sábado, 5 de abril de 2014

O GUARDA DAS GALINHAS

Apesar de serem considerados perigosos à luz da lei e de se encontrarem sujeitos às suas penas, ainda continuamos a ouvir relatos sobre cães que atacam toda a sorte de animais (ovelhas, cabras, gatos, coelhos, galinhas, patos, cisnes, aves de ornamentação e daí por diante). E vamos continuar a ouvir se não tivermos o cuidado de os sociabilizar com essas espécies. Se desprezarmos o momento certo para o fazer, a tarefa revelar-se-á mais difícil e poderá não dispensar o castigo que induz à inibição ou a paciente troca de alvos que não dispensa a recompensa, isto se os cães em questão não se encontrarem devidamente treinados. É curioso reparar, por ser caricato e não deixar de ser estranho, que muitos desses ataques são efectuados por cães cuja primeira vocação é o pastoreio, transformando-se assim em pilha-galinhas ou em lobos devoradores. Quando averiguados, descobrimos tratar-se de cães que nunca se familiarizaram com outros animais, por se encontrarem presos ou porque nunca lhes foram apresentados.
A altura certa para se familiarizar um cão com o gado ou com outro tipo de animal doméstico, porque a sociabilização sem o contributo da familiarizarão é forçada, é logo em cachorro, depois de desmamado e autónomo, antes dos 4 meses e pelo convívio diário (quando tal for possível e daí não lhe resulte qualquer risco), altura em que melhor aceita as diferenças pela sua fragilidade e necessidade de integração, vindo posteriormente a considerar esse animais como membros do seu grupo familiar e por consequência a protegê-los. E dizemos antes dos 4 meses porquê, uma vez que os cachorros só a partir daí começam a seguir o seu bando, a segui-lo e a escalonar-se dentro dele? Se o cão for de raça pequena essa familiarização poderá acontecer até aos 6 meses de idade (antes da sua maturidade sexual), mas se for um Serra da Estrela, um Pastor Alemão ou um cão de igual tamanho ou maior, enfrentaremos as dificuldades advindas do seu tamanho e porte, factores que poderão levá-lo a medir forças com os animais ao seu redor e a identificá-los como presas.
É óbvio que o perfil psicológico do cão deve ser considerado. Por vezes, devido ao distanciamento, rotulamos os pastores de ignorantes e rudes, quando na verdade deveríamos aprender com eles e tirar lições da sua experiência, porque bem cedo instalam os seus cães no curral, prendendo com uma corda à cinta os maiores que não criaram e que mais tarde utilizarão, familiarizando-os primeiro e adestrando-os depois, contrariamente ao que acontece nas cidades, onde muitos cães chegam ao treino sem qualquer tipo de sociabilização.
Como se depreende, a familiarização e posterior sociabilização dos cachorros com os outros animais não será automática, porque todos precisam de se habituar uns aos outros, o que não os livrará de algumas pequenas bicadas, marradas ou arranhadelas, lições que aprenderão para a vida e que os farão respeitar e não abusar das outras espécies com quem coabitarão. Mesmo assim e considerando a salvaguarda dos cachorros, no início desse processo pedagógico, a sociabilização a haver não dispensará quer a presença quer a arbitragem dos donos.
Os cachorros destinados a guardar capoeiras ou viveiros de aves, jamais deverão ser alojados dentro desses habitáculos, considerando os riscos para a sua saúde, devendo por isso ser instalados no seu exterior e nas áreas destinadas ao exercício e robustecimento desses animais. Para além dos aspectos ligados á saúde dos cachorros, há que considerar a ocorrência de ovos e pintos, menus muito apreciados pelos cães, que alertados pelo cantar das galinhas e pelo piar dos pintos, bem depressa os deglutirão. Também porque as aves entram em choco e mudam o seu comportamento, tornando-se mais frágeis e apegadas ao ninho, o que as torna mais vulneráveis e apetecíveis, convém deixá-las separadas dos cães, para que não abandonem o ninho e acabem mortas (estraçalhadas).
