quarta-feira, 23 de abril de 2014

A SENSIBILIZAÇÃO QUE A CRISE FAVORECEU

Costuma ouvir-se que “há males que vêm por bem” e assim está a acontecer com os rafeiros em Portugal, por força da crise económica que se abate sobre a maioria dos portugueses. Hoje as feiras do animal, onde se oferecem cães e gatos, são mais concorridas que as exibições ou provas caninas, já que as últimas têm menos participantes e menor número de interessados. Depois de longas décadas de sensibilização, as associações de recolha de animais viram o seu esforço premiado, não tanto pelas suas campanhas mas pela austeridade que por cá grassa e que tem levado muitos à aquisição de cães sem raça definida, porque são gratuitos, mais rústicos, mais saudáveis e menos exigentes. Bastará a quem duvidar, caso queira sair à rua, aquilatar do seu número nos espaços públicos, onde em média passeiam 12 rafeiros para cada cão de raça, havendo locais onde é difícil encontrar algum com raça definida, apesar dos seus criadores, a dar as últimas e com a corda ao pescoço, os venderem agora a um preço quase simbólico. E quem não quiser sair à rua, já que nas cidades pôr o pé fora de portas implica em gastar dinheiro e ele está caro, poderá certificar-se disso pela consulta dos preços anunciados no “OLX”. 
Há 15 anos atrás, um Retriever do Labrador chocolate custava 1.250€, agora é possível adquirir um somente por 250€ e com jeitinho ainda o levam a casa, o mesmo sucedendo com outras raças. Até aquelas mais procuradas, as que constam no Anuário do Clube Português de Canicultura, viram o seu preço reduzido, sendo agora vendidas a 2/3 do seu valor no passado. Hoje como nunca é possível adquirir um bom cão por uma bagatela! A importação de cães diminuiu drasticamente e os que nos chegam, por serem baratos, são de qualidade duvidosa, de criações menos dispendiosas ou resultado de algum excedente, porque doutro modo jamais dariam lucro. Longe vai o tempo em que se comprava um cão no estrangeiro por 300 ou 400€ e se vendia aqui por duas ou três vezes mais. Diante do empobrecimento geral do País sobrou a prata da casa e os rafeiros viram aumentada a sua procura, ocupando agora espaços e lugares de outros tidos com mais “nobres”. Também a lei sobre os cães perigosos, a carga tributária sobre a classe média e o desemprego inviabilizaram de sobremaneira a aquisição de cães de raça. Não obstante, nunca foi tão fácil resgatar um cão de raça pura num canil de adopção.
Assim como se perdeu o pudor de ir comprar roupa às lojas dos chineses, também elas em crise (muitas já fecharam por ausência de liquidez), também o português comum se contenta com um rafeiro ajeitado, dócil, dedicado e amigo, havendo-os de todas as cores e tamanhos, alguns substancialmente mais bonitos que outros tornados raça a partir da aberração. Os parques e jardins públicos estão mais seguros e sossegados, porque os cães sem raça definida são por norma mais sociáveis, têm menos pruridos, causam menos incómodos, dificilmente se hostilizam e não metem medo a ninguém. Contudo, falta vencer a batalha contra o abandono dos cães, já que o seu número tem aumentado vertiginosamente a cada dia que passa, fenómeno esperado que tem desesperado quem optou por lhes valer, porque quando a comida falta em casa, o cão é o último a comer (se comer) e quando importa aliviar o carrego… o pobre bicho que vá para o diabo que o carregue! Apesar do número de cães adoptados ter aumentado, existe um profundo défice entre a adopção e o abandono, problema de difícil resolução com ou sem crise, muito embora ela tenha agravado a situação. Tragédias à parte, os rafeiros nunca foram tão procurados, adoptados, tornados cúmplices, adestrados e usados como agora, numa proliferação que relembra os tempos idos, agora retornados, da economia de sobrevivência, quando só os mais ricos podiam comprar cães e os pobres se contentavam com os rafeiros.

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