O Dox von Coburg Land
(1946-1965), um CPA de origem alemã que foi adestrado como cão-polícia em Turim
(Itália), é um ícone e a maior referência entre os Pastores Alemães, apesar da
sua história ser desconhecida por muitos dos actuais apaixonados e criadores da
raça, não obstante ter sido eleito 13 vezes como melhor cão policial do mundo,
resolvido 171 processos penais, capturado e denunciado 153 bandidos, ladrões e
assassinos, encontrado 136 pessoas idosas e crianças, operado 46 salvamentos,
ter sido ferido 7 vezes e ter ganho 11 medalhas de ouro e 27 de prata, números confirmados
oficialmente e depois lavrados na sua estátua para a posteridade. Pelo que foi
e pelo que fez, vale a pena relembrá-lo, decorridos quase 50 após a sua morte e
diante do fraco préstimo da maioria dos pastores actuais, cuja selecção, ao
descurar o impulso ao conhecimento, traiu os propósitos da raça, comprometeu a
sua capacidade de aprendizagem e tornou dispensável o seu uso.
Não se pode falar do Dox sem
se mencionar a figura do seu treinador, porque se o cão foi excelente, a sua
utilidade ficou a dever-se ao aproveitamento e aperfeiçoamento das suas
qualidades pelo seu líder, também ele excelente e primeiro responsável pelo
destaque binomial, o então Sargento Giovanni Maimone, que terminaria a sua
carreira militar no posto de Brigadeiro. De outra forma como poderia “il
Gigante” (nome pelo qual o Dox era conhecido pelos mafiosos e demais
criminosos), desarmar armas, desmontá-las, remover carregadores e destruir
cartuchos, para além de conseguir manter sozinho 12 homens perigosos dentro de
um quarto, enquanto o seu companheiro solicitava reforços? É importante referir
que naquele tempo não havia a divisão hoje existente entre cães de beleza e
trabalho, sendo todos julgados em função dele, contrariamente ao que agora se
vê, onde se impingem cães de beleza pró trabalho e se abastardam outros para
esse fim. Por onde andarão os descendentes directos das linhas de Deininghauser
e de Coburgo, em que mãos estarão e o que fizeram deles? Afortunadamente nós
tivemos alguns!
Foi o
conhecimento da história do Dox que nos levou a adoptar também a linguagem
gestual no nosso método de ensino, o que veio a acontecer nos finais da década
de 80 e que se mantém até aos dias de hoje, muito antes do estudo e contributo
dos peritos em comunicação não verbal ter chegado até nós, dos quais destacamos
o Prof. Albert Mehrabian, um iraniano radicado nos Estados Unidos e hoje
professor emérito na Faculdade da Califórnia, que através da célebre equação
com o seu nome, concluiu que numa conversa frente a frente, apenas 7% do
impacto da mensagem se deve às palavras, 38% às matizes empregues, ao tom de
voz e a outros sons e que 55% resultam apenas de gestos e posturas. Acontece
que o Dox foi também ensinado assim, mediante a linguagem gestual, porque o seu
dono comprou-o e levou-o sem autorização para o quartel da polícia,
escondendo-o dentro do seu quarto, passando o cão a maior parte do dia sozinho
e comunicando com ele através de gestos, para não serem denunciados. À noite
saíam, mas nunca para dentro do campo de treino. Depois de descobertos, Maimone
recebeu autorização para ficar com o Dox e pode treiná-lo como cão-polícia,
entrando ambos para o serviço e destacando-se como o seu melhor binómio, apesar
de penalizado nas provas por falta de “ Hörlaut” (comando verbal). E isto
aconteceu 24 anos antes da primeira publicação de Mehrabian! Também recebemos
uma dica nas nossas andanças pelas línguas clássicas, ao depararmos com Flávio
Josefo (מתתיהו בן יוסף), um judeu
historiador e latinista da antiguidade (Sec.I), que a certo ponto escreveu: “ quando
os animais deixaram de falar, foi o gesto que permitiu aos homens falar com eles”.
O uso que
temos feito da linguagem gestual no adestramento não nos tem isentado do
recurso à linguagem verbal, uma vez que as usamos em simultâneo para a
celeridade das acções e figuras, já que o mundo do cão é feito de sons e odores.
Para além dos aspectos ligados à prontidão das ordens, usamos a linguagem
gestual para evitar a tensão de quem ordena e o stress de quem obedece, quando
é necessário reforçar a liderança para que o movimento humano atinja a resposta
animal pela sincronia entre o gesto e a acção (cumplicidade), transformando a
disciplina corporal na arte de ensinar cães, já que qualquer olhar, postura ou
tom de voz, alcança mais do que o mais elaborado dos discursos. E porque
estamos a falar de capacitação dos condutores, importa que melhorem a fala e
que adquiram gestos que não interfiram no normal desenvolvimento pedagógico dos
seus cães, condições quase omitidas nos actuais métodos de ensino, prontos a
culpabilizar os cães e a descuidar a formação dos seus mestres, em particular
quando os resultados ficam aquém das expectativas, como se os animais fossem
uns pobres coitados e os donos houvessem sido bafejados pelo infortúnio.
Pergunta-se agora: porque é que no passado recente todos os cães aprendiam,
hoje o insucesso escolar canino é tão alto e sujeito a delongas?
