terça-feira, 31 de janeiro de 2017

QUEM PRECISA DO ESTRANGULADOR DE BICOS?

Há mais de meio século que o semi estrangulador de punição e castigo (vulgo estrangulador de bicos) se encontra à disposição de quem o quiser comprar e usar no seu cão. Os clientes habituais deste utensílio doloso, lesivo e brutal são os seguintes: donos que raramente saem à rua com os seus cães, outros que resistem a andar à trela com eles por causa do incómodo; outros ainda por não possuírem a destreza técnica para conduzi-los alinhados e descontraídos; aqueles que desconsideram o carinho, a sensibilidade e a paciência que são devidos aos animais; também aqueles que são maus comunicadores e que não encontram outro meio para se fazerem compreender; os que desconsideraram o ensino dos seus cães em cachorros; os que desprezam a recompensa no ensino dos seus cães; os pouco disponíveis ou fracos fisicamente; os alienados que defendem o estoiro dos cães como melhor método de ensino; também aqueles que desprezam a relação óptima entre tratamento e treino; os mais apressados, coléricos e violentos; também os menos aplicados e os dominados pela pasmaceira e indolência. Se são os donos que precisam deste acessório de tortura, então o que há a fazer é pô-lo neles, já que os cães de bom grado o dispensam!  

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O “LÁ SE VIRA” E A PALAVRA DE ATAQUE

Como falar de cães é falar dos homens que acompanham, ontem à noite lembrei duma história verídica, tantas vezes repetida aos nossos alunos, que prometi contá-la hoje para os leitores deste blogue e que diz respeito à palavra usada para despoletar o ataque dum cão para defesa do seu dono. Estávamos na década de 70, na altura em que o nosso Fernando Mamede competia contra Lasse Virén, um famoso atleta de fundo finlandês, vencedor de 4 medalhas olímpicas e que era polícia de profissão. Ao mesmo tempo e por casualidade, tornei-me proprietário de um Pastor Alemão que havia sido dispensado de uma força policial por incompatibilidade de comportamento, onde serviu durante quatro anos e cujos códigos desconhecia.
Certo dia, mais pela aventura do que pelo préstimo, decidi acompanhar um parente que era negociante de gado no transporte de um toiro charolês de uma tonelada, empreitada nada fácil por exigir cuidados especiais de transporte, já que a viatura utilizada era uma pequena camioneta Daihatsu e podia tombar-se caso o animal se desequilibrasse. Como o cão passou a acompanhar-me para toda a parte nos momentos que tinha livres, acabei por levá-lo connosco naquela jornada, colocando-o sentado na cabine entre mim e o condutor. A viagem era de meia-dúzia de quilómetros por uma estrada municipal em mau estado e onde a polícia de trânsito raramente patrulhava. Por cautela, a viatura nunca excedia os 40 Km de velocidade instantânea.
Inesperadamente, um ébrio abandona a berma da estrada e cai uns dez metros à frente da carrinha onde seguíamos, o que obrigou o condutor a dar uma guinada no volante para não atropelar aquele infeliz. No meio da atrapalhação o meu parente gritou “Valha-me Deus!” e imediatamente o Pastor Alemão trancou-lhe uma valente dentada na coxa direita que lhe abriu uma ferida profunda, ferida que não dispensou uns quantos pontos com linha de sutura. Felizmente a carrinha não tombou e o toiro foi entregue incólume. Estupefacto com o ocorrido, decidi consultar o anterior tratador do cão acerca daquele comportamento, ficando a saber que ele usava a expressão “Valha-me Deus” nos momentos de maior aperto ou quando importava que o cão atacasse, o que me veio a desculpabilizar perante aquele familiar inocentemente agredido.
As desculpas foram prontamente aceites mas o ocorrido deixou o simples homem pensativo, como se tivesse uma ideia brilhante e urdisse um plano inconfesso. Apaixonado por ovelhas, tinha acabado de comprar um carneiro “Ile de France” para cobrir as suas, um animal mocho (sem chifres) que pesava para cima de 100 kg e que era o seu predilecto. Decidido em baptizá-lo, optou pelo nome de Lasse Virén que era nome de campeão, apesar de adulterado para “Lá se vira”! Apostado em fazer aquele carneiro ruim, talvez para que ninguém o roubasse quando se encontrava a pastar longe dos seus olhares, começou a apertar-lhe os testículos e a perguntar-lhe: “que horas são?”. Dali a pouco tempo, mal o carneiro ouvia aquela questão, desatava a marrar em tudo o que encontrasse pela frente. Num dia fatídico, quando o transportava a pé pela vila e preso por uma corda de fardo, que também servia de cabresto ao animal, foi interpelado por uma velha conhecida que lhe perguntou: “Ò Chico, que horas são?”. Antes que ele pudesse esclarecer aquela anciã, o carneiro pregou-lhe tamanha marrada que a deixou estendida na calçada, zonza e com os sacos das compras espalhados pelo chão!
A narrativa destes trágicos acontecimentos deverá servir de lição para aqueles que codificam o comando de ataque dos seus cães com palavras ou expressões correntes, que tanto poderão surpreender meliantes como vitimar os seus emitentes, respectivos familiares e amigos.

