Como falar de cães
é falar dos homens que acompanham, ontem à noite lembrei duma história verídica,
tantas vezes repetida aos nossos alunos, que prometi contá-la hoje para os leitores
deste blogue e que diz respeito à palavra usada para despoletar o ataque dum
cão para defesa do seu dono. Estávamos na década de 70, na altura em que o
nosso Fernando Mamede competia contra Lasse Virén, um famoso atleta de fundo
finlandês, vencedor de 4 medalhas olímpicas e que era polícia de profissão. Ao
mesmo tempo e por casualidade, tornei-me proprietário de um Pastor Alemão que
havia sido dispensado de uma força policial por incompatibilidade de
comportamento, onde serviu durante quatro anos e cujos códigos desconhecia.
Certo dia, mais
pela aventura do que pelo préstimo, decidi acompanhar um parente que era
negociante de gado no transporte de um toiro charolês de uma tonelada,
empreitada nada fácil por exigir cuidados especiais de transporte, já que a
viatura utilizada era uma pequena camioneta Daihatsu e podia tombar-se caso o
animal se desequilibrasse. Como o cão passou a acompanhar-me para toda a parte
nos momentos que tinha livres, acabei por levá-lo connosco naquela jornada,
colocando-o sentado na cabine entre mim e o condutor. A viagem era de
meia-dúzia de quilómetros por uma estrada municipal em mau estado e onde a
polícia de trânsito raramente patrulhava. Por cautela, a viatura nunca excedia
os 40 Km de velocidade instantânea.
Inesperadamente,
um ébrio abandona a berma da estrada e cai uns dez metros à frente da carrinha
onde seguíamos, o que obrigou o condutor a dar uma guinada no volante para não atropelar
aquele infeliz. No meio da atrapalhação o meu parente gritou “Valha-me Deus!” e
imediatamente o Pastor Alemão trancou-lhe uma valente dentada na coxa direita
que lhe abriu uma ferida profunda, ferida que não dispensou uns quantos pontos
com linha de sutura. Felizmente a carrinha não tombou e o toiro foi entregue
incólume. Estupefacto com o ocorrido, decidi consultar o anterior tratador do
cão acerca daquele comportamento, ficando a saber que ele usava a expressão “Valha-me
Deus” nos momentos de maior aperto ou quando importava que o cão atacasse, o
que me veio a desculpabilizar perante aquele familiar inocentemente agredido.
As desculpas foram
prontamente aceites mas o ocorrido deixou o simples homem pensativo, como se
tivesse uma ideia brilhante e urdisse um plano inconfesso. Apaixonado por
ovelhas, tinha acabado de comprar um carneiro “Ile de France” para cobrir as
suas, um animal mocho (sem chifres) que pesava para cima de 100 kg e que era o
seu predilecto. Decidido em baptizá-lo, optou pelo nome de Lasse Virén que era
nome de campeão, apesar de adulterado para “Lá se vira”! Apostado em fazer
aquele carneiro ruim, talvez para que ninguém o roubasse quando se encontrava a
pastar longe dos seus olhares, começou a apertar-lhe os testículos e a
perguntar-lhe: “que horas são?”. Dali a pouco tempo, mal o carneiro ouvia aquela
questão, desatava a marrar em tudo o que encontrasse pela frente. Num dia
fatídico, quando o transportava a pé pela vila e preso por uma corda de fardo,
que também servia de cabresto ao animal, foi interpelado por uma velha
conhecida que lhe perguntou: “Ò Chico, que horas são?”. Antes que ele pudesse
esclarecer aquela anciã, o carneiro pregou-lhe tamanha marrada que a deixou
estendida na calçada, zonza e com os sacos das compras espalhados pelo chão!
A narrativa destes
trágicos acontecimentos deverá servir de lição para aqueles que codificam o
comando de ataque dos seus cães com palavras ou expressões correntes, que tanto
poderão surpreender meliantes como vitimar os seus emitentes, respectivos
familiares e amigos.
Sem comentários:
Enviar um comentário