Costuma ouvir-se que “há males
que vêm por bem” e assim está a acontecer com os rafeiros em Portugal, por
força da crise económica que se abate sobre a maioria dos portugueses. Hoje as
feiras do animal, onde se oferecem cães e gatos, são mais concorridas que as
exibições ou provas caninas, já que as últimas têm menos participantes e menor
número de interessados. Depois de longas décadas de sensibilização, as
associações de recolha de animais viram o seu esforço premiado, não tanto pelas
suas campanhas mas pela austeridade que por cá grassa e que tem levado muitos à
aquisição de cães sem raça definida, porque são gratuitos, mais rústicos, mais
saudáveis e menos exigentes. Bastará a quem duvidar, caso queira sair à rua, aquilatar
do seu número nos espaços públicos, onde em média passeiam 12 rafeiros para cada
cão de raça, havendo locais onde é difícil encontrar algum com raça definida,
apesar dos seus criadores, a dar as últimas e com a corda ao pescoço, os
venderem agora a um preço quase simbólico. E quem não quiser sair à rua, já que
nas cidades pôr o pé fora de portas implica em gastar dinheiro e ele está caro,
poderá certificar-se disso pela consulta dos preços anunciados no “OLX”.
Há 15 anos atrás, um Retriever
do Labrador chocolate custava 1.250€, agora é possível adquirir um somente por
250€ e com jeitinho ainda o levam a casa, o mesmo sucedendo com outras raças. Até
aquelas mais procuradas, as que constam no Anuário do Clube Português de
Canicultura, viram o seu preço reduzido, sendo agora vendidas a 2/3 do seu
valor no passado. Hoje como nunca é possível adquirir um bom cão por uma
bagatela! A importação de cães diminuiu drasticamente e os que nos chegam, por
serem baratos, são de qualidade duvidosa, de criações menos dispendiosas ou
resultado de algum excedente, porque doutro modo jamais dariam lucro. Longe vai
o tempo em que se comprava um cão no estrangeiro por 300 ou 400€ e se vendia
aqui por duas ou três vezes mais. Diante do empobrecimento geral do País sobrou
a prata da casa e os rafeiros viram aumentada a sua procura, ocupando agora espaços
e lugares de outros tidos com mais “nobres”. Também a lei sobre os cães
perigosos, a carga tributária sobre a classe média e o desemprego
inviabilizaram de sobremaneira a aquisição de cães de raça. Não obstante, nunca
foi tão fácil resgatar um cão de raça pura num canil de adopção.
Assim
como se perdeu o pudor de ir comprar roupa às lojas dos chineses, também elas
em crise (muitas já fecharam por ausência de liquidez), também o português
comum se contenta com um rafeiro ajeitado, dócil, dedicado e amigo, havendo-os
de todas as cores e tamanhos, alguns substancialmente mais bonitos que outros
tornados raça a partir da aberração. Os parques e jardins públicos estão mais
seguros e sossegados, porque os cães sem raça definida são por norma mais
sociáveis, têm menos pruridos, causam menos incómodos, dificilmente se
hostilizam e não metem medo a ninguém. Contudo, falta vencer a batalha contra o
abandono dos cães, já que o seu número tem aumentado vertiginosamente a cada
dia que passa, fenómeno esperado que tem desesperado quem optou por lhes valer,
porque quando a comida falta em casa, o cão é o último a comer (se comer) e
quando importa aliviar o carrego… o pobre bicho que vá para o diabo que o
carregue! Apesar do número de cães adoptados ter aumentado, existe um profundo
défice entre a adopção e o abandono, problema de difícil resolução com ou sem
crise, muito embora ela tenha agravado a situação. Tragédias à parte, os
rafeiros nunca foram tão procurados, adoptados, tornados cúmplices, adestrados
e usados como agora, numa proliferação que relembra os tempos idos, agora
retornados, da economia de sobrevivência, quando só os mais ricos podiam
comprar cães e os pobres se contentavam com os rafeiros.
Sem comentários:
Enviar um comentário