CANE CORSO: O CÃO QUE NÃO BRINCA EM SERVIÇO

ADVERTÊNCIA: O Cane Corso é um cão que exige um dono experiente, resoluto, persistente, disponível, robusto e apegado aos procedimentos, porque é por norma autoconfiante, possuidor de vontade própria, grande e poderoso, destruidor na sua juventude quando entediado e apresenta algumas dificuldades de sociabilização com pessoas, animais e outros cães, sendo considerado por muitos como uma das 10 raças caninas mais perigosas, muito embora não tenhamos sentido dificuldades adicionais junto daqueles que ensinámos, provavelmente por serem propriedade de donos que preenchiam em pleno as condições atrás requeridas ou que as adquiriram, cuja ausência leva-nos a não recomendá-lo como primeiro cão para os possíveis interessados. Importa salientar ainda que existe uma clara diferença de comportamento entre os exemplares que se fazem presentes nos shows de conformação e os seleccionados para o trabalho (guarda), sendo os primeiros particularmente mais amistosos que os últimos e, quando o não são, acabam relegados indeterminadamente para uma ignota box, a menos que sejam interessantes para reprodução, não tanto pelo carácter mas pela sua morfologia.
O Cane Corso é um impressionante molosso médio-grande, da categoria dos mastins, aparentado com o Mastim Napolitano, rectangular e mesomórfico, harmonioso quanto à forma mas desarmonioso de perfil, de focinho largo e profundo, cuja largura deverá ser igual ao seu comprimento, de comissuras labiais escuras, com o pescoço arqueado e por norma sem barbela. De linha dorsal paralela ao solo (por vezes a garupa é mais proeminente), apresenta uma pelagem curta, vítrea, densa mas não lisa, que se apresenta mais espessa no inverno. Cão extraordinariamente robusto e musculado (pode chegar aos 120 kg), mas ao mesmo tempo versátil, activo, disponível, célere e resistente, o Cane Corso apresenta as seguintes cores uniformes ou listradas: preto, cinza-ameixa, ardósia, cinza claro, azul acinzentado, castanho claro, cor de gamo, vermelho escuro e demais combinações cromáticas dentro destes tons. A sua ossatura é forte e é portador de “pé de gato”, o que o torna num “todo-o-terreno” e próprio para os pisos mais soltos (ver estalão da raça para apreciação doutros e maiores detalhes).
Crê-se que este molosso italiano remonte aos canix pugnax, antigos molossos de arena e guerra romanos, vindo depois da queda do Império Romano a ser usado como pastor, caçador e guardião até aos nossos dias. A industrialização e as Guerras Mundiais quase operaram o seu extermínio, vindo a ser salvo pelo entusiasmo de Giovanni Bonnetti e pela selecção operada pelo Dr. Paolo Breber na década de 70 do século passado. Viria a ser reconhecido pelo AKC em 1993 e pela FCI em 1996. A origem do seu nome tanto poderá dever-se à sua presença na Ilha da Córsega como ao facto ser um cão constantemente em curso, merecendo ainda designações como: Cane di Macellaio, Siciliano Branchiero e Mastiff italiano (Mastim Italiano).
Mas o que mais se destaca no Cane Corso é o seu temperamento, porque é de uma lealdade extrema, amigo de agradar aos seus donos (com os quais é muito afectuoso), é territorial (nunca se afasta de casa) e altamente protector, não se agrada de intrusos e é sossegado no lar (se sair diariamente para longos passeios), é equilibrado e tem noção da sua força, manifestando uma capacidade de aprendizagem superior que facilita o seu treino. Contudo, necessita de um líder alfa e de ser treinado desde tenra idade, para que não invente serviço, se submeta à liderança, respeite o agregado familiar e saiba identificar, sem margem de erro, quem são os seus inimigos e dos seus donos, detalhes que não dispensam o exercício físico e mental continuado, para reforço da unidade binomial, do seu escalonamento social e reavivamento das ordens ou comandos, exigindo em simultâneo árduo trabalho de sociabilização inter pares (com outros cães), já que naturalmente pouco ou nada se interessa por gatos. Outrossim, é obrigatório sociabilizá-lo com as crianças, tanto as de casa como as alheias.
Sem lobos para escorraçar e normalmente arredado da caça ao javali, actividade muito do seu agrado e para a qual parece haver nascido, o Cane Corso tem vindo gradualmente a ser usado como cão de guarda, ofício em que se tem notabilizado nos dois lados do Atlântico Norte. 
Comparando a sua prestação guardiã com o príncipe dos molossos alemães para esse efeito: o Rottweiler, podemos afirmar sem margem de dúvida que o molosso italiano, quando não assolado pela displasia e pela obesidade, é mais activo, célere e resistente, com maior força de mordedura e de impacto, denotando uma capacidade atlética pouco vista em cães similares, ainda que seja mais obstinado e o seu travamento careça de treino aturado, porque é um daqueles cães que “dá um boi para não entrar numa luta e que exige uma manada para sair dela”.
E porque a maldade dos homens não precisa de ser-lhes ensinada, está-lhes na massa do sangue, há sempre quem queira fazer mais mal e cães ainda piores. Noutras latitudes para além da portuguesa, em sociedades tradicionalmente menos fraternas e mais sectárias, o Cane Corso tem sido misturado com outras raças para a produção de híbridos mais bravos do que ele e para “melhoramento” de outras que se prestam à segurança de pessoas e bens. O cruzamento mais usado por indivíduos devotados à marginalidade é o de Cane Corso-Pitbull, já que o seu cruzamento com outros molossos tende a produzir indivíduos mais mansos. Também há quem se valha deste mastim italiano para a obtenção de falsos Pastores Alemães, gerando híbridos mais maldosos e letais, que uma vez virado o feitiço contra o feiticeiro, ou acabam mortos ou abandonados, vindo alguns deles a ser recolhidos pelos canis de abrigo. Na foto abaixo podemos ver parcialmente um híbrido destes.
Não se duvida da excelência deste cão, assim como não se põe em causa os cuidados que os seus criadores dispensam na sua selecção, uma vez apostados na sua continuidade, bom-nome e bem-estar de todos os cidadãos. Não obstante, não podemos dizer que o Cane Corso seja um cão para todos, considerando algumas das suas características particulares, o que exigem e o seu uso indevido, que podem transformá-lo num verdadeiro cão de guerra ou de guerrilha urbana. Há Cane Corsos amigáveis e sociáveis? Afortunadamente sim e estamos em crer que o seu número aumentará a cada dia que passa se os homens abraçarem a paz.   