Tratar da comunicação
interespécies, que é disso que também trata o adestramento, é estender aos cães
uma linguagem que lhes seja automaticamente perceptível e essa terá que ser a
emocional, comunicação que se espraia na mímica, nos gestos e num conjunto de
rituais, o que implica em dizer que um treinador de cães, mediante a sua
postura corporal, vai adquirindo posturas e mímicas próximas à dos animais que
ensina, adquirindo comportamentos que desnudam a sua actividade laboral. Uma
vez desenvolvida esta habilidade, ele irá conseguir libertar sentimentos
perceptíveis e apreensíveis junto dos animais que educa, acontecendo
exactamente o mesmo com os etólogos que intentam comunicar com os lobos, o que
não implica no abandono peremptório da linguagem verbal, já que ela é um
precioso subsídio educacional quando usada correctamente, desejando-se
inclusive que todos os condutores sejam portadores de uma voz poderosa, clara e
modelada. Mas como nem todos conseguem alcançá-la, por entraves genéticos,
ambientais ou traumáticos, é comum que se deixem vencer pela tensão corporal,
advinda do esforço que leva a uma postura contraída e que não esconde as
dificuldades da sua inaptidão. Nestas situações, a linguagem gestual tende a
consertar aquilo que a voz destrói, surgindo o gesto como complemento da ordem,
colocando-a perceptível e de fácil assimilação para os cães.
Através
da mímica conseguimos recriar nalguns cães a naturalidade, a calma e o
bem-estar que a selecção rácica lhes roubou, incapacidades que hoje muitos
lamentam (criadores e proprietários), já que com o gesto estamos a reinventar o
rito da comunicação interespécies. Nos cães agressivos a linguagem gestual
opera a confusão que leva ao travamento, com o travamento vem a curiosidade e
com ela opera-se o desenvolvimento do impulso ao conhecimento. Nos cães
medrosos o recurso à mímica gera um sentimento de cumplicidade que carrega
alento e os liberta do stress, fazendo-lhes despertar o gosto por aprender.
Ao longo de décadas ensinámos
um número considerável de cães surdos, maioritariamente Dálmatas e Dogues
Argentinos e nenhum deles ficou por ensinar, muito embora a tarefa não se tenha
revelado fácil. Tal só foi possível graças à linguagem gestual. De que outra
maneira lhes poderíamos valer nas curtas e médias distâncias? Esganando-os com
as correntes dos enforcadores ou transformando-os em comilões inveterados?
Importa alertar os condutores caninos para a condução à trela, que deve ser suave
e atenta, pois há uma diferença significativa entre a mão que se estende em
ajuda e aquela que estrangula, uma vez que não irão laçar lagartixas ou esganar
jacarés. Não é fácil ensinar linguagem gestual, já que a sua aquisição não é
automática, particularmente quando a maioria das pessoas perdeu há muito a
capacidade de comunicar com os animais.
Mas se
existe alguma transcendência operativa no adestramento, capaz de melhor
aproveitar todo manancial que os cães têm para oferecer, ela resultará
certamente da adaptação individual dos condutores, que desafiados para a
prática da linguagem gestual, conseguirão melhor comunicar com os seus animais.
È importante relembrar que as chaves da conquista amorosa residem nos gestos e nas
atitudes, sendo exemplo disso o ritual de acasalamento entre os cães, havendo
cadelas que detestam de imediato os cães que lhe são apresentados e cães que se
desinteressam das cadelas que lhe são oferecidas para copular, o que vem dar
razão a Josefo, Maimone e Mehrabian, e a nós também! Dificilmente sem a
linguagem gestual será possível encetar manobras de surpresa bem sucedidas,
quando a nossa vida e a do nosso companheiro possam estar em risco.
Foram muitos os binómios que
entre nós se destacaram no exercício da linguagem gestual, por isso só
manifestaremos alguns, pedindo desde já desculpas àqueles que não mencionámos:
A.Crava/Sam, Beatriz/Warrior, G.Gamboa/Cherockee, Isabel/Orca,
J.Gabriel/Master, Joana/Flikke, Jorge/Brownie, Maria D./Afonso, Mónica
Madeira/Tarzan, Paulo/Alfa, Rui/Red e Sofia F./Zazou. Estes binómios como
tantos outros provaram que é possível ensinar um cão em silêncio e
desenvolver-lhe aptidões, assim como já havia acontecido entre o Brigadeiro
Maimone e o Dox. Muitos deles realizaram façanhas que dificilmente veremos
repetidas, factos que nos levam para diante e que dificilmente esqueceremos,
agradecendo-lhes desde já a jornada que trilharam connosco. Regressando ao Dox,
queremos divulgar uma foto de dum exercício deveras difícil que se tornou fácil
para ele e que publicamos a seguir, para matar saudades e para homenagear este
excelente cão.
Quantos Dox’s ainda veremos?
Dificilmente voltaremos a ver mais algum, como não veremos outros iguais aos
nossos: “ Afonso”, “Bibos”, “Brutus”, “Faruk”, “Francês”, “Juby”, “Ken”,
“Roger” e “Warrior”, amigos fiéis que suavizaram as nossas vidas e que nos
dedicaram as suas, companheiros incondicionais que nos fizeram crescer e de
quem sentimos falta. Que pena não se poder ter um cão para toda a vida!
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