segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O “LÁ SE VIRA” E A PALAVRA DE ATAQUE

Como falar de cães é falar dos homens que acompanham, ontem à noite lembrei duma história verídica, tantas vezes repetida aos nossos alunos, que prometi contá-la hoje para os leitores deste blogue e que diz respeito à palavra usada para despoletar o ataque dum cão para defesa do seu dono. Estávamos na década de 70, na altura em que o nosso Fernando Mamede competia contra Lasse Virén, um famoso atleta de fundo finlandês, vencedor de 4 medalhas olímpicas e que era polícia de profissão. Ao mesmo tempo e por casualidade, tornei-me proprietário de um Pastor Alemão que havia sido dispensado de uma força policial por incompatibilidade de comportamento, onde serviu durante quatro anos e cujos códigos desconhecia.
Certo dia, mais pela aventura do que pelo préstimo, decidi acompanhar um parente que era negociante de gado no transporte de um toiro charolês de uma tonelada, empreitada nada fácil por exigir cuidados especiais de transporte, já que a viatura utilizada era uma pequena camioneta Daihatsu e podia tombar-se caso o animal se desequilibrasse. Como o cão passou a acompanhar-me para toda a parte nos momentos que tinha livres, acabei por levá-lo connosco naquela jornada, colocando-o sentado na cabine entre mim e o condutor. A viagem era de meia-dúzia de quilómetros por uma estrada municipal em mau estado e onde a polícia de trânsito raramente patrulhava. Por cautela, a viatura nunca excedia os 40 Km de velocidade instantânea.
Inesperadamente, um ébrio abandona a berma da estrada e cai uns dez metros à frente da carrinha onde seguíamos, o que obrigou o condutor a dar uma guinada no volante para não atropelar aquele infeliz. No meio da atrapalhação o meu parente gritou “Valha-me Deus!” e imediatamente o Pastor Alemão trancou-lhe uma valente dentada na coxa direita que lhe abriu uma ferida profunda, ferida que não dispensou uns quantos pontos com linha de sutura. Felizmente a carrinha não tombou e o toiro foi entregue incólume. Estupefacto com o ocorrido, decidi consultar o anterior tratador do cão acerca daquele comportamento, ficando a saber que ele usava a expressão “Valha-me Deus” nos momentos de maior aperto ou quando importava que o cão atacasse, o que me veio a desculpabilizar perante aquele familiar inocentemente agredido.
As desculpas foram prontamente aceites mas o ocorrido deixou o simples homem pensativo, como se tivesse uma ideia brilhante e urdisse um plano inconfesso. Apaixonado por ovelhas, tinha acabado de comprar um carneiro “Ile de France” para cobrir as suas, um animal mocho (sem chifres) que pesava para cima de 100 kg e que era o seu predilecto. Decidido em baptizá-lo, optou pelo nome de Lasse Virén que era nome de campeão, apesar de adulterado para “Lá se vira”! Apostado em fazer aquele carneiro ruim, talvez para que ninguém o roubasse quando se encontrava a pastar longe dos seus olhares, começou a apertar-lhe os testículos e a perguntar-lhe: “que horas são?”. Dali a pouco tempo, mal o carneiro ouvia aquela questão, desatava a marrar em tudo o que encontrasse pela frente. Num dia fatídico, quando o transportava a pé pela vila e preso por uma corda de fardo, que também servia de cabresto ao animal, foi interpelado por uma velha conhecida que lhe perguntou: “Ò Chico, que horas são?”. Antes que ele pudesse esclarecer aquela anciã, o carneiro pregou-lhe tamanha marrada que a deixou estendida na calçada, zonza e com os sacos das compras espalhados pelo chão!
A narrativa destes trágicos acontecimentos deverá servir de lição para aqueles que codificam o comando de ataque dos seus cães com palavras ou expressões correntes, que tanto poderão surpreender meliantes como vitimar os seus emitentes, respectivos familiares e amigos.

Sem comentários:

Enviar um comentário