domingo, 29 de janeiro de 2017

DAMAS NO CASTELO E CÃES DE GUARDA

Este Domingo fomos treinar para uma Unidade desactivada de Artilharia de Costa, defronte ao Estuário do Rio que banha a milenar Cetóbriga, onde desenvolvemos exercícios de obediência linear, usámos grande parte dos subsídios direccionais, fizemos a introdução aos muros, reforçámos o comando de “quieto” e iniciámo-lo à distância. Por breves momentos os cães mais aptos ficaram privados da presença dos donos, não abandonando o local onde os deixaram. A foto acima ilustra o que acabámos de dizer, onde podemos ver as donas nas ameias do castelo e um dos cães a aguardar o seu retorno.
O Shane e o Matisse já estão a transitar da condução à trela para a liberdade, ainda que debaixo dos receios das suas condutoras. Apesar da sua tenra idade, o Bor é um atleta de eleição e continua a esperar pela disponibilidade e aprimoramento técnico do Paulo Motrena. O Sky está a evoluir a olhos vistos e já não é o “patinho feio” da classe. Participaram nos trabalhos os seguintes binómios: Israel/Sky, Nana/Matisse, Paulo/Bor e Sónia/Shane. No Sábado o Hugo fez-se presente com o CPA Tyson, cão que já trabalha em liberdade e que está a ser capacitado para guarda, mostrando especiais aptidões e vocação para isso. E da incursão à terra dos “labutes” é tudo. 

sábado, 28 de janeiro de 2017

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O RANKING semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ OS FALSOS PASTORES ALEMÃES, editado em 24/02/2015
2º _ MÃOS PARA QUE VOS QUERO, editado em 23/01/2017
3º _ PASTORES ALEMÃES LOBEIROS: O QUE OS TORNA ESPECIAIS, editado em 02/11/2015
4º _ PASTOR DE SHILOH: SUPER-CÃO OU DECEPÇÃO?, editado em 23/01/2014
5º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/07/2011
6º _ A CURVA DE CRESCIMENTO DAS DIVERSAS LINHAS DO PASTOR ALEMÃO, editado em 29/08/2013
7º _ CONVERSAS SOBRE PASTORES ALEMÃES À MESA DO CAFÉ, editado em 09/08/2014
8º _ WOLFDOG KUNMING (昆明狼狗):A HIBRIDAÇÃO LUPINO/SPITZ PARA FINS MILITARES, editado em 20/07/2015
9º _ DOBERMANN: O CÃO QUE É MENOS DO QUE SE SUPÕE E MAIS DO QUE SE IMAGINA, editado em 06/03/2016
10º _ O SONHO DO LUPINO PORTUGUÊS E O PERRO LOBO MALLORCAN, editado em 18/08/2015

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim escalonado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Reino Unido, 5º França, 6º Espanha, 7º Angola, 8º China, 9º Suíça e 10º Alemanha.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

