Recebemos recentemente um email de uma leitora que
é criadora de pastores alemães brancos, proprietária de um campeão do mundo e
que vamos dividir com os restantes leitores, aproveitando a oportunidade para
comentar aquilo que ela nos disse e que não tivemos oportunidade de dizer no
artigo “ O MELHOR E O PIOR DO PASTOR SUIÇO: ANÁLISE TÉCNICO-FUNCIONAL”, editado
em 21/06/2011. Disse a Nicole:
“PASTOR
ALEMÃO EM BOAS PALAVRAS ”.
Olá, primeiro gostaria de dizer que sou uma grande admiradora dos seus pastores
negros e que certo dia deparei-me no seu blog com um lindo artigo sobre os
pastores alemães brancos (http://acendurabrava.blogspot.com.br/2011/06/o-melhor-e-o-pior-do-pastor-suiço.html). Não
pude conter a minha emoção ao ver tal reconhecimento vindo de um criador de
pastores negros. Eu e o meu pai criamos pastores alemães brancos há 20 anos e
temos lutado (sozinhos) durante esse tempo para manter o padrão original,
brigando com a FCI e contra tanta discriminação relativa a um cão por causa da
sua cor. Apesar disso temos vencido os “suíços” com o padrão alemão nas
competições da FCI. O que é contraditório é que foi o próprio presidente do
Kennel que criou o “Suíço”, quem atribuiu o título de campeão mundial ao meu
pastor alemão branco, contradizendo todos os padrões suíços. Enfim, muito
obrigado. Espero um dia ter um pastor alemão negro (não temos aqui). Seguem algumas
fotos dos meus cães.”
Vamos lá falar de
discriminação, porque é disso que se trata. Para se compreender a exclusão da
variedade branca do Pastor Alemão é preciso compreender o maior dos
pressupostos para a criação desta raça: o trabalho, porque foi criada por um
militar e bem cedo foi apadrinhada e aproveitada para fins bélicos, vindo a ser
preferida por todos os exércitos europeus, mesmo daqueles que usaram outros
cães na I Grande Guerra, notoriamente menos válidos diante da prestação do
Pastor Alemão que mais tarde viria a ser “o cão de guerra” por eleição. Esse
apadrinhamento militar, aliado aos históricos sentimentos germânicos relativos
ao progresso, à supremacia da prática, da perfeição e da uniformização, que muito
facilitaram a adopção do eugenismo, diante do desastre que se abateu sobre os
molossos brancos recrutados pelo exército italiano, ganhou peso e expressão,
porque a variedade branca, ao destacar a sua silhueta, tornar-se-ia num alvo
fácil de abater.
Para além da razão militar
(ainda bem que as guerras utilizam cada vez menos cães), outra razão se
levantou, a relativa à transmissão e evolução da cor branca que induz à
consequente despigmentação dos cães, uma vez que ela tende a aumentar e
perpetuar-se no seu manto. Para explicarmos esta questão vamos valer-nos do que
sucede no Boxer, cujo estalão admite a presença 30% da cor branca no manto dos
seus exemplares, o que ontem como hoje, tem perpetuado o surgimento de cães totalmente
brancos que acabam por não ter registo. Sempre que um comum pastor
preto-afogueado apresenta marcas brancas no peito ou nas patas (por vezes
também na ponta da cauda), essas marcas são consideradas indesejáveis pelo
estalão, porque remontam à proto-selecção, denunciam a ascendência em animais
totalmente brancos ou à presença ainda que ténue do factor branco. Esse rótulo
de “indesejáveis” impossibilita cada vez mais o nascimento de exemplares
brancos oriundos de exemplares padronizados, muito embora dois progenitores
brancos possam gerar cães preto-afogueados, já que as diferentes variedades
cromáticas se fizeram presentes na génese da raça. Pretendia-se evitar os cães
malhados, preocupação que alguns criadores do Pastor de Shiloh desleixaram e
que culminou no Shiloh Panda, muito embora ele seja um bastardo (via Malamute
do Alasca) diante do Pastor Alemão Branco.
As razões operacional e
estética acabaram por discriminar o Pastor Alemão Branco até aos dias de hoje,
revestindo-o de “suíço” ou “canadiano”, escondendo-o por detrás do Pastor de
Shiloh e doutras variedades cromáticas aceites pelo estalão do Deutsche
Schäferhund, como é o caso de alguns exemplares cinzentos uniformes (azuis) e
doutros de manto vermelho aceites por alguns Kennel Clubs, apesar de se poder
chegar a ambos pela presença da variedade negra quando beneficiada pela parcialmente
cinzenta (lobeira), o que lhes perpétua a máscara e lhes aviva o tom. E o
despudor não acaba aqui, porque nos cães ditos de trabalho, quando importa
alcançar cães maiores, alguém se lembra do branco, porque o factor está
associado ao gigantismo e os cães de pata branca virão a ser os maiores das
ninhadas. Já é tempo de acabar com a hipocrisia, de reintegrar os pastores
brancos que não foram transfigurados pelos pareceres e distorção “suíços”, de
devolver a biodiversidade presente nos alvores da raça e de considerar como
parte integrante dela os Pastores Alemães Brancos que sempre estiveram no seu
ceio, ainda que muitas vezes omissos, como acontece nos nossos dias.
