Um amigo nosso de longa data,
pessoa que apreciamos e amante de cães, farto do peso hierárquico e da
mediocridade que ele encobre, decidiu trocar o uniforme por uma vida menos
visível e mais sedenta de arte e paixão, a bem da sua realização, enquanto
homem, equitador e artista. Como não podia deixar de ser, porque essa é a sua
inclinação, vive rodeado de animais, apego que divide com a sua nova
companheira. Recentemente adquiriu uma cachorra pastora alemã, reconhecidamente
valente, astuta e muito promissora como parceira e guardiã, que apesar da sua
tenra idade, tenta impor-se aos dois cães adultos que com ela convivem, num
amatilhamento heterogéneo idêntico ao das matilhas de caça grossa do finado
El-Rei D. Carlos nos finais do Sec. XIX e alvores do Sec.XX. Um dos cães não
lhe oferece resistência, porque é toy, está velho, “traz uma pata às costas”,
vive um pouco à parte e foi acometido de leishemaniose. O mesmo não se passa
com o outro, um bracóide activo, pujante e com marcas visíveis de
amatilhamentos anteriores, que amiudadas vezes a “põe na ordem”, quando esta o
incomoda ou intenta liderar as acções, enquanto o nosso amigo trabalha, monta,
disserta sobre a energia cósmica, faz os seus esboços ou empreende as suas
pinturas.
A submissão imposta pelo
braco, facilitada pela diferença de sexo, idade, experiência, peso e robustez,
acabará por submeter definitivamente a jovem pastora, operando a sua
despromoção social e condicionando todo o seu potencial, já que obrigada a
respeitar a dominância do cão mais velho, mais dado à “cavaqueira” do que ao
ofício guardião, um excelente anfitrião para quem visita aquela casa, porque se
encosta a quem chega e recebe carícias de quem lhas dá. Quando a cachorra
atingir a maturidade sexual, se entretanto não for protegida das arremetidas do
seu opositor, que por menos dolosas que forem deixam marcas, porque são lições
de vida, será finalmente subjugada pela lei natural que sobre eles governa,
dificultando ainda mais a sua recuperação e ascensão.
Se o
objectivo do nosso amigo, companheiro franco, leal, esforçado, bom ouvinte e
interessado, for o de constituir uma matilha animal para seu gozo e para gáudio
de quem o visita, então não deverá intervir e deixar as coisas como estão,
porque sem grande esforço da sua parte isso acontecerá, já que o braco isso
fará sem maiores delongas. Mas se o seu objectivo for o contrário, o de formar
uma matilha funcional que lhe guarde a casa, então será obrigado a intervir
rapidamente e antes que seja tarde demais, para que a hierarquia animal não
comprometa ou obste ao seu desejo. E dissemos isto porque a cachorra tem 3
meses e meio de idade e por norma aos 6 o escalonamento hierárquico já se encontra
consolidado (aceite). Assim, deverá dar mais atenção à cachorra, chamá-la mais
para si e dedicar-lhe mais tempo, consolidar a relação binomial1,
adestrá-la e exercitá-la para o efeito, respeitando as regras relativas à boa
instalação doméstica2 e capacitando-a de acordo com o “Quadro de Crescimento
Funcional”3. Ela
deverá ter um espaço próprio e ser ensinada em separado. Não
obstante, deverá brincar com os outros cães para que se sociabilize, ainda que
debaixo da supervisão do dono para se evitarem os abusos do cão mais velho.
Depois de devidamente aproveitada e capacitada, capaz de se defender, madura e
robusta, a cachorra irá ainda ajudar-nos, pelo exemplo, na recuperação do cão
mais velho, transformando a outrora matilha animal em funcional.
1. RELAÇÃO CUMPLICE QUE O TRABALHO OFERECE, ADVINDA DE “BINÓMIO”, TERMO
ATRIBUÍDO NA CINOTECNIA AO CONJUNTO HOMEM-CÃO. 2. SUMULA
DE PROCEDIMENTOS QUE VISA A RECUPERAÇÃO OU POTENCIAÇÃO DO SENTIMENTO
TERRITORIAL CANINO. 3. QUADRO
DE ATRIBUIÇÕES LABORAIS DE ACORDO COM A IDADE DOS CACHORROS QUE COMPREENDE,
PARA ALÉM DA GINÁSTICA, AS 3 DISCIPLINAS CLÁSSICAS DO ADESTRAMENTO (OBEDIÊNCIA
PISTAGEM E GUARDA).
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