A DENÚNCIA DE PITBLADDO

David Pitbladdo é um treinador canino escocês de St Madoes em Perthshire, actualmente com 42 anos de idade, vinte dos quais passados a adestrar cães e ainda a trabalhar no “Perthshire Gundog Rescue”, que apostado em denunciar os malefícios provocados pelas coleiras de choque nos cães, que considera uma crueldade desnecessária (nós pensamos o mesmo), decidiu colocar em si próprio um daqueles utensílios dolorosos, deixando-se filmar debaixo da sua nociva e repetitiva acção num vídeo que não deixa dúvidas a ninguém, onde são visíveis as suas dificuldades em falar e ouvidos os seus gritos de dor, por vezes acompanhados por linguagem pouco recomendável. Pitbladdo adiantou ainda que debaixo da acção dos choques sentiu fortes apertos no pescoço e no peito, que o seu pescoço ficou vermelho e que os seus índices de concentração foram seriamente abalados.
No Reino Unido estes dispositivos são legais e o mesmo se passa em Portugal, onde qualquer um poderá adquiri-los numa comum loja para animais ou através da Internet, apesar de dolorosos e dispensáveis. O vídeo e experiência produzidos por Pitbladdo foram mais uma acha para a fogueira no combate à crueldade imposta aos cães, levando um porta-voz do governo escocês a prenunciar-se sobre o assunto nas seguintes palavras: "Confirmámos a nossa intenção de introduzir novos e estritos regulamentos acerca da utilização de material electrónico de formação, permitindo a sua utilização apenas sob a orientação de formadores aprovados ou veterinários. Os detalhes serão determinados através de discussão com as principais partes interessadas, incluindo organizações de bem-estar dos animais, e será depois elaborada legislação secundária para introdução no final de 2017."
Pelo que depreende, a tónica do comunicado é por demais conservadora (o que não o será no Reino Unido?) mas a disponibilidade para a discussão já é uma vitória. Considerando o bem-estar dos cães, seria muito bom que se passasse rapidamente das promessas à prática, pois tais coleiras podem causar danos irreparáveis no sistema nervoso canino, cimentam uma unidade binomial baseada no medo e obstam à genuína, profícua e desejável cumplicidade entre homens e cães. Não há nada que o amor, a constância, a paciência, a técnica e a recompensa não consigam fazer nos cães, verdade que torna obsoletos estes equipamentos enquanto meios jurássicos para o entendimento interespécies. Valeu Pitbladdo!  

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

O MARCELO DA LUA DA COR DO SOL

Hoje recebemos o seguinte email: “Bom dia, sou brasileiro e estarei morando em Portugal por um ano acompanhado minha esposa que esta a estudar na ULisboa. Como sou apaixonado por cães, minha primeira iniciativa foi localizar um espaço onde possa interagir com animais e aprender mais sobre esta paixão. Antes de sair do Brasil já havia localizado vosso blog e me identifico com suas experiências, gostaria de saber onde encontra-los e a possibilidade de realizar algum curso ou mesmo visita-los a fim de conhecer seu espaço de trabalho. Sou um auto didata em treinamento de animais, sempre tive cães pastores alemães e belgas todos adestrados em casa  No Brasil deixei parte de nossa família atual, uma pastora alemã chamada Lua e um labrador de nome Tupã. Agradeço a atenção e aguardo contato. Att.”.
Amigo Marcelo, deixe-nos primeiro dar-lhe os parabéns pelos seus cães que se encontram bem tratados e em particular pela Lua, a CPA vermelha de quem teve o cuidado de enviar-nos fotos, sem dúvida um exemplar pouco visto e de rara beleza. Oportunamente e sem maiores delongas iremos convidá-lo a visitar-nos, a conhecer o nosso trabalho, práticas e objectivos para satisfazermos o que nos solicita. Possivelmente iremos contactá-lo já na próxima semana, pelo que lhe pedimos que nos avance o número do seu celular. Obrigado pelo seu contacto e mantemo-nos ao seu dispor, aguardando com expectativa a sua visita.

QUANDO A CONFIANÇA SUBESTIMA O RISCO, SÃO AS CRIANÇAS QUE PAGAM!

