portadora de bons membros (robustos, aprumados e funcionais),
independentemente do seu uso ser ou não específico. Aqueles que se apresentam
anatomicamente fragilizados de membros anteriores exigem especial cuidado no
concurso aos obstáculos e diante doutros exercícios físicos, considerando a
transferência do seu peso corporal para as mãos nos impactos ao solo. Há
ocasiões, designadamente no treino de cachorros com este problema, em que mais
vale esperar que cresçam do que sujeitá-los a exercícios que os incapacitem
definitivamente. Na presença de um cão jovem com esta incapacidade, o que desafortunadamente
amiúde se verifica, convém treiná-lo defensivamente para que atinja o índice
médio de destreza, tanto para o seu quotidiano como para a sua função,
convidando-o a transpor pequenos obstáculos livremente, nunca sem prévio
aquecimento, para que aprenda por si mesmo a adiantar o membro anterior que lhe
é mais cómodo e seguro, já que privá-lo da ginástica mais agravaria o seu
problema, encurtaria os seus dias e comprometeria obviamente o seu desempenho.
E
se todos os cães carecem de bons membros anteriores, o que dizer daqueles que
são convidados para abocanhar e transportar espécies cinegéticas, vários
objectos ou que necessitam deles para atacar, contra-atacar, pôr-se em fuga ou
resgatar? Recentemente a “Veterinärmedizinische Universität Wien” (Universidade
de Medicina-Veterinária de Viena/Áustria) divulgou os resultados de um estudo
realizado no seu laboratório de movimento com Retrievers, publicado na revista científica
“BMC Veterinary Research”, onde concluiu que os cães convidados para o
transporte, ao carregarem as suas presas ou objectos na boca, inclinam-se para
a frente, transferindo 60% do seu peso corporal para os membros anteriores, esforçando
em simultâneo as suas articulações e tendões, podendo lesionar-se seriamente
quando o peso a transportar for demasiado para a sua estrutura. Aconselham
aqueles cientistas, tanto para os cães jovens como para os adultos
ordinariamente convidados para o transporte, que sejam objecto de verificações
regulares por parte dos veterinários para se aquilatar do bom estado das suas
articulações, tendões e músculos. Havendo este cuidado e não se abusando no
peso a transportar, o transporte é uma actividade salutar que muito agrada aos
cães.
Na
Acendura Brava, por prevenção e norma, não consentimos que nenhum cão
transporte um objecto com um peso superior a 7.5% do seu peso corporal. Muito excepcionalmente,
perante cães particularmente sólidos, dotados e habilitados, bem aprumados e musculados,
para quem o transporte é imprescindível para o seu serviço ou que o subsidie, o
peso a transportar poderá ser maior, excepções que aconteceram um par de vezes
ao longo da nossa história diante de cães extraordinários, mormente entre
Rottweilers e Pastores Alemães.
Por
tudo o que dissemos e com base no conhecimento científico que o comprova,
entendemos que todos os cães carecem de bons membros anteriores para o seu
dia-a-dia e desempenho, que o transporte só deverá ser solicitado aos cães bem
aprumados de frente, que o peso a transportar deverá considerar sempre o peso
corporal dos animais, que os animais fragilizados de mãos deverão ser arredados
da prática do transporte e dos derrotes violentos a que se sujeitam quando
lutam pela posse de nós de corda, brinquedos ou churros, já que tais práticas
atentam contra a sua saúde e bem-estar. É obrigação dos criadores, sobretudo
dos que se dedicam à criação de cães de trabalho, produzir cães bem aprumados
para os objectivos a que se propuseram, porque doutro modo estarão a vender
gato por lebre e a defraudar a raça ou raças que abraçaram, abusando em
simultâneo da boa-fé dos seus clientes. Para se ser um criador com letra
grande, não basta ter uma cadela e comprar um afixo, é necessário um maior
conhecimento histórico, genético, morfológico, psicológico e biomecânico da
raça escolhida, assim como dos defeitos e impropriedades que ainda a assolam e
que carecem de eliminação, predicados em falta nos criadores por vaidade, oportunidade ou “desenrascanço”.
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