Para que o Pastor Alemão
Branco não se extinga e acabe “suíço” de uma vez por todas, por força da
endogamia que produz a alteração, é necessário enveredar-se por uma “política
de quadro aberto”, caracterizada por beneficiamentos entre a variedade branca
com as restantes admitidas pelo estalão da raça, a bem da sua continuidade e
perpetuação, o que em termos laborais só traz vantagens, ainda que choque com
os pruridos de alguém. Parece ignomínia o que acabámos de dizer, mas se o é, há
quem se borrife nisso, porque pela calada da noite, gente conhecedora e
creditada, inconfessa e bem intencionada assim procede por esse mundo fora. De
que outro modo como poderiam os Pastores Brancos acompanhar a evolução da raça,
agarrando-se ao estalão de 20 de Setembro de 1899 ou ao de 28 de Julho de 1901?
Mais
sábios, honestos e justos foram os criadores dos Pastores Belgas, menos
atormentados pelo eugenismo negativo, que consideraram quatro variedades dentro
da mesma categoria (Pastores Belgas): o Groenendael, o Tervuren, o Laekenois e
o Malinois, admitindo registar um Tervuren filho de pais groenendael e
vice-versa, apesar da sua incidência ser cada vez menor. Em face disto, o que
obstará para que os Pastores Alemães Brancos sejam considerados uma variedade
da raça? Somente as amarras aos erros do passado, a burrice e a teimosia! Os
esforços da Nicole deverão ser endereçados à SV (Verein für Deutsche
Schäferhunde), porque se ela aceitar a abolição da discriminação, não será a
FCI que a manterá nem tampouco os suíços. Estamos convencidos que mais cedo ou
mais tarde a justiça será feita, isto se houver mais gente como a Nicole e o
seu pai.
Por aqui toda a gente sabe que
somos adeptos dos cães de trabalho e que não nos enganamos com aqueles que
sendo de beleza se adornam com mais-valias desportivas, que apenas servem para decorar
o pedigree e que estão ao alcance de qualquer cão, independentemente da sua
qualidade individual, do seu grupo somático ou propósito racial. Por causa
disso criámos e treinámos Pastores Alemães ao longo de décadas, experimentando
cães das mais variadas linhas e de todas as construções cromáticas, indivíduos
pertencentes à variedade dominante, às recessivas e às desprezadas pelo actual
estalão da raça. De acordo com a nossa avaliação, o Pastor Alemão actual peca
por falta de equilíbrio emocional, variando entre o bonacheirão e o briguento
quer desprezando qualquer provocação ou entendendo tudo como tal. Essa lacuna
depois de constatada veio a ser colmatada com o contributo das variedades
unicolores, naturalmente mais seguras e por isso mesmo mais concentradas, com
maior capacidade de aprendizagem e com superior impulso ao conhecimento. Graças
a isso chegámos aos cães de manto vermelho, noutras latitudes considerados como
cor de areia, solid red ou dourados, pastores vermelhos unicolores de excelente
qualidade, de que oportunamente falaremos amiúde, também eles oriundos dos pastores
brancos outrora aceites, ainda que os nossos nada tivessem de branco na
construção, como atrás já o dissemos e fizemos saber.
Pelas
nossas mãos só passaram uma dúzia de pastores alemães brancos, todos eles descendentes
de pais preto-afogueados (capa preta), propriedade de um casal idoso que morava
para as bandas de Carnaxide. Posteriormente adquirimos duas cadelas dessa
variedade e doutra procedência, no intuito de as testarmos dos pontos vista
cognitivo e reprodutor. Treinámos somente dois “pastores suíços” e até nos
esquecemos que não eram alemães! Temos aconselhado a compra de Pastores Alemães
Brancos e quem os adquiriu muito nos tem agradecido. Há um só Pastor Alemão,
apesar de nele haver cinco cores sólidas diferentes e combinações bicolores
ainda mais numerosas. Mais do que na cor ou nas angulações, o Deutsche
Schäferhund distingue-se dos demais pela sua versatilidade, marcha suspensa,
capacidade de aprendizagem, facilidade na constituição binomial, raro sentido
de alerta e apego aos donos. Agora que são conhecidas as maleitas produzidas
pela endogamia na raça, a melhor das soluções aponta para o retorno à
biodiversidade que ela ainda apresenta, o que dispensa de imediato a hibridação
e implicará num certo retorno ao passado, ao concurso das outras variedades
cromáticas desleixadas ou excluídas da actual selecção livres desse handicap,
como é o caso do Pastor Alemão Branco, um beneficiador por excelência e que
poderá vir a ter um papel nisso determinante. Ainda é possível voltar atrás e
corrigir os erros do passado. Bem-hajas Nicole, não estás só: o teu combate é
também nosso!
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