As actuais sociedades europeias estão a enfrentar uma crise de valores que há muito não experimentavam, bombardeadas que andam com toda a sorte de informação/desinformação, novidade que lança muitos em confusão e desprepara para o alcance os ideais que lhes são inculcados, princípios que adoptam para além da sua história, cultura e bom senso. Este rompimento com o passado, quando somado às inverdades que hoje aceitam como artigos de fé à revelia da ciência, acaba por causar grande número de vítimas, sucedendo aos desastres os alertas e desmentidos sem nenhum préstimo para os que se finaram ou que foram barbaramente agredidos, sendo a cautela substituída pela corrida atrás do prejuízo. E se não é bom que os adultos procedam assim, pior é que sujeitem gratuitamente as suas crianças a riscos desnecessários, forçando as de tenra idade e sem senso de responsabilidade à coabitação com cães que tratam igual e arbitrariamente como filhos, disparate que tem resultado num exagerado número de crianças agredidas, traumatizadas, mutiladas e mortas.
Importa dizer de imediato que os cães não são todos iguais, que dentro de cada raça há indivíduos diferentes, que o dimorfismo sexual nelas presente pode operar comportamentos diversos, que há algumas que naturalmente não se prestam para “baby-sitters” e que os diferentes estágios etários caninos podem alterar comportamentos, verdades que atingem todos os grupos somáticos e que não se circunscrevem somente a um tamanho específico de cão, o que não isenta a interacção entre crianças e cães de sérios riscos, mormente quando se trata de bebés ou de infantes com menos de quatro anos de idade, que não se apercebendo dos seus limites, acabam ingénua e ordinariamente por desrespeitar o que aos cães é devido, resultando essa interacção aparentemente amigável numa sangria desatada. Conscientes desta nefasta possibilidade e conhecedores do crescente número de vítimas, somente aconselhamos a coabitação e a interacção com um cão a crianças de idade igual ou superior aos seis anos, sem dispensar os seus pais da supervisão e do estabelecimento de regras a uns e a outros.
Ao falarmos deste assunto e da incúria dos pais, sempre nos lembramos da história do “caderninho”, hipotético livro de dúvidas que um teólogo agraciado pela Fé mantinha para esclarecê-las aquando do seu encontro com Deus. Caso fôssemos como ele, também levaríamos para a cova a seguinte questão: porque consentem os pais que os filhos morram à boca dos cães, quando não é difícil ensinar e regrar ambos? Visando a salvaguarda das crianças, todo e qualquer cão deverá ser ensinado a respeitá-las e a ser submisso aos seus pais, porque doutro modo os ataques caninos poderão suceder mesmo debaixo dos narizes dos seus progenitores, “surpresa” que jamais deixarão de lamentar e cujo coro aumenta anualmente nas sociedades mais evoluídas. Assim como subsistem cães naturalmente dóceis, cuidadosos e protectores das crianças (todos já vimos ou tivemos conhecimento de algum), eles são a excepção que confirma a regra e aqui a regra é de ouro porque importa prevenir.
Normalmente os ataques caninos sobre crianças de tenra idade obedecem às seguintes condições: sobre bebés confiados a outrem com cães residentes e pouco ou nada controlados; quando os animais são mais antigos no lar (situação que se repete amiúde), alcançaram um estatuto abusivo e dele não abdicam, considerando a casa como sua exclusiva pertença; quando cães e crianças são deixados sós; quando as crianças avançam para os pais com objectos que os cães entendem próprios para a agressão; quando os pais ralham com os filhos; quando os bebés pegam nos brinquedos, outros pertences ou se aproximam da comida e espaço dos cães; quando os agridem ou molestam; quando ingenuamente se interpõem entre eles e os pais e em todas as situações em que se constituem ameaça sem o saberem (há crianças que interpretam o rosnar dos cães como sorrisos).
Sabemos que melhor seria ter um filho primeiro, deixá-lo crescer e só depois um cão, apesar de hoje suceder maioritariamente o contrário (razões não faltam). Diante dos factos importa escolher o cão certo, educá-lo primeiro e só depois pensar no bebé vindouro, o que nunca dispensará a supervisão dos pais, a quem cabe a salvaguarda dos filhos e a decisão de os afastar dos cães quando a situação assim o exigir. Diz-se que o seguro morreu de velho e todos desejamos que os nossos filhos tenham vida em abundância, o que equivale a dizer nesta matéria que não podemos colocar a confiança à frente dos cuidados e protecção que não dispensam. Certamente voltaremos a este assunto, deixámos o aviso, estenderemos maiores esclarecimentos a quem nos pedir, podemos ajudá-lo na escolha do cão certo e auxiliá-lo no seu ensino. Fernando Pessoa dizia que o melhor do mundo são as crianças, muito embora nunca tivesse filhos, mas se você os tem não os perca, porque será aqui substancialmente mais feliz se souber amá-los e educá-los.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

MÃOS PARA QUE VOS QUERO

Quem anda na cinotecnia multidisciplinar há algum tempo sabe que, exceptuando os cães de caça à toca, nenhum dos outros dispensa membros anteriores bem aprumados e robustos, apesar do seu “motor” se encontrar atrás – na garupa, e quanto mais sólida ela é, mais vai exigir da espádua e das mãos dos animais, porque doutro modo evoluiriam em ziguezague, desengonçados e ao tropeção, modo de locomoção que afecta hoje grande número de Pastores Alemães descendentes de progenitores advindos dos shows de conformação, ditos de beleza, que apesar dos títulos de campeão, transmitem penosas artroses e condenam a sua prole ao desprendimento de líquido sinovial nas articulações, mormente nas mãos, cotovelos e curvilhões, mercê de um dorso demasiado convexo sustentado por membros irremediavelmente côncavos (peito estreito, metacarpos abatidos, mãos divergentes e jarrete de vaca), o que compromete de sobremaneira a sua biomecânica, dificultando-lhes a transição dos andamentos naturais e sujeitando-os a lesões por menor que seja o esforço.
A generalidade dos cães, em abono da sua saúde, bem-estar, longevidade e serviço, carece de ser portadora de bons membros (robustos, aprumados e funcionais), independentemente do seu uso ser ou não específico. Aqueles que se apresentam anatomicamente fragilizados de membros anteriores exigem especial cuidado no concurso aos obstáculos e diante doutros exercícios físicos, considerando a transferência do seu peso corporal para as mãos nos impactos ao solo. Há ocasiões, designadamente no treino de cachorros com este problema, em que mais vale esperar que cresçam do que sujeitá-los a exercícios que os incapacitem definitivamente. Na presença de um cão jovem com esta incapacidade, o que desafortunadamente amiúde se verifica, convém treiná-lo defensivamente para que atinja o índice médio de destreza, tanto para o seu quotidiano como para a sua função, convidando-o a transpor pequenos obstáculos livremente, nunca sem prévio aquecimento, para que aprenda por si mesmo a adiantar o membro anterior que lhe é mais cómodo e seguro, já que privá-lo da ginástica mais agravaria o seu problema, encurtaria os seus dias e comprometeria obviamente o seu desempenho.
E se todos os cães carecem de bons membros anteriores, o que dizer daqueles que são convidados para abocanhar e transportar espécies cinegéticas, vários objectos ou que necessitam deles para atacar, contra-atacar, pôr-se em fuga ou resgatar? Recentemente a “Veterinärmedizinische Universität Wien” (Universidade de Medicina-Veterinária de Viena/Áustria) divulgou os resultados de um estudo realizado no seu laboratório de movimento com Retrievers, publicado na revista científica “BMC Veterinary Research”, onde concluiu que os cães convidados para o transporte, ao carregarem as suas presas ou objectos na boca, inclinam-se para a frente, transferindo 60% do seu peso corporal para os membros anteriores, esforçando em simultâneo as suas articulações e tendões, podendo lesionar-se seriamente quando o peso a transportar for demasiado para a sua estrutura. Aconselham aqueles cientistas, tanto para os cães jovens como para os adultos ordinariamente convidados para o transporte, que sejam objecto de verificações regulares por parte dos veterinários para se aquilatar do bom estado das suas articulações, tendões e músculos. Havendo este cuidado e não se abusando no peso a transportar, o transporte é uma actividade salutar que muito agrada aos cães.
Na Acendura Brava, por prevenção e norma, não consentimos que nenhum cão transporte um objecto com um peso superior a 7.5% do seu peso corporal. Muito excepcionalmente, perante cães particularmente sólidos, dotados e habilitados, bem aprumados e musculados, para quem o transporte é imprescindível para o seu serviço ou que o subsidie, o peso a transportar poderá ser maior, excepções que aconteceram um par de vezes ao longo da nossa história diante de cães extraordinários, mormente entre Rottweilers e Pastores Alemães.
Por tudo o que dissemos e com base no conhecimento científico que o comprova, entendemos que todos os cães carecem de bons membros anteriores para o seu dia-a-dia e desempenho, que o transporte só deverá ser solicitado aos cães bem aprumados de frente, que o peso a transportar deverá considerar sempre o peso corporal dos animais, que os animais fragilizados de mãos deverão ser arredados da prática do transporte e dos derrotes violentos a que se sujeitam quando lutam pela posse de nós de corda, brinquedos ou churros, já que tais práticas atentam contra a sua saúde e bem-estar. É obrigação dos criadores, sobretudo dos que se dedicam à criação de cães de trabalho, produzir cães bem aprumados para os objectivos a que se propuseram, porque doutro modo estarão a vender gato por lebre e a defraudar a raça ou raças que abraçaram, abusando em simultâneo da boa-fé dos seus clientes. Para se ser um criador com letra grande, não basta ter uma cadela e comprar um afixo, é necessário um maior conhecimento histórico, genético, morfológico, psicológico e biomecânico da raça escolhida, assim como dos defeitos e impropriedades que ainda a assolam e que carecem de eliminação, predicados em falta nos criadores por vaidade, oportunidade ou “desenrascanço”.  

domingo, 22 de janeiro de 2017

RANKING SEMANAL DOS TEXTOS MAIS LIDOS

O RANKING semanal dos textos mais lidos ficou assim ordenado:
1º _ OS FALSOS PASTORES ALEMÃES, editado em 24/02/2015
2º _ O CÃO AZUL: O SANTO GRAAL DO CPA, editado em 30/05/2016
3º _ SIM, EU ACREDITO NO CÃO MACACO!, editado em 17/12/12
4º _ DEIXEM-ME FALAR DE ALGUÉM PERSEGUIDO QUE NÃO DEVERÍAMOS TER ESQUECIDO!, editado em 24/10/2016
5º _ PÁ DE VACA: O OSSO AMIGO DO CÃO, editado em 13/02/2014
6º _ A MINHA DÓCIL CADELA TORNOU-SE AGRESSIVA!, editado em 15/01/2017
7º _ “X” DE JARRETE DE VACA, editado em 25/07/2011
8º _ UM EMAIL CURIOSO, editado em 17/01/2017
9º _ O PESO DOS 4 MESES NO CÃO DO AMANHÃ, editado em 28/10/2010
10º _ PASTOR ALEMÃO X MALINOIS: VANTAGENS E DESVANTAGENS, editado em 15/06/2011

TOP 10 SEMANAL DE LEITORES POR PAÍS

O TOP 10 semanal de leitores por país ficou assim escalonado:
1º Portugal, 2º Brasil, 3º Estados Unidos, 4º Reino Unido, 5º Espanha, 6º França, 7º Rússia, 8º Angola, 9º Alemanha e 10º Quénia.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

OS LOBOS ESTÃO A INVADIR PARIS

Três lobos, um casal e outro errante, têm sido vistos a vaguear recentemente por Essonne e Yvelines na Ile de France e também em Seine-et-Marne, bem perto da área metropolitana de Paris. Na floresta de Rambouillet, a sudoeste da Capital francesa, foram encontradas duas carcaças de veados supostamente mortos por lobos. Os avistamentos verificados nos locais atrás citados foram ainda comprovados pela presença de pegadas e excrementos lupinos. A proximidade dos lobos e a possibilidade do seu encontro vêm alvoraçando os habitantes da “Cidade Luz”, já acostumados ao convívio com as raposas mas nada interessados em coabitar com estes novos predadores. Tentando serenar os ânimos e evitar o pânico nos menos esclarecidos, um membro do grupo “Observatoire Du Loup” disse ao jornal “Le Parisien” que as pessoas podiam ficar descansadas, porque os lobos atacam somente animais de quatro patas, o que não é uma boa notícia para os animais domésticos e para as raposas tornadas citadinas.
O habitat natural dos lobos franceses encontra-se nos Alpes e no Maciço Central, onde na década de 30 do século passado quase foram reduzidos à extinção pela caça que lhes foi movida. Depois de considerada espécie protegida, o seu número aumentou drasticamente e a procura de alimento obriga-os agora à procura de novos territórios de caça. Já em 2015, face ao número de ataques perpetrados sobre ovelhas, foram enviados para os Alpes vários caçadores de lobo. Diante desta já esperada proliferação, os franceses terão que encontrar uma solução para o problema, uma vez que a coabitação entre humanos e lobos nunca foi fácil, solução que deverá garantir simultaneamente a segurança dos animais domésticos e a continuidade dos lobos.  

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

UM EMAIL CURIOSO

Recebemos o email seguinte que transcrevemos na íntegra: “Boa noite! Estava pesquisando sobre cachorros pastor alemão e pastor belga malinois pois tenho uma fêmea do belga e um macho alemão e vi seu contacto! Gostaria de informação sobre a criação desses cães e sobre o cruzamento das raças. Adoro raças cachorros de grande porte! Obrigado”. Como o assunto é actual e esta hibridação cresce a olhos vistos, vamos de imediato responder a este leitor.
Caro Senhor, como grande número dos nossos artigos é dedicado à selecção, criação e treino de Pastores Alemães, aconselhamos a sua pesquisa e leitura neste blogue, recomendando o mesmo sobre os que dedicámos aos Pastores Belgas e ao Malinois especificamente. Entendemos, pelo que conhecemos do Pastor Alemão, que a raça não carece dessa hibridação para ser melhorada, uma vez que ainda possui a biodiversidade necessária para retomar e perpetuar a qualidade que lhe foi reconhecida, apesar de haver quem procure na hibridação Pastor Alemão/Malinois a obtenção de “pastores alemães optimizados”.
Considerando a génese comum de Pastores Alemães, Belgas e Holandeses, a hibridação entre os dois primeiros tende a produzir indivíduos mais próximos do Pastor Belga e mais distantes do Pastor Alemão, o que implicaria em mais nervo e menos concentração, num inusitado reforço instintivo e em maiores dificuldades de controlo, deméritos associados a exemplares mais leves e instáveis, ainda que mais rápidos e propensos ao ataque imediato. Acresce a esta tramóia, visando o alcance de Pastores Alemães outrora reprovados, o desejo de alguns criadores da raça em produzir exemplares com um desempenho igual ao cão belga, “fazendo-os” mais pequenos e irritadiços, alterações alcançadas por duvidosos critérios de selecção e pela escassez e pobreza das dietas.
Como já se apercebeu, somos contra toda e qualquer hibridação no Cão de Pastor Alemão, por achá-la desnecessária, lesiva e atentatória dos princípios que levaram à sublimidade do seu carácter, robustez e desempenho. A nossa ver, gostar de raças grandes é respeitar o seu padrão, conhecê-las a fundo e tirar delas o máximo proveito, cuidados que não se coadunam com cruzamentos arbitrários e de péssima consequência. Agradecemos o seu contacto e mantemo-nos disponíveis para mais esclarecimentos e troca de opiniões. 

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

OS 6 DO NEPAL

Inesperadamente tivemos esta semana 6 leitores do Nepal, País asiático entre a Índia e a China, onde Buda nasceu, o Dalai Lama é venerado e onde se encontra o Monte Everest, a montanha mais alta da Terra, a 8.848 metros acima do nível do mar. Não sabemos se estes leitores são de origem nepalesa ou se são turistas naquelas paragens eternamente gélidas, onde apesar da distância é sempre possível encontrar algum português. Também não nos surpreende que estes leitores sejam de etnia chinesa, porque desde o início desta publicação sempre se fizeram presentes. Seja lá como for, agrada-nos saber que também chegamos ao Nepal, país místico que primeiro nos cativou pelas narrativas de Lobsang Rampa ocorridas na nossa juventude e que vale a pena visitar. 

domingo, 15 de janeiro de 2017

A MINHA DÓCIL CADELA TORNOU-SE AGRESSIVA!

Sabia que uma das raças caninas que mais facilmente se constitui em matilha é o Pastor Alemão? É verdade, por vezes bastam dois, independentemente do género e desconhecidos entre si, para se constituírem em oposição a outra heterogénea de número igual ou superior, podendo ao mesmo tempo carregar violentamente sobre cães isolados de grupos somáticos diferentes, particularmente molossos, porque os entendem como uma provocação e ameaça. É também comum não se agradarem de cães caçadores ou de outros demasiado enérgicos, tanto dentro como fora do seu território. Graças a este escalonamento social quase automático não é difícil formar matilhas operacionais com Pastores Alemães para os mais diversos fins.
Estranha um amigo nosso, agora proprietário de duas cadelas Pastor Alemão, uma com mais de dois anos e outra agora a rondar 5 meses de idade, em coabitação plena há um par de meses, que a mais velha se tenha tornado demasiado agressiva com os cães estranhos e com outro que possui, um bracóide sem raça definida, castrado e a dividir com elas o mesmo espaço, fenómenos que não se verificavam antes da chegada da cachorra à sua casa. Para melhor se entenderem os meandros da situação, adianta-se que as Pastoras Alemães treinam em conjunto, servindo a mais velha de mestra à cachorra, evoluindo a par e passo pelos mais variados ecossistemas.
Para além do inevitável escalonamento social, que naturalmente existiria com cães de outra raça por força da diferença etária, fica claro que a cadela reage assim para proteger a cachorra, porque a sente vulnerável e é movida pelo instinto matriarcal, o que a ninguém espanta, pois não é raro subsistirem cadelas que criam leite quando em contacto directo com cachorros, protegendo-os vivamente diante doutros cães, sendo as suas arremetidas de indubitável carácter instintivo-defensivo.
Estarão a sociabilização da cadela e seu uso irremediavelmente comprometidos? Terá o problema solução? E se tem, como proceder? Nada está comprometido, o problema tem solução e aponta para o desempenho da liderança, já que nunca foi tarefa árdua escalonar cadelas dentro de uma matilha, apesar delas serem por vezes demasiado cruéis umas com as outras. No caso particular do nosso amigo, que tem um cão que não lidera por ser castrado e que invariavelmente anda com os cães todos á solta, esperando da sorte o que não faz cumprir, ao não demarcar atempadamente o território, os direitos e deveres inerentes a cada cão, urge transformar aquela desnorteada matilha animal numa escalonada matilha funcional, trabalho que até aqui não encetou.
No que concerne à salvaguarda do outro cão residente na casa do nosso amigo, que será cada vez mais periclitante se a situação não se alterar, votado à exclusão por incúria do seu proprietário, que o deixa sempre em casa quando sai com as pastoras por tempo indeterminado, debaixo do pretexto de deixar ali um cão de guarda ou por ser de difícil controlo, é de todo conveniente que o leve a passear com as cadelas, todos juntos ou com uma de cada vez para ajudar na sua assimilação, porque doutro modo, reforçadas pelos vínculos afectivos com o dono, as cadelas tudo farão para o expulsar da casa e territórios comuns, vendo-o como um intruso. E se assim não fizer, não lhe sobrará outro remédio do que encerrar o cão antes das cadelas entrarem.
É evidente que o cão velho deverá também ser educado convenientemente para evitar a exposição e pôr-se a jeito, esforço pedagógico que não dispensará o por vezes incómodo trabalho à trela. Trabalho à trela que deverá também ser retomado amiúde com as pastoras para que entendam a quem devem obediência e venham a ser subordinadas quando em liberdade (um passarinho disse-nos que o nosso amigo e a trela não gozam de grande intimidade).
E porque importa libertar a pastora adulta dos ataques instintivos, inconciliáveis com o ofício guardião dela esperado, animal neste momento com os alvos trocados, urge em simultâneo convidá-la para o ataque a intrusos humanos e inibir-lhe os perpetrados contra iguais. Esta inibição, atendendo ao seu género, deverá ser operada pelo condicionamento à trela com o concurso da recompensa, porque doutro modo, por força da repreensão nua e crua, a cadela poderá vir a desusar os dentes para aquilo que é preciso, ficando assim também castrada para o desempenho da sua missão.
Ser proprietário de vários cães é uma tarefa que aumenta proporcionalmente com o seu número, porque o natural escalonamento social canino pode não dispensar a violência para o seu estabelecimento, o que raramente é desejável diante da capacitação individual de cada cão e do seu próprio bem-estar, imperativos que só a liderança humana poderá garantir pelo estabelecimento de rotinas adequadas. “Todos ao molho e fé em Deus” e “eles entendem-se” são práticas e expressões que denotam um profundo desrespeito pela salvaguarda e integridade dos cães, próprias de ignorantes que mais cedo ou mais tarde acabarão por mandar castrar os seus cães, dispensá-los ou abatê-los. Se eu tenho 3 cães, sou três vezes líder; se tenho 5, sou cinco vezes e se tenho mais de 10, sou um super líder, a menos que os tenha todos enjaulados que nem coelhos! Mãos à obra!