Inicialmente, a habituação dos cachorros às galinhas deverá acontecer com elas fechadas dentro da capoeira e só depois com elas em liberdade. Quando as aves se encontram à solta não convém ter ração no prato dos cachorros, porque elas tendem a comê-la, atitude que desagrada aos cães e que poderá levar à luta pela sua posse ou protecção, o que desnecessariamente comprometeria de sobremaneira a sociabilização procurada. Os cães guardam as capoeiras por quase dos assaltos perpetrados pelas raposas nas zonas rurais do interior e não por causa dos comuns larápios, mas se o cinto continuar a apertar, o regresso dos “pilha-galinhas” pode acontecer. Se pretende construir uma capoeira e está em Portugal, vamos alertá-lo para um perigo: o popular “saca-rabos”, um mangusto introduzido na Península pelos árabes, cujo nome científico é “Herpestes ichneumon”, que por mão humana saiu do Sul e do Sudoeste e invade agora todo o País, muito embora as doninhas tenham a mesma preferência e produzam idêntico estrago.
O “saca-rabos” é um predador diurno que ao encontrar comida fácil e na ausência de coelhos bravos, está a alterar os seus hábitos de predador, caçando agora também durante a noite. Quando consegue entrar numa capoeira, porque caça em grupo, a “limpeza é geral” e raramente algum coelho ou ave se escapa. O seu número tem vindo a aumentar porque o seu predador natural, o “lince” (Lynx pardinus), se encontra em vias de extinção. Devido à sua morfologia, o “saca-rabos é capaz de entrar pelas malhas das redes mais comuns e passar por debaixo das portas das capoeiras, o mesmo acontecendo com as doninhas (Mustela nivalis), que também caçam à noite e que são ainda mais cilíndricas e mais pequenas (ver foto abaixo).
Diante destes invasores, os cães deverão encontrar-se soltos para lhes dar caça. Por precaução, as capoeiras deverão ter fundações com uma profundidade mínima de 50cm, o seu piso constituído em placa de betão com uma espessura mínima de 25cm, portas metálicas inseridas em caixilho e redes rígidas de quadrados com 1cm de lado. As áreas descobertas das capoeiras deverão também levar rede, para impedir os ataques das aves de rapina (águias, milhares, corvos, mochos e corujas). Para dificultar ainda mais a acção dos pequenos mamíferos predadores, a área circundante à capoeira deverá ser iluminada à noite. Também à noite, nas áreas mais isoladas ou rodeadas de matagais, para reforço da segurança, as redes da capoeira poderão ser protegidas com cercas eléctricas, das vulgarmente usadas para delimitar as áreas do gado bovino, podendo ainda haver lugar à colocação de armadilhas próprias nos acessos à capoeira, que sendo específicas para esses animais, não acarretam qualquer risco para os guardiões.
Nas áreas onde existem gatos é possível que algum caia nas armadilhas, porque eles são caçadores, apanham pássaros, caçam coelhos, matam pintos e também vão aos ovos das galinhas quando têm fome. Como as armadilhas são simples gaiolas de captura, não lhes causam nenhum dano, basta soltá-los e deixá-los ir à sua vida. E se houver algum risco, esse será para quem os irá soltar, porque embravecidos pelo cativeiro forçado e na ânsia de se libertarem, não hesitarão em morder ou arranhar qualquer mão desprevenida, de atacar os olhos ou a cara, causando escoriações incómodas e difíceis de sarar. Os cuidados a haver com os gatos são os mesmos para o saca-rabos e para a doninha. Caso seja vítima do ataque de algum deles, não hesite, dirija-se ao centro de enfermagem mais próximo e solicite a aplicação duma injecção de soro anti-tetânico, caso a sua vacinação contra o tétano não se encontre em dia.
Depois de sociabilizar os cães, há que facilitar e optimizar o seu desempenho. Eis em síntese como melhor sociabilizar um cão de pastoreio, como formar um guarda de capoeiras, quais os invasores que terá pela frente e como ajudá-lo na tarefa. Para proteger um rebanho dos lobos não há nada melhor que um molosso, para guardar capoeiras qualquer bracóide ou vulpino servirá, desde que activo, caçador e convenientemente sociabilizado. Se os ladrões de galinhas retornarem e os javalis incomodarem, então os bracóides terão que ceder lugar aos lupinos ou aos molossos, ainda que os lupinos sejam mais difíceis de sociabilizar com os animais em cativeiro e os molossos sejam mais lentos a escorraçar intrusos, apesar de mais temidos pelos